Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER

domingo, 3 de junho de 2018

Na fronteira da escravidão [única solução: fechar fronteira]




[Brasil tem mais de  13.000.000 de  desempregados, muitos famintos; e as necessidades dos brasileiros, especialmente em solo brasileiro, tem prioridade em relação as de um estrangeiro.
É lamentável a situação dos venezuelanos, mas, entre eles e os brasileiros, a prioridade, o direito, até mesmo uma questão de Justiça, manda dar prioridade aos nascidos no Brasil.]


Desesperados por emprego, venezuelanos são explorados em fazendas de Roraima

Miguel planeja a universidade. A mãe, costureira, sonha com isso. O pai opera máquinas na PDVSA, a estatal de petróleo da Venezuela. O menino caminha para o fim do ensino médio. Mira Engenharia Mecânica, na própria cidade, El Tigre, talvez inspirado pelo trabalho do pai.  José Daniel experimenta a paternidade pouco após deixar a adolescência. É chaveiro na Isla Margarita, paraíso turístico mais conhecido em território venezuelano. A ilha de 600 mil moradores, ao norte do país, vive lotada de gringos. Em Maturín, capital de Monagas, Argenes também opera máquinas na PDVSA, enquanto a mulher, médica pediatra, comanda um movimentado ambulatório num hospital. O caçula deles acaba de nascer. Denci toca seu negócio: vende cachorro quente, sanduíche, frango frito; oferece mesas de sinuca para a clientela. Na mesma cidade, Osward trabalha num laticínio.

Esse é um recorte de dois, três anos atrás na vida dos cinco venezuelanos. Tudo ruiu. Os bolívares recebidos perderam poder de compra diante de uma hiperinflação de quase 14.000%. Uma semana de trabalho compra apenas meia cartela de ovo ou um quilo de café. A economia encolhe num ritmo de 15% ao ano. A pobreza extrema triplicou. A violência estalou na porta de casa.  A fome foi a senha derradeira para uma verdadeira jornada de Miguel Maica, de 18 anos; José Daniel Cabello, 23; Argenes Hernandez, 32; Denci Flores, 42; e Osward Lara, 35. Percorreram por terra distâncias de até 1,4 mil quilômetros. Deixaram tudo para trás, incluindo suas famílias, e cruzaram uma fronteira — porta de entrada de uma verdadeira tragédia humanitária.
  • Em 2018, 12 já resgatados
  • Vergonha de contar à mãe
  • Fiscais focam em roraima
  • 'Vou assinar carteira para homem de roça?'
Em 2018, 12 já resgatados
Em território brasileiro, mais especificamente em Boa Vista, viraram “venecos” — o pejorativo termo que os brasileiros usam para se referir aos venezuelanos expulsos de um país em ruínas. A equação é bem simples: não há trabalho em Boa Vista; os venezuelanos estão em esquinas e sinais aceitando qualquer trabalho, a qualquer preço. Essa dicotomia vem alimentando um fenômeno cada vez mais real, frequente e óbvio: trabalhadores estão deixando a Venezuela para servirem de mão de obra escrava no Brasil.

É nesse contexto que Miguel, José Daniel, Argenes, Denci e Osward se encontraram. Eles foram levados das ruas de Boa Vista para uma fazenda a 30 quilômetros da cidade. Em condições degradantes de trabalho, erguiam dois sítios para dois brasileiros. Até o último dia 17, uma quinta-feira. Os cinco foram resgatados por um grupo móvel de combate ao trabalho escravo, por estar configurada condição análoga à escravidão.  No dia anterior, outro resgate foi feito. Um venezuelano e dois brasileiros também foram retirados de um regime de exploração. A reportagem acompanhou as duas ações passo a passo. Somente neste ano, 12 venezuelanos foram libertados da condição de escravidão contemporânea. A quantidade é três vezes maior do que em 2017 inteiro, com 4 resgatados.

