No
livro "Retomada do crescimento" (Editora Elsevier) que organizei
recentemente com Mansueto Almeida não poderia faltar uma reflexão sobre a
Previdência. Sendo um livro com propostas de reforma para o governo a
ser empossado em 2019, porém, e dado que tínhamos nos comprometido em
entregar o livro no começo de 2017, tivemos com meu co-autor do capítulo
previdenciário, Paulo Tafner, que fazer uma escolha acerca de que
premissas assumiríamos na definição das propostas para uma "Agenda
2019".
Antes de saber o conteúdo do substitutivo do relator da
Proposta de Emenda Constitucional (PEC), tínhamos duas opções. A
primeira era assumir que a proposta de reforma encaminhada em dezembro
seria aceita na íntegra. A segunda era admitir que os pontos A, B e C da
proposta seriam substituídos pelas propostas X, Y e Z. Como o conjunto
de possibilidades neste caso seria infinito, diante das dificuldades de
argumentar por que se tinha adotado uma hipótese e não outra, optamos
pela primeira alternativa. Em nossa "bola de cristal", não contávamos
com a crise política iniciada dia 17 de maio em função da divulgação das
gravações de Joesley Batista.
O ponto a ser enfatizado é que,
mesmo assumindo a hipótese de plena aceitação da proposta original do
governo, haveria provavelmente a necessidade de aprovar uma nova reforma
previdenciária adicional em 2019. Isso porque, como discutimos no
capítulo "Reforma da Previdência: a hora chegou", a proposta oficial era
relativamente branda para com aqueles que tinham idade próxima a 50
anos e estavam perto da aposentadoria.
Numa das tabelas do
capítulo, apresentam-se casos concretos de pessoas que, no momento da
possível aprovação da reforma, na época assumida como ocorrendo em
meados de 2017, tivessem 50 anos. Mostra-se ali que, ao longo do governo
2019/2022, essas pessoas, mesmo tendo que dilatar ligeiramente seu
tempo de permanência no mercado de trabalho, continuariam a se aposentar
com idades entre 52 e 55 anos.
O capítulo chama a atenção para
os riscos envolvidos na continuação de uma pressão significativa das
despesas do INSS, no contexto da vigência do teto real de gastos. Nele,
enfatiza-se o contraste entre a projeção de crescimento feita no livro
para o biênio 2016/2017 - no qual, arredondando os valores, para o gasto
total, teríamos uma expansão real média nula do gasto total exclusive
transferências - para o gasto real de INSS + LOAS, de em média 6% ao
ano; e a das demais despesas, com queda média prevista de 4% ao ano no
citado biênio, sempre em termos reais e mesmo incluindo o aumento real
de pessoal. Mantido tal contraste entre a trajetória das
despesas previdenciárias e assistenciais e a das demais despesas nos
próximos anos, a tensão que isso geraria para a implantação das
políticas públicas colocaria em xeque a execução da política fiscal da
próxima administração. Disso decorria a recomendação de fazer uma nova
reforma em 2019, com uma regra de transição severa e idade mínima
imediata para a aposentadoria, de 60 anos para os homens e 57 para as
mulheres, com elevação posterior.
No capítulo, tal recomendação
foi complementada pela sugestão de encaminhar uma proposta ao Congresso
em 2019 propondo a indexação do salário mínimo (SM) ao INPC por 10 anos a
partir de 2020. Isso retiraria a pressão do SM sobre o INSS e os
Benefícios de Prestação Continuada (BPC) sem que para tanto seja
necessário o investimento em capital político que requer a aprovação de
uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Essas eram as
conclusões que se derivavam do capítulo, à luz da hipótese da aprovação
da proposta de reforma nos moldes da PEC original encaminhada ao
Congresso. Naturalmente, elas se consolidaram após a modificação da
mesma por ocasião da adoção do substitutivo do relator, que, no bojo de
uma intensa negociação política, fez uma série de compreensíveis
concessões. E, obviamente, as conclusões foram ainda mais reforçadas
após a paralisia acerca do tema que tomou conta do meio político depois
de maio, devido aos já famosos áudios divulgados na ocasião.
Lembremos
que a despesa do INSS em 1988 era de 2,5% do PIB e cresceu em forma
praticamente contínua desde então, alcançando um percentual do PIB de
4,8 % no Plano Real em 1994; 6,8% em 2014; e 8,5% do PIB em 2017. Esse
crescimento está estrangulando rubricas essenciais do Orçamento,
atropelando diversas políticas públicas fundamentais para o país. Mesmo
que nos próximos meses seja aprovada uma reforma "aguada", em 2019 a
reforma previdenciária terá que ser um compromisso inadiável.
Isso
mostra a atualidade do desabafo de Cássio Casseb, conhecido executivo
que saiu para fazer um road show em 2005 com "céu de brigadeiro" e
voltou duas semanas depois, após a denúncia do "mensalão", trazendo à
baila velhos fantasmas: "No Brasil, você passa 15 dias fora e muda tudo,
mas passa 15 anos fora e não muda nada". A tendência nacional a
procrastinar o enfrentamento dos problemas é dramática.
Fonte: Fabio Giambiagi - Valor Econômico
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