Bolsonaro se dedicou muito mais nesses primeiros cem dias a defender sua pauta de costumes e valores
Nos cem primeiros dias do governo Bolsonaro, já dá para ver que temos
dois governos, um que funciona, outro que parece uma seita religiosa sem
um líder ou, pior, com líderes atrapalhados, que às vezes pode ser o
próprio presidente, outras é o guru dele, o professor on-line Olavo de
Carvalho, que vem acumulando poder na mesma proporção que provoca
confusão. Seus seguidores, especialmente os filhos de Bolsonaro, ouvem seus
conselhos e nomeiam e desnomeiam ministros baseados neles, com
facilidade assustadora. São uma fonte de incertezas, e muitos, entre
eles membros do núcleo militar que Olavo vem inutilmente chamando para
um bate-boca virtual, consideram que estão atrapalhando a recuperação da
economia.
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O balanço deste início de governo não é positivo, e essa constatação já
aparece na queda da popularidade do presidente. Mas houve pontos
relevantes. O governo andou no caminho certo em áreas importantes:
economia e segurança pública, além da infraestrutura, que está dando
consequência à decisão de privatizar setores básicos para o
desenvolvimento. Mas andou irremediavelmente errado em setores essenciais, como a
Educação e as Relações Exteriores. [Educação aquietado, temporariamente;
Relações Exteriores, um novo ministro ainda este mês seria excelente.] O ministro Ernesto Araújo continua
desmontando o que considera o aparelhamento no Itamaraty, desprezando o
conhecimento de embaixadores experientes, como fez agora com Sérgio
Amaral, removendo-o de Washington para tentar colocar no lugar um
assessor também ligado ao autointitulado filósofo de Virgínia, que ajuda
a governar pelo Skype.
Mas o da Educação não resistiu aos primeiros cem dias e já foi
substituído. Parece ter sido uma troca de seis por meia dúzia, mas
Abraham Weintraub tem sobre Vélez Rodríguez duas vantagens, que podem
ser perigosas: fala português, e é mais inteligente para implementar no
MEC a mesma agenda retrógrada, com ares de modernidade. Abandonou, por exemplo, a linguagem vulgar que usava nas palestras sobre
o combate ao pensamento de esquerda, como fez recentemente em Foz do
Iguaçu, no Foro dos Conservadores organizado pelo filho 03 Eduardo
Bolsonaro. “Quando ele (um comunista) chegar para você com o papo ‘nhoim
nhoim’, xinga. Faz como o Olavo de Carvalho diz para fazer. E quando
você for dialogar, não pode ter premissas racionais”, disse na ocasião.
Ele também é o autor da seguinte pérola: “Os judeus controlam os bancos,
os jornais e o sistema financeiro. São a raiz do comunismo
internacional”. E isso porque Bolsonaro diz que “ama Israel”. Ao
discursar na sua posse no ministério, parecia outro Weintraub. Listou
como objetivos “acalmar os ânimos” e respeitar “diferentes opiniões”. Só
que não. Logo em seguida esclareceu o que entende por “pacificar”: “A
gente está decretando agora que o MEC tem um rumo, uma direção, e quem
não estiver satisfeito com ela vai ser tirado.” Mas, pelo menos, arrolou entre as prioridades melhorar o ensino,
admitindo que o desempenho dos alunos brasileiros nos exames
internacionais é equivalente aos de países pobres, quando o gasto com a
educação é de país rico.
Weintraub tem razão ao dizer que quem não está de acordo deve deixar o
governo. Mas o que mais acontece hoje não são divergências conceituais,
pois todos sabem onde se meteram ao aceitar trabalhar neste governo. O
que existe é briga de grupos pelo poder. O caso mais evidente de divergência ideológica foi o da cientista
política Ilona Szabó, desconvidada por Moro a pedido do próprio
presidente. É o típico caso de erro essencial de pessoa. Ou de
ingenuidade. Para não criar mais problema, convidou para o lugar um
delegado acusado de misoginia. Bolsonaro se dedicou muito mais nesses primeiros cem dias a defender sua
pauta de costumes e valores, para incentivar o núcleo de eleitores mais
radicalizados que o apoiaram na eleição.
A reforma da Previdência, por exemplo, é francamente contrária ao que
pensa. Cada vez que diz que não gostaria de fazer a reforma, mas sabe
que ela é essencial, o presidente estimula que o Congresso a desidrate.O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem então que redobrar seus
esforços para convencer deputados e senadores que terão ganho político
com a aprovação da reforma ainda no primeiro semestre, ganhando tempo
para que as medidas deem resultado para deixá-los fortes nas campanhas
de 2020 e 2022.
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