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terça-feira, 19 de setembro de 2023

Estado fresquinho de direito - Alexandre de Moraes manda prender quem gosta de calor - Paulo Polzonoff Jr

Gazeta do Povo - VOZES

"Ensina-me, Senhor, a ser ninguém./ Que minha pequenez nem seja minha". João Filho.

Calor
Em Curitiba, a cidade com o clima mais civilizado do Brasil, ninguém foi preso. Até agora.| Foto: Reprodução
 
Quem me acompanha neste espaço sabe que nutro pelo ministro Alexandre de Moraes no máximo uma curiosidade meio mórbida - e divertidamente arriscada. 
Minha antipatia natural pelo comandante-em-toga, porém, se dissipou na manhã de ontem (18), quando o supremo ministro supremo (sic) fez o que é certo, belo & moral ao determinar a prisão de todos os brasileiros (e brasileiras) que gostam de calor.

O inquérito secreto contra esses abomináveis cidadãos que se deliciam com temperaturas acima dos civilizados e democráticos 22 graus foi aberto ainda na semana passada, diante das primeiras notícias de que uma onda de calor tomaria conta do país. “É inadmissível que os negacionistas e terraplanistas tenham permitido que o planeta chegasse a este ponto!!!!!!”, escreveu ele no seu tradicional estilo grita-quem-pode-mais. “Mas é mais inadmissível ainda que pessoas envenenem o debate público e abdiquem do bom senso declarando amor ao calor!!!!!!!!!!!”, concluiu, limpando o suor que já se acumulava sobre sua calva.

Em sigilo, e com a ajuda do ministro da Justiça e da Gordura Hidrogenada Flávio Dino, Alexandre de Moraes deu 48 horas para São Pedro explicar a onda de calor que, segundo a Procuradoria Geral da República, “tem o potencial de abalar as estruturas constitucionais do Estado fresquinho de direito, que garantem que haja calor apenas no verão e frio apenas no inverno”. 
O santo, porém, não foi localizado e é considerado foragido pelo adiposo ministro.

Incapaz de controlar tanto a onda de calor quanto a disseminação da notícia (excepcionalmente verídica) de que o fenômeno atingiria – como, de fato, atingiu – a República Popular e Democrática do Brasil, Alexandre, o Gélido, resolveu dirigir seus esforços justiceiros contra os que ele chamou de “golpistas e fascistas térmicos”. Isto é, todo aquele que goste de calor. Você gosta? Então foge que ainda dá tempo, leitor!

Prisões
Na manhã desta segunda-feira,
quando a temperatura em algumas cidades do Brasil já beirava os repulsivos 30 graus, a Polícia Federal deu início à Operação Fahrenheit 71,6.  
Os mandados de prisão foram redigidos com termos amplos que, de acordo com o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal, e com a anuência do ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida, permitem o encarceramento “de toda e qualquer pessoa que demonstrar entusiasmo ou mesmo afeto pelo calor insuportável que está fazendo hoje!!!!!!!!”.  
Os pontos-de-exclamação, você já sabe, são um oferecimento de Alexandre de Moraes. O estilo é o homem. Dizem.

O primeiro preso na operação foi um senhor que, de sunga e pochete, exibia desavergonhadamente seu apreço por esse calor nojento, golpista, fascista, terraplanista, negacionista e, já que estou no embalo, bolsonarista. Levado à delegacia, e mesmo depois de o escrivão lhe dizer que “outro que gostava de calor era o Hitler”, o meliante teve a ousadia de declarar seu apreço pela temperatura incivilizadamente alta, o que obrigou os policiais a ligarem o ar-condicionado na potência máxima.

Só na primeira hora do dia, e em diversas cidades do país, milhares de extremistas térmicos foram presos, multados, indiciados, acusados, julgados e, claro, condenados por crimes que vão de criofobia a golpe contra o Estado fresquinho de direito, passando pelo crime hediondo de declarar que "o calor é bom" e incitação à leseira. As penas podem superar os 30 anos de prisão. 
Principalmente para aqueles que forem autuados por porte ilegal de água de coco – que, como todo mundo sabe, é de uso exclusivo das Forças Armadas.

Além das prisões em massa e da verdadeira operação de caça internacional a São Pedro, Alexandre de Moraes determinou ainda que o governo federal apresente, nas próximas 72 horas, um plano nacional de distribuição de ares-condicionados a “pessoas em situação de vulnerabilidade térmica!!!!!!!!”. Abanando-se com um leque Hermès, Janja mandou Lula dizer que vai pensar.

Asterisco

* Este texto pertence à série "Fake News Que Gostaríamos que Fossem Verdadeiras"
No próximo número, você não pode perder a incrível história do Sindicato dos Jornalistas do Paraná, que anunciou que vai devolver aos profissionais, sem demora nem burocracia, todo dinheiro arrecadado por meio do novo imposto sindical.
 
