Ele pode assumir ministério de cabeça erguida, desde que reconheça natureza política da nova função
[óbvio que Moro sabe que ministro da Justiça é um cargo político e que exerce função política - a 'distribuição' de Justiça cabe aos magistrados e tribunais.
Por ironia, o STF é que talvez desconheça - no tempo atual - a natureza não política de sua função.
Quando ao aparente desconhecimento por Moro da fronteira entre uma função e outra, tem um detalhe que não pode ser esquecido: Moro ainda não foi empossado, ainda não é ministro - está indicado para ministro.
Quando, vez ou outra, se manifesta sobre algum assunto atinente ao Governo do qual será ministro, ele o faz por cortesia - já que os indicados para o futuro Governo Bolsonaro, optaram pela loquacidade com a Imprensa o que, convenhamos, tem dado margens aos que não aceitam Bolsonaro em exigir explicação que não são devidas.
Bolsonaro estaria livre dessa cobrança antecipada de explicações se tivesse optado por adotar o estilo Geisel no período de transição .]
‘Irremediável perda da imparcialidade” — a acusação do PT contra Sergio
Moro, base do pedido de anulação da sentença condenatória no caso do
tríplex, obedece às lógicas da defesa legal do ex-presidente e da
campanha política de “Lula livre”. Mas desvia o foco do debate
relevante. O salto da cadeira de juiz em Curitiba à de ministro em
Brasília nada tem de escandaloso. O problema está em outro lugar:
aparentemente, Moro não reconhece a fronteira entre uma função e a
outra.
A sentença de prisão de Lula não é de autoria de Moro, mas dos juízes do
TRF-4, encarregados da revisão judicial das decisões de primeira
instância. O fundamento da impugnação da candidatura de Lula pelo TSE
encontra-se na aplicação da Lei da Ficha Limpa, que também deriva da
sentença do TRF-4. A acusação petista opera no campo da verossimilhança,
não no da verdade. [a verdade é incompatível, até ofensiva, seja para o partido 'perda total' sejam para os seus adeptos.] Moro pode assumir o ministério de cabeça
erguida—desde que reconheça a natureza política da nova função. Na entrevista concedida logo após sua indicação ao ministério, o ainda
juiz disse que não se convertia em político pois não assumia cargo
eletivo. Falácia óbvia: ministros são políticos por definição, porque
cumprem as diretrizes do presidente. Daí decorre que, na democracia, o
ministro da Justiça não tem o direito de desempenhar funções próprias ao
sistema judicial. Tudo indica, porém, que a pretensão de Moro é,
precisamente, esta.
Moro parece ignorar a diferença entre Estado e governo. “Eu estou indo
consolidar os avanços da Lava-Jato em Brasília”, declarou na mesma
entrevista, como se a distância entre seu passado de juiz e seu presente
de ministro pudesse ser medida pela régua da geografia. O juiz,
funcionário de Estado, paira acima da política. O concurso público, a
carreira e a estabilidade amparam sua independência, enquanto a revisão
recursal protege a sociedade de seus vieses pessoais na interpretação da
lei. Já o ministro, funcionário do governo, subordina-se ao presidente,
desempenhando funções de executivo político. Da declaração de Moro
infere-se o projeto de transformara Lava-Jato em programa de governo, o
que implicaria politizá-la.
Não são só declarações. Moro pretende estreitar a integração entre a
Polícia Federal (PF ), o Ministério Público( MP) e o Conselho de
Atividades Financeiras ( Coaf) para investigar a origem dos recursos
depositados no exterior e repatriados em programas de incentivos dos
governos Temer e Dilma. O futuro ministro esboça um desenho no qual sua
pasta supervisionaria investigações criminais, indicando prioridades à
PF, ao MP e ao Coaf. Desse monstro, só pode nascer um Estado policial: a
lei a serviço da desordem.
O Ministério da Justiça existe, exclusivamente, para assegurar o
cumprimento das leis e decisões judiciais. A investigação criminal é
missão de uma PF autônoma e do MP, que não está subordinado a nenhum
Poder. A violação da regra da separação estrita de funções abriria
caminho para a perseguição política dos adversários políticos por meios
policiais e judiciais. O Moro que se reinventa como ministro não mais
representa a Justiça. Goste ou não, ele representa apenas o governo. Na democracia, as palavras certas são separação e desintegração — ou
seja, rígida distinção entre governo e sistema judicial, além de
descoordenação entre policiais, procuradores e juízes. Moro, contudo,
quer destruir o muro que isola o sistema judicial da influência do
governo e centralizar as ações dos diversos componentes do sistema
judicial. No fim, o Ministério da Justiça selecionaria os alvos de
investigação, dirigindo o oferecimento de denúncias criminais. [integração não é necessariamente subordinação.] Não há novidade nessa história. Os governos populistas promovem a
transição regressiva, da democracia ao autoritarismo, por meio do
controle que conseguem exercer sobre o sistema judicial. Putin, na
Rússia, Erdogan, na Turquia, e Maduro, na Venezuela, aplicam em larga
escala, contra opositores, dissidentes e empresários, a receita da
perseguição judicial. A Lava-Jato do ministro Moro torna-se a maior
ameaça à Lava-Jato do juiz Moro.
Demétrio Magnoli - O Globo
Demétrio Magnoli - O Globo
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