Gabriel Sestrem
STJ alega “racismo estrutural” ao endurecer regras para abordagens policiais
Uma recente decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
definiu que a chamada busca pessoal – prática popularmente conhecida
como “revista”, “enquadro”, “geral”, entre outros – feita por agentes de
segurança é ilegal, caso seja realizada sob a alegação de atitude
suspeita ou mesmo a partir de denúncias anônimas.
Tribunal proíbe abordagens policiais sob alegação de “atitude suspeita” ou a partir de denúncias anônimas - Foto: PC-AM/Divulgação
A decisão dos ministros se deu ao julgar o caso de um homem denunciado
pelo Ministério Público da Bahia por tráfico de drogas. O rapaz foi
abordado por policiais ao circular em uma motocicleta durante a
madrugada com uma mochila nas costas e com atitude considerada suspeita
pelos agentes de segurança. Após a busca, os policiais encontraram em
sua mochila 72 porções de cocaína, 50 de maconha e uma balança digital. [drogas que com certeza não eram, a elevada quantidade confirma, para consumo próprio e sim para o tráfico.]
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A defesa do homem, preso em flagrante por tráfico de drogas, recorreu da condenação em primeira instância. Ao avaliar o caso, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) decidiu manter a condenação. Em novo recurso, a questão chegou ao Superior Tribunal de Justiça. O STJ, por outro lado, apontou que a busca pessoal foi irregular porque os policiais não descreveram precisamente o que havia motivado a suspeita. Como efeito, o tribunal de Brasília decidiu trancar o processo e considerou ilegítimas as provas coletadas na abordagem.
Em seu voto, o ministro Rogerio Schietti Cruz, relator do caso, determinou que todos os governadores estaduais fossem notificados a fim de que colocassem as corporações policiais a par da decisão. O ministro também ordenou que fossem informados os presidentes dos Tribunais de Justiça dos estados, os presidentes dos Tribunais Regionais Federais, as defensorias públicas estaduais e da União e demais entes do Judiciário.
Conforme especialistas em segurança pública ouvidos pela reportagem, a medida pode resultar na atenuação da conduta preventiva das forças policiais, ocasionando prejuízos à segurança.
Ministro diz que decisão tem a ver com “redução do preconceito”
O art. 244 do Código de Processo Penal (CPP) determina que a busca pessoal independe de mandado judicial nos casos em que há “fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito”. Na prática, as forças de segurança lançam mão da prática no âmbito do policiamento preventivo, em especial em locais em que há alta incidência criminal, a partir do chamado “tirocínio policial”, que se traduz no treinamento e na experiência dos agentes quanto a comportamentos e circunstâncias que denotam maior risco de efetivação de crimes.
Em julgamento de habeas corpus em 2002, o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia decidido que a fundada suspeita (entendida como uma “justa causa” para buscas pessoais ou veiculares sem mandado judicial) “não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa”.[elementos concretos tipo um adolescente com várias porções de maconha, um cadáver? se a polícia tiver que esperar que o criminoso pratique o delito para então revistá-lo, é melhor acabar com o policiamento preventivo - use apenas o ostensivo = policiais parados em uma esquina,bem visíveis = de modo que os policiais sabem que se exibirem drogas, armas e outros objetos proibidos poderão ser presos.]
Para justificar seu voto, acompanhado de forma unânime pelos demais ministros, o relator argumentou que um dos motivos para a decisão é a necessidade de evitar a repetição de práticas que “reproduzem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o caso do perfilamento racial, reflexo direto do racismo estrutural”. Segundo ele, os policiais tendem a enquadrar mais pessoas jovens, do sexo masculino e de cor negra como um “enviesamento no exercício do seu poder contra esse grupo social”.
Haveria, segundo Cruz, seletividade nas abordagens policiais. Para ele, “as agências policiais – em verdadeiros ‘tribunais de rua’ – cotidianamente constrangem os famigerados ‘elementos suspeitos’ com base em preconceitos estruturais”. O ministro aponta ainda que os demais integrantes do sistema de justiça criminal, como promotores, procuradores e magistrados, deveriam fazer uma reflexão conjunta sobre o papel que ocupam na “manutenção da seletividade racial”.
Ao longo de sua argumentação, Cruz chega a mencionar trecho de uma música da banda “O Rappa” com críticas à atuação da polícia. Para exemplificar a seletividade racial a partir da chamada “atitude suspeita”, ele cita um vídeo, gravado em maio do ano passado, em que um youtuber negro é abordado de forma truculenta por um agente policial. Ainda que apontado como exemplo de um suposto ato de racismo, o policial que aborda o rapaz no referido vídeo também é negro.
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Impactos da decisão
Conforme explica Andrew Fernandes Farias, especialista em Ciências Penais e presidente da comissão de Direito Militar da seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF), apesar de decisões do STJ não terem repercussão geral – diferentemente do STF, que tem a competência de uniformizar a interpretação judicial –, tal medida deve impactar decisões de instâncias inferiores, por juízes e desembargadores, ao avaliar casos semelhantes.
“Apesar de a decisão estar relacionada ao caso em questão, ela tem uma razão de decidir que extrapola o caso concreto”, explica o jurista. “Por mais que esse entendimento não deva formalmente ser observado de forma obrigatória, ele sinaliza, indica, orienta as instâncias inferiores qual é o entendimento do STJ. E se eventualmente chegar outro habeas corpus ao STJ sobre esse tema, o Tribunal vai ter essa compreensão sobre a situação concreta”.
Consequências à segurança pública
Na avaliação de Adriano Klafke, tenente-coronel da Brigada Militar do Rio Grande do Sul e especialista em Direito Constitucional, é falsa a alegação de que as abordagens policiais ocorram de maneira arbitrária ou que sejam realizadas em razão da aparência dos cidadãos.
Conforme ele explica, as abordagens ocorrem a partir de variáveis de tempo, modo e lugar – como estatísticas de criminalidade em determinadas regiões e em horários específicos, e também a avaliação de comportamentos – que indicam maior probabilidade de risco. “Não se trata de abordagem arbitrária. Se o policial está em um determinado local e em um determinado horário em que há maior incidência de atividade criminal e entende o modus operandi criminal que está incidindo sobre aquele cenário, ele deve ter uma posição ativa para neutralizar essa ameaça”, afirma.
[Possivelmente em novembro próximo seja revista a Lei das Cotas e com isso se interrompa o ciclo de sufocar a meritocracia a pretexto de compensar fatos ocorridos há mais de 130 anos. Confira: Saiba mais, lendo: Lei de Cotas acaba em 2022]
Segundo o tenente-coronel, a decisão do STJ estabelece uma atuação meramente passiva das forças policiais e gera prejuízo à segurança pública. “Dentro dessa visão, a polícia deveria ter uma conduta apenas passiva, somente de presença, mesmo percebendo a evidência de uma situação de risco. Uma medida como essa não só impede que as forças de segurança assumam uma posição ativa como também cria um ambiente seguro para o criminoso”.
Gabriel Sestrem - Gazeta do Povo - Vida e Cidadania