Paulo Polzonoff Jr., colunista - Gazeta do Povo - VOZES
 
 

quarta-feira, 7 de junho de 2023

Lula tenta se aproximar do agro, é vaiado e diz bobagem outra vez - Alexandre Garcia

Gazeta do Povo - VOZES

Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

O presidente Lula foi a uma feira do agro em Luís Eduardo Magalhães, que é a parte mais pujante da Bahia, no oeste baiano, onde despertou o agro. E foi recebido com vaias. Ouviu alguns adjetivos que todo mundo conhece. Ele levou o ministro da Agricultura, que anunciou R$ 4 bilhões do plano Safra. Foi junto com ele o ex-governador da Bahia, hoje ministro da Casa Civil, que anteontem foi chamado de idiota completo pelo governador de Brasília, do MDB, porque falou mal de Brasília.

E o presidente Lula compareceu, talvez para tentar fazer as pazes com o agro, setor que ele chamou de fascista, de negacionista, só que não adiantou, foi vaiado. E piorou a situação porque fez um discurso péssimo, horroroso. Foi de uma infelicidade incrível. Ele disse: "Para a gente que semeia suor, aduba com suor, rega com suor, trabalha dia e noite, e tá levando o Brasil neste ano a ser o maior exportador de grãos do planeta Terra". 
Isso significa impostos, divisas, balança comercial, balanço de pagamentos, capacidade de importar. Tudo isso. 
É a atividade mais dinâmica do Brasil hoje. E Lula ainda diz: "Todo mundo precisa do governo, pequeno, médio e grande. Se não é o estado a colocar dinheiro, o agronegócio não estaria do tamanho que está. Com financiamento para máquinas, safras e exportações". Uau! Que infelicidade!

Deltan Dallagnol
Mudando de assunto, a mesa da Câmara, isto é, os diretores da Câmara, os sete deputados diretores da Câmara, unanimemente - claro, que devem ter combinado para ninguém discordar - concordaram com o TSE que legislou usurpando prerrogativa do legislativo, inventando uma lei em que não podia dar registro para o Deltan Dallagnol porque ele podia, no futuro, ter um processo administrativo disciplinar.

É a vida imitando a arte, no caso a sétima arte. O filme "Minority Report - a nova lei", com Tom Cruise, do Spielberg, trata de um crime no futuro.  
Mas, enfim, os sete não tiveram coragem de entregar isso ao plenário. Aqueles 513 deputados representam todos os brasileiros, é de onde emana todo o poder
Eles são 513 mandatários de 212 milhões de mandantes, ou de 150 milhões de eleitores mandantes, mas não perguntaram a eles, surpreenderam a todos, baixaram a cabeça, dobraram a coluna vertebral mais uma vez. A primeira vez foi com Daniel Silveira, e agora entregaram Deltan aos leões. Arthur Lira, Marcos Pereira, do Republicanos, Sóstenes Cavalcante, do PL, Luciano Bivar, do União Brasil, Maria do Rosário, do PT, Júlio César, do PSD e Beto Pereira, do PSDB. Coincidentemente, no mesmo dia, a primeira turma do Supremo mandou arquivar uma denúncia contra Arthur Lira, de modo unânime.
 
Marco temporal
Bom, só para lembrar, a partir de hoje está agendado para o Supremo voltar ao julgamento do marco temporal. Tem dois votos só
O voto do Fachin, em outras palavras, diz que o marco temporal que está escrito na Constituição é inconstitucional.  
Vocês vão achar que é o absurdo do absurdo, é o nonsense
O que está escrito na Constituição é inconstitucional, porque está lá escrito, que pertencem aos indígenas as terras que tradicionalmente ocupam - ocupam, no presente do indicativo - no dia da promulgação da Constituição.
 
Pronto, esse é o mar, onde vocês estão é de vocês. Onde vocês vierem a estar, onde vocês já estiveram, isso é outra coisa, a menos que esteja em litígio. 
O outro voto é de André Mendonça, que argumenta o seguinte: se ficar solto isso, se não houver um marco, é tudo desde 1500, é tudo inseguro. 
É a insegurança fundiária. O imóvel rural ou urbano está absolutamente inseguro se for por esse caminho
Por isso é que está lá no Senado, projeto de lei que já passou pela Câmara ajustando isso, deixando bem claro o que está escrito na Constituição. 
Portanto, vamos esperar pra ver o que acontece no Senado e no Supremo.

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 


segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Ação de Graças - Rodrigo Constantino

Monstagem sobre a gravura <i>Pelgrims Holding Bibles</i> / Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Montagem sobre a gravura Pelgrims Holding Bibles / Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

O que poucos sabem, porém, é que as primeiras colônias fracassaram. E não foi apenas por fatores relacionados à sorte. Uma das primeiras colônias a instalar-se na América do Norte foi a Plymouth Colony, estabelecida onde hoje é o Estado de Massachussets, nos anos de 1620. Numa experiência inédita até então, um contrato coletivo estabelecia um sistema no qual as propriedades seriam todas comuns. Trocando em miúdos, os Estados Unidos começaram como um experimento socialista.

Toda a produção deveria ser entregue para armazenamento comunitário, do qual cada indivíduo receberia uma fração igual, não importando com quanto contribuísse. Esse coletivismo levou rapidamente a economia da colônia ao caos. Em 1623, apenas dois anos após a chegada dos primeiros pilgrims, a fome já era a regra. William Bradford, que viria a ser governador da província algumas vezes, assim descreveu aquele triste momento da história americana em seu famoso diário: “Aquela experiência durou alguns anos… E bem evidencia a vilania deste conceito de Platão e outros patriarcas antