Bolsonaro expressa questões e posições de uma
sociedade que está de ‘saco cheio’ com tudo o que está aí
Há um
profundo mal-estar na sociedade brasileira. As pessoas estão tomadas pelo
desânimo e pela insegurança, portadoras de uma grande descrença em relação aos
políticos e aos partidos. Se a moralidade pública tornou-se uma bandeira
política, é por que não faltaram razões que corroboram uma tal percepção. É bem
verdade que a economia voltou a crescer, criando novas condições sociais,
graças às reformas realizadas pelo atual governo, porém tais efeitos ainda não
se fizeram sentir ou não são percebidos enquanto tais.
Não
deveria, portanto, causar estranheza o fortalecimento da candidatura do
deputado Jair Bolsonaro, na medida em que ele consegue dar vazão ao sentimento
de uma sociedade cansada de desmandos. Pretender desqualificá-lo como sendo de
extrema-direita é nada mais do que uma reação de tipo ideológica, pois não leva
em consideração que suas posições estão enraizadas na sociedade. Ele não é uma
“bolha” que logo estourará, mas um fenômeno que expressa questões e posições de
uma sociedade que está de “saco cheio” com tudo o que está aí.
A
descrença da sociedade com os políticos e partidos em geral tem sérias razões.
Não há praticamente nenhum grande partido que escape. O PT foi o grande mestre
com o mensalão e o petrolão, em cujos governos o país foi levado à ruína
econômica e à falta completa de ética. Ex-membros do novo governo estão
envolvidos na Lava-Jato, como o de um ex-ministro com mais de 50 milhões
escondidos em um apartamento. As imagens foram impactantes. O ex-presidente do
PSDB também aparece envolvido no caso da JBS. A lista poderia ser interminável.
Fica, porém, a percepção de que todos os partidos estão podres, embora
evidentemente existam pessoas sérias e honestas em todos eles. O que conta aqui
é a percepção popular. Neste sentido, a posição de um outsider tende a ser
muito bem recebida.
As
denominações de esquerda e direita, em tal contexto, passam a não ter maior
significação, porquanto a questão reside em como dar respostas aos problemas
que são postos pela sociedade. Expressão deste deslocamento encontra-se em
recente entrevista do ex-presidente Fernando Henrique, ao declarar que tem
“medo da direita”, em uma alusão indireta ao deputado Bolsonaro. Curioso. Não
teria ele “medo da esquerda” lulopetista que destruiu o país? Ou de Chávez e
sucessores que conduziram a Venezuela ao abismo?
A
sociedade não mais tolera as invasões do MST e de seus assemelhados urbanos
como o MTST. Quer tranquilidade em sua vida e em seu trabalho. Note-se que o
MST foi estimulado e acariciado tanto pelos tucanos quanto pelos petistas, com
exceção da ex-presidente Dilma, que dele se demarcou e do atual presidente, que
tampouco compactua com a desordem. Acontece que o desrespeito à propriedade
privada é condenado pela imensa maioria da população, não mais embarcando nos
cantos românticos de uma esquerda irresponsável. Consequentemente, quando um
outsider como o deputado Bolsonaro toma para si esta bandeira, ele não apenas
se contrapõe a importantes partidos, como expressa o que é sentido e condenado
pela sociedade.
Pegue-se,
por exemplo, um projeto de lei hoje tramitando que permite aos proprietários
rurais a autodefesa mediante autorização para registro e posse de armas. Alguns
afoitos ou mal intencionados já criticam tal lei como se ela viesse a
estabelecer o “faroeste no campo”. Como assim? Não será que ele já existe sob a
forma de invasões violentas do MST, com uso de armas, sequestros, incêndios,
destruição de propriedades e assim por diante? E a prática do abigeato? E os
simples roubos e assassinatos? Condenam-se os que procuram defender-se e, não
os que usam da violência em suas invasões. Se um candidato dá voz aos que não
conseguem se fazer ouvir, qual seria aqui o problema? O de ser de direita?
Santa paciência.
As
pessoas já não mais conseguem caminhar livremente nas cidades brasileiras. A
insegurança impera, estando a violência sempre à espreita. O automóvel é hoje
utilizado para qualquer deslocamento, expressando um medo disseminado. Os mais
ricos andam de carros blindados. Um direito básico, o de livre circulação das
pessoas, é simplesmente anulado pela insegurança física das pessoas e dos seus
bens. Pais e mães ficam angustiados à espera de um filho ou filha que foi a uma
festa noturna. Mães são assassinadas quando buscam filhos na escola. A situação
é totalmente intolerável, e nenhum governo ocupou-se seriamente da segurança
pública. Tucanos e petistas nada fizeram, sendo a nossa realidade, hoje, produto
de uma longa história de descaso com a coisa pública. Não deveria surpreender
que um candidato que vocalize tal problema básico do Estado cresça na opinião
pública. Se o deputado Bolsonaro cresce nas pesquisas, é por que os partidos
tradicionais abriram-lhe espaço ao não enfrentarem as questões por ele
suscitadas.
Chegamos
a uma assaz esquisita situação em que bandidos circulam livremente, com armas
de uso restrito militar, pelas favelas brasileiras, sem que nada seja
efetivamente feito. Até posam para foto, dada a total impunidade. Se um militar
os enfrenta, da polícia, do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica, logo
instaura-se um processo contra ele, agora felizmente sob os auspícios da
Justiça Militar. Se for menor, pior ainda, pois seria um “civil” indefeso que
teria sido morto. Os valores estão totalmente invertidos. Os ditos “direitos
humanos” não deveriam ser utilizados para a proteção de criminosos, maiores ou
menores. Menores matam livremente e, depois da uma breve reclusão, saem de
ficha limpa. É um estímulo ao crime. Assim, se um candidato defende a redução
da maioridade penal e a revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente, é
imediatamente estigmatizado como conservador e retrógrado. A perversão é
completa.
A
sociedade já não mais tolera a impunidade, venha de onde vier.
Denis
Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul
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