Quatro décadas de hegemonia cultural ao longo do século passado
(período que inclui intensa atividade com viés político durante os
governos militares) conferiram à esquerda brasileira uma estatura
superior à que corresponde às ideias em que se abastece. No campo
cultural, a esquerda vencia por walkover (ou por WO). O PT, por
exemplo, discutia consigo mesmo, como bem comprovavam suas muitas
correntes internas. Foram longos anos dedicados à construção de
narrativas, ao controle das cabeças de ponte por onde avançavam os
companheiros e à propaganda que viabilizava mais e mais terreno para
suas batalhas.
Foi exatamente quando, com Lula e Dilma, os
frutos do poder caíram nas mãos do partido que a Terceira Lei de Newton
se fez sentir. O esquerdismo saturava as opiniões nacionais (ação)
forçando a direita a sacudir a letargia que a acompanhava desde os
governos militares (reação). Muito habilmente, de modo sistemático, a
esquerda brasileira operava um discurso cujo único intuito era provocar
constrangimento em quem não fosse de esquerda.
O leitor destas
linhas, se jovem, deve estar se perguntando se leu certo e se isso
funcionava. Leu sim, meu amigo. E funcionava. Não éramos muitos, aqui no
Rio Grande do Sul, no ambiente cultural e político, os que não caímos
nessa velhacaria.
O upgrade intelectual e cultural da direita foi
acontecendo gradualmente enquanto o governo petista mostrava a que
vinha e contava com intenso ativismo no ambiente cultural. Não se trata
de querer uma plêiade de artistas politicamente neutros. Isso não
existe, mas a sociedade percebeu que foram longe demais, que serviam a
uma causa, que havia uma irrigação financeira descabida e o tema virou
conteúdo durante a campanha eleitoral de 2018. Era de se esperar;
artistas são assunto.
A cultura persiste como território do
partido e palco de guerra. Vale observar que nos últimos anos, enquanto
militantes saltavam do barco esquerdista em todos os portos, os da
cultura permaneceram firmes, a postos. Há ali um ativismo cevado, em
muitos casos bem remunerado, que se crê titular de direitos
irrefutáveis. No entanto, o trabalho feito pela esquerda ao longo das
décadas não gera direitos eternos. Não lhe concede o poder de vencer
sempre por WO. Não há por que esperar do governo Bolsonaro que
reproduza os critérios e conceitos da esquerda e a mantenha em suas
posições de mando. Houvesse a esquerda promovido conciliação ao longo
dos muitos anos anteriores, seria viável, hoje, propor isso e declarar
extinta a guerra cultural. Mas agora é tarde. A esquerda quer receber o
que não deu. [o que vão receber é a desmoralização, o desprestígio, terão que aceitar que a cultura que fazem é um lixo, que deve ser extirpado e vedado a menores.]
Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é
arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas
contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A
Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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