Como há muito tempo não se via, auditores fiscais, acompanhados de procuradores do Trabalho, estão flagrando tarefas forçadas, e não somente condições degradantes. Quando o grupo móvel chega a uma fazenda que explora trabalho análogo à escravidão, a sensação e os relatos ouvidos são os mesmos: a realidade se espraiou nas fazendas vizinhas. Os explorados, agora, são venezuelanos.

Vergonha de contar à mãe
Miguel completou 18 anos em 14 de março deste ano. Três dias depois, deixou El Tigre, mais ao norte da Venezuela, rumo à fronteira com o Brasil. Já havia terminado o ensino médio. E frequentado por apenas um dia a faculdade de Engenharia Mecânica numa universidade pública. — Esperei fazer 18 anos para vir pra cá. Não queria chegar e ser mandado de volta por não ter 18 anos — diz o jovem. Em Boa Vista, dividiu uma casa com mais dez venezuelanos. Pagava R$ 50 de aluguel. Miguel passava os dias nos sinais de trânsito, com uma placa no pescoço: “Preciso de trabalho”. Há dezenas — ou centenas — assim pela cidade.

O empresário Patrick Morgado parou sua caminhonete S10 cabine dupla no sinal cheio de venezuelanos e ofereceu trabalho: — Quem quer cuidar de uma fazenda?
Patrick prometeu pagar R$ 600 por mês. Ou uma diária de R$ 25, o método de pagamento mais ofertado aos venezuelanos que estão em Boa Vista. Miguel topou a empreitada.  — O trabalho que saísse eu deveria agarrar. Eu disse: “Vou aí”. Ele disse que precisava de uma rede para dormir, arrumei uma, busquei minhas coisas e fui — relata.
O jovem foi levado para a zona rural do município de Cantá, mais especificamente o Sítio Paraíso, com a promessa de receber os R$ 600 mensais. Instalou a rede num barracão sem paredes, coberta com telhas de zinco, sem energia elétrica e banheiro. Os banhos são no riacho próximo. As necessidades fisiológicas, no mato. A água consumida precisa ser buscada em sítios vizinhos — ou vem do mesmo riacho.

Ao lado do espaço onde Miguel ficava, seus quatro amigos venezuelanos ergueram um barraco de lona preta, onde dormiam em redes. Dois deles já haviam trabalhado com Patrick. Chegaram a morar numa das casas que o empresário aluga em Boa Vista — o valor devido foi descontado de pagamentos de dez diárias, ao preço de R$ 30 cada uma.

Eles migraram de patrão. Passaram a trabalhar para “Puerón” — a versão em espanhol do apelido do empregador, “Poeirão”. O acerto também foi de R$ 30 a diária, a partir do dia 2, para plantar, roçar e abrir buracos para o depósito de lixo e para bases de uma casa no sítio. Até o dia do resgate, não haviam recebido nada. O dinheiro iria direto para a Venezuela.

Com Patrick, o trabalho era de domingo a domingo, como contaram aos fiscais. Com “Poeirão”, iam até sábado. Os empregadores forneciam a comida, preparada numa “cozinha” sob lona e com péssimas condições de higiene. Apenas um deles tem telefone celular. Ninguém tem CPF ou carteira de trabalho. Parte tinha só data agendada para fazer o pedido de refúgio. — Na primeira semana que trabalhamos para Patrick, saímos daqui sem receber nada porque ele descontou do aluguel — diz José Daniel.

Constatadas as condições degradantes de trabalho, que levavam a um enquadramento em condições análogas à escravidão, conforme a legislação brasileira, o grupo móvel decidiu que os cinco deveriam ser retirados imediatamente da fazenda. Os auditores fiscais quiseram saber de Miguel o que sua mãe dizia sobre onde vivia no Brasil. Ele nunca contou à mãe onde estava:  — Se eu digo à minha mãe que estou vivendo assim, em meio a essas intempéries, ela vai me dizer: “Volte para a Venezuela.” Não vai querer que eu viva aqui — conta o jovem.
E a um amigo, como descreveria o lugar onde vive? — pergunta a reportagem.
— Como um sítio com um barracão sem paredes, chão de terra e sem banheiro — responde.

