Antigamente, editavam-se almanaques com intuito pedagógico destinados
ao público infantil.
Sempre incluíam afazeres, como o clássico
“encontrar a diferença” entre duas imagens aparentemente idênticas.
Outro, bem mais fácil, era o exercício de “juntar os pontinhos”.
Enquanto a criança ia ligando ponto a ponto, desenhava um objeto
qualquer. Na maior parte dos casos era desnecessário riscar para antever
o que ali estava representado.
Penso que o
brasileiro está nessa situação, juntando os pontinhos de um projeto que
lhe impuseram, não se requerendo muito talento para saber que o desenho
não é de boa inspiração.
Nas ditaduras
e nos regimes totalitários – comunismo, fascismo e nazismo – quem está
no poder diz fazer com a melhor das intenções o mal que deveras faz.
Hitler organizou o estado nazista para “defender a ordem, o Direito e a
Liberdade”.
Stalin foi um monstro e teve seus crimes revelados por
Krushchev em 1956. Contudo, em anos bem recentes, comédias e obras
sérias sobre seus crimes foram censuradas sob a alegação de “depreciarem
a luta contra o fascismo”.
Afinal, alegam os censores russos, sob
Stalin a URSS venceu a guerra contra Hitler no front oriental. O elogio
em boca própria, vitupério da censura, é a falsa nobreza de suas
intenções. Em 2018, a deputada russa e ex-atriz Yelena Drakova,
conclamou: “Nós devemos começar a viver com leis dos tempos de guerra”.
Juntando os
pontinhos do desenho que tenho diante dos olhos, observo que os
ministros de nossas Cortes, como escrevi outro dia, iniciam suas
manifestações, decisões e votos, apontando como bases supostas guerras
institucionais – terrorismo, golpismo, conspirações, fake news. Bem ao
gosto da deputada Yelena. São generais de uma guerra particular contra
inimigos indefesos. E por aí vão novos pontinhos.
O presidente
da República pontua a parte que lhe cabe com a calorosa e generosa
recepção ao camarada Maduro e a proclamação do caráter relativo da
democracia.
Ora, tudo que é relativo atrela essa condição a algo que lhe
é absoluto.
É fácil entender o motivo pelo qual nenhum jornalista
formulou diretamente a Lula a pergunta tão óbvia quanto urgente sobre
qual a natureza desse poderoso absoluto.
E vão os pontos desenhando a
estrada.
Foi por
coincidir com esse desenho que o Foro de São Paulo se reuniu em
Brasília.
Foi por isso que a presidente da sessão de abertura tanto
agradeceu a Lula e que Lula declarou, entre alegres risos e aplausos,
que não se importa de ser identificado como comunista. Fica bem
enquadrado no desenho haver ele dito nessa manifestação oficial e formal
aos camaradas presentes: “Aqui no Brasil, nós enfrentamos o
discurso do costume, o discurso da família, o discurso do patriotismo.
Ou seja, aqui nós enfrentamos o discurso de tudo aquilo que a gente
aprendeu historicamente a combater”. Vá juntando os pontinhos aí, caro leitor.
Novos pontos
chegam e continuarão chegando cotidianamente, desenhando a perigosa
estrada por onde somos conduzidos. Ponto a ponto, a esquerda festeja, e
se diverte, e ressoa como o coral de Brecht na peça “A medida punitiva”.
Enquanto junto pontos, leio o “Discurso da servidão voluntária”, obra
de Etienne de la Boétie (1554). Com um trecho dele, encerro estas linhas
e seus pontos.
“Mas ó, bom
Deus! Que fenômeno estranho é esse? Que nome devemos dar a ele? Qual a
natureza desse infortúnio? Qual é o vício, ou melhor, qual a degradação?
Ver uma infinita multidão não apenas obedecendo, mas levada ao
servilismo? Não governada, mas tiranizada?”.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores
(www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país.
Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia;
Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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