Já devo ter evocado nesta coluna o advogado da minha terra que guardava para o meio da apresentação das razões da defesa no tribunal do júri — fossem quais fossem o réu e o crime cometido — a frase tremenda: “Nem tudo é nada nem nada é tudo em matéria de principalmente!“. Ninguém na plateia sabia o que aquilo significava, mas todos os espectadores tratavam de controlar-se para não deslustrar a solenidade do julgamento com uma ovação de comício. A inventiva inversão das mesmas palavras, o prosaico advérbio virando um misterioso substantivo realçado pelo ponto de exclamação, o ritmo empolgante do desfile de consoantes e vogais, a voz de cantor de bolero — tudo conspirava para anunciar que ali estava uma sumidade do mundo jurídico. Foi difícil recuperar-me do impacto provocado pela descoberta de que o falatório não tinha pé nem cabeça.
Se tivesse nascido em Taquaritinga, Nunes Marques dificilmente resistiria à tentação de revidar a insolência com a frase do mesmo quilate: “Nem tudo é nada…”. Seria divertido contemplar o desconcerto de Gilmar. Mas, caso o destino me colocasse nas imediações do ministro piauiense, eu lhe entregaria um papel com a reprodução do recado que passei ao apresentador Jorge Escosteguy durante um Roda Viva estrelado por Orestes Quércia, então governador de São Paulo. Aproximava-se o fim do primeiro bloco quando um integrante da bancada começou a acenar freneticamente para Escosteguy. Ele reivindicava a palavra com urgência urgentíssima.
Atendido, o entrevistador caprichou na expressão enfezada e foi à luta: “Peço licença para fazer uma provocação”, avisou o preâmbulo. Tensão no estúdio. E então veio a pergunta: “Como é que o senhor se sente diante do fato de ser considerado o melhor governador do país?”. Considerado pelo autor da pergunta, claro. Enquanto Quércia tentava disfarçar o entusiasmo provocado pelo tipo de provocação com que sonha todo entrevistado, rabisquei a mensagem ao meu amigo Escosteguy: “Certas demonstrações de covardia exigem mais coragem do que qualquer daqueles atos de bravura em combate que rendem condecoração. É o que acaba de mostrar nosso colega”. É isso que Nunes Marques deveria ter dito na réplica a um provocador patológico. Porque é preciso muita coragem para fazer o que Gilmar anda fazendo.
As demonstrações de pusilanimidade que vem colecionando são tantas e tão temerárias que podem acabar por transformá-lo no mais condecorado herói da guerra contra o combate à corrupção. Só alguém sem medo de ser covarde se atreveria a insultar com tamanha desenvoltura a mais eficaz operação anticorrupção da história. “A Lava Jato é a maior mentira da história do Judiciário“, deu agora de recitar o Juiz dos Juízes. Só um pusilânime intimorato se atreveria a comandar a ofensiva destinada a transformar um magistrado exemplarmente honesto num julgador parcial, e promover a perseguido político um caso de polícia que desonrou a Presidência da República.
Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste
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