Fiscais focam em Roraima
O aumento no número de denúncias de trabalho escravo envolvendo venezuelanos fez o grupo móvel — capitaneado pelo Ministério do Trabalho e com participação do Ministério Público do Trabalho, da Defensoria Pública da União e da Polícia Rodoviária Federal — focar as ações em Roraima. Trabalhadores nos abrigos de refugiados e nas ruas de Boa Vista relatam aceitar trabalhos por diárias a R$ 10, R$ 20, R$ 30. São comuns os relatos de calotes.

Em dois dos três dias destinados às ações in loco — algumas regiões são distantes e de difícil acesso — houve resgates de venezuelanos. No terceiro, as condições de trabalho dos imigrantes eram minimamente aceitáveis, mas com irregularidades que levaram à autuação do empregador.  O comboio da fiscalização, no dia 16, estava com dificuldades para localizar a fazenda que era o principal alvo naquele momento, depois de percorrer mais de cem quilômetros desde Boa Vista. A três quilômetros do local buscado, na região da cidade de Amajari, os fiscais identificaram um segundo alvo. Decidiram entrar e encontraram três trabalhadores em condições análogas à escravidão, um deles venezuelano: Pedro Manoel Fajardo, 43.

'Vou assinar carteira para homem de roça?'
Ao mesmo tempo, um homem numa caminhonete Amarok branca passava em baixa velocidade em frente à entrada da fazenda. Minutos depois, passou por quatro vezes com a carroceria cheia de gente. Policiais rodoviários desconfiaram de uma ação para evitar a fiscalização. Sem o flagrante, não havia mais o que fazer.  Dentro da Fazenda Pau Baru, Pedro Manoel trabalhava no roçado, juntamente com Jovino Francisco Dias e o filho, Ricardo Dias. Os três dormiam em redes, sob um barraco de lona preta, sem banheiro, a poucos minutos da sede. Os banhos eram sob um cano que captava uma água escura de uma pequena represa. A mesma água era usada para o consumo e para o cozimento de alimentos — ela recebia um “tratamento” com água sanitária, depois de ser coada num pano.

O patrão de Miguel reagiu assim quando soube da necessidade de assinar a carteira do jovem: — Nunca assinaram a minha carteira por uma vida inteira. Vou assinar carteira para homem de roça? Existe essa lei?
Para Patrick, “escravos, eles são em Boa Vista”:
— Pode ter mil audiências que não vou. Fiz isso para ajudar. Eles apanhavam da polícia na praça.
“Poeirão”, o dono do sítio vizinho, estava fora de Roraima. Ele é garimpeiro e vai a países fronteiriços, como a Guiana, atrás de trabalho. A mulher dele apareceu na fazenda e prestou depoimento. — A gente precisa ter empresa para assinar carteira? — quis saber ela. Já o patrão de Pedro Manoel, Jovino e Ricardo negou explorar seus trabalhadores. Todos eles precisaram se sentar à mesa, numa audiência na Superintendência do Trabalho em Boa Vista, para discutir os pagamentos que precisam ser feitos.

Ao todo, os auditores fiscais lavraram 60 autos de infração. Miguel receberá R$ 1,9 mil em verba rescisória. Cada um dos outros quatro venezuelanos da Fazenda Paraíso, R$ 1,8 mil. E Pedro Manoel, R$ 2,2 mil, valor semelhante ao que será pago a cada um dos brasileiros resgatados. Os venezuelanos receberão três meses de seguro-desemprego, no valor de um salário mínimo por mês.  O Ministério Público do Trabalho e a Defensoria Pública da União ainda darão encaminhamento a ações por danos morais. Um termo de ajustamento de conduta já foi assinado com o dono da fazenda onde estava Pedro Manoel e os dois brasileiros. Pelo acordo, cada um receberá R$ 2 mil por dano individual. Por terem sido encontrados em situação análoga à escravidão, eles têm direito a visto permanente no país.  Miguel tenta uma vaga num cursinho pré-vestibular comunitário. Quer juntar R$ 3 mil para comprar uma casa em El Tigre e R$ 30 mil para um ônibus. Ele não desistiu da Engenharia.

O Globo
 

Nenhum comentário: