Num
instante em que o chanceler brasileiro Ernesto Araújo ensinava a novos
diplomatas em Brasília que diplomacia se faz com "sangue nas veias",
seus colegas do Grupo de Lima injetaram sangue-frio nas negociações para a
resolução pacífica da crise na Venezuela. A carta de Cuba entrou formalmente no
baralho. Pode resultar em nada. Entretanto, privar-se dessa aposta não seria
apenas um erro, mas uma burrice.
Produziu-se uma guinada. O grupo se descola momentaneamente de
Washington, onde estão os arqui-inimigos de Nicolás Maduro. Encosta-se em
Havana, onde se encontram os amigos mais fraternos do ditador. O objetivo é,
claramente, o de instalar no incêndio venezuelano uma porta de emergência.
Cruzando-a, Maduro seria conduzido em segurança para Cuba com seus familiares e
sequazes. Integram o Grupo de Lima: Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia,
Costa Rica, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai, Peru e Venezuela
(representada por um preposto de Juan Guaidó, que lidera a oposição a Maduro).
Além de tentar atrair Cuba para a trincheira da solução diplomática, decidiu-se
solicitar uma reunião de emergência com o Grupo Internacional de Contatos da
Venezuela.
Criado há três meses por iniciativa da União Europeia, o 'Contatos' é
majoritariamente composto por países europeus: Alemanha, França, Itália,
Holanda, Portugal, Espanha, Suécia e Reino Unido. Mas tem um puxadinho
latino-americano, pois inclui Bolívia, Equador, Uruguai e Costa Rica. O grupo
notabiliza-se por defender eleições livres como solução para a encrenca
venezuelana, sem especificar quem se encarregaria de organizar o pleito. A
reunião dos grupos pode ocorrer já no início da semana, na Costa Rica, país que
integra os dois colegiados. Ao embaralhar as cartas, incluindo no jogo Cuba e
os países do 'Contatos', o Grupo de Lima como que renova o ar no porão das
negociações em torno da Venezuela. Sai a bruma ideológica. Entra uma lufada de
pragmatismo.
Ironicamente,
as novas apostas reforçam o papel secundário desempenhado pelo Brasil. Sob Jair
Bolsonaro, Cuba vem sendo tratada com os pés desde o alvorecer do novo governo,
quando o capitão mandou embora os médicos cubanos do extinto programa Mais
Médicos. Quanto ao Grupo de 'Contatos com a Venezuela', o chanceler Ernesto Araújo
já afirmou que "não é uma iniciativa útil". Resta agora saber que
utilidade pretende ter o Brasil nos novos desdobramentos da crise. As
orientações recebidas por Araújo no início da semana, em sua visita a
Washington, estão com o prazo de validade vencido. De resto, vai-se descobrir nos próximos dias
qual é o tamanho da fenda que oposicionista Juan Guaidó diz ter aberto nas
forças armadas venezuelanas. Se a rachadura atingiu o alto comando, Maduro pode
se sentir tentado a incluir a carta de Cuba também no seu baralho. Se os
generais que sustentam o ditador enxergarem alguma perspectiva de manter os
privilégios e a impunidade, a crise continuará pendurada nas manchetes por mais
tempo.
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