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domingo, 24 de dezembro de 2017

Um indulto sob medida para estancar a sangria



Já se disse que o fim da Lava Jato viria por meio de um acordão "com o Supremo, com tudo". Provavelmente envolveria o Congresso Nacional, que quase aprovou uma anistia para a corrupção no fim de 2016 --disfarçada, é bem verdade, de anistia a caixa dois. [chega a ser cômico acusar o Congresso Nacional de aprovar uma anistia disfarçada de 'anistia ' a caixa dois - prática que não é crime, portanto, não há o que ser anistiado.
Para que a tão comentada 'anistia a caixa dois' tenha fundamento é necessário primeiro criar uma Lei punindo as práticas que são conhecidas como 'caixa dois'; após essa tipificação e a entrada em vigor da Lei, caixa dois passará a ser crime e os crimes cometidos APÓS a entrada em vigor de tal lei serão julgados na forma da mesma lei, quando então poderá ser criada uma Lei anistiando tais condenados.]  Um ano depois, foi o presidente da República, Michel Temer, que decretou aquilo que pode ser o fim da expansão da Lava Jato. Seu indulto de Natal colocou um torniquete na Lava Jato. A sangria está sendo estancada. 

No fim de cada ano, é tradição da Presidência da República emitir um decreto que diminui ou perdoa as penas de quem foi condenado por crimes, o indulto natalino. O perdão das penas fica sujeito ao atendimento de alguns requisitos. Assim, o decreto de indulto de 2016 perdoou, por exemplo, quem (a) fosse primário, (b) tivesse sido condenado por crimes praticados sem violência ou grave ameaça a menos de 12 anos de prisão e (c) tivesse cumprido 25% da pena. Preenchendo os requisitos, a pessoa teve o restante de sua pena extinta e foi solta. 

Embora seja o presidente da República que dê o indulto é o Poder Judiciário que o aplica caso a caso. Contudo, o Judiciário não tem liberdade para deixar de aplicar o perdão da pena a quem preenche os requisitos do decreto. José Dirceu do PT, Pedro Henry do PP e Valdemar Costa Neto do PR tinham sido condenados no Mensalão a pouco mais de 7 anos de prisão por corrupção e, no caso dos dois últimos, também por lavagem de dinheiro. Em 2016, passados apenas dois anos do começo da punição, já preenchiam as exigências do indulto e foram perdoados. Foi assim que as penas do Mensalão viraram pó. O Ministro Barroso, obrigado a aplicar o perdão presidencial a José Dirceu, já então réu na Lava Jato, registrou seu inconformismo. "O excesso de leniência privou o direito penal no Brasil de um dos principais papéis que lhe cabem, , que é o de prevenção", afirmou. Para ele, a mensagem passada era a de que o crime compensa, o que incentiva novos delitos. [o decreto de indulto - por principio, somos contrários a qualquer forma de indulto, mas, também entendemos que as leis existem para serem cumpridas - é atribuição do presidente da República por força de Lei.
Sendo o decreto de indulto promulgado na forma da Lei só resta o seu cumprimento.
Não cabe ao procurador Dallagnol ou ao ministro Barroso ou qualquer outra autoridade ou mesmo cidadão comum se recusar a cumprir - quem praticar tal recusa ficará sujeito às penas de lei.]

O decreto de 2016 não atingiu os principais réus da Lava Jato porque as penas deles superavam em geral 12 anos. Contudo, o indulto do presidente Temer dá o perdão independentemente do montante da pena total. No caso de crimes praticados sem violência ou grave ameaça como a corrupção, basta ser primário e ter cumprido 20% da pena quem tem mais de 70 anos, precisa cumprir menos ainda. [em que pese a importância que o procurador Dallagnol atribui ao seu cargo (por essa matéria se percebe que o excelentíssimo procurador entende que qualquer decreto que possa 'raspar' na Lava-Jato - que para ele não é apenas uma operação policial e sim uma instituição -  deveria ser previamente submetido ao seu exame) nos parece que a aplicação de um percentual para definir o quanto foi cumprido da pena para que o condenado faça jus ao indulto, torna o perdão DEPENDENTE do montante da pena total.
Sendo mais claro: para fazer jus ao indulto quem tenha cumprido quatro anos da pena  = 20% da pena = torna a pena total 20 anos. 
Assim, o montante total da pena é condição básica para definir quem tem direito ao indulto.] Como corruptos são em regra primários (mesmo quando praticaram crimes no passado, a demora de seus processos impede que se tornem reincidentes), na prática, basta satisfazer a condição temporal. Assim, os réus condenados pela Lava Jato que cumpriram 20% de suas penas estão perdoados. É o caso do político João Argolo, punido por corrupção e lavagem de dinheiro com prisão ao longo de 12 anos e 8 meses.

Preso em abril de 2015, ele agradece muito o indulto de Natal e já pode sair da cadeia. Sua pena está perdoada. Embora este decreto só as aplique a quem já cumpriu 20% da pena hoje, o problema é que, tradicionalmente, cada decreto de indulto é tão ou mais benéfico do que o anterior. Réus da Lava Jato, portanto, podem nutrir a expectativa de que terão 80% de suas penas perdoadas. O presente de Natal aos corruptos produz, é claro, uma profunda injustiça. 

(...)

O decreto de indulto é o garrote que estanca a sangria, impedindo novas colaborações premiadas. É o fim da Lava Jato como a conhecemos, uma investigação ágil em constante expansão. Além disso, dá uma saída para os corruptos, criando a expectativa fundada de que cumprirão só 20% da pena. A mensagem que fica é: fraudem licitações, desviem dinheiro da saúde, educação e segurança e encham seus bolsos. Venham, roubem e levem. A temporada da corrupção continua aberta no Brasil. A sangria que acaba, com isso, é a deles. A sangria da sociedade brasileira nossa continua. Fica a esperança de que o Supremo reconheça a inconstitucionalidade desse decreto que protege o criminoso, expõe a sociedade e afronta o povo brasileiro, que está farto de corrupção, mas tem fome e sede de Justiça. 

*Deltan Martinazzo Dallagnol é procurador da República e coordenador da força-tarefa Lava Jato no Ministério Público Federal do Paraná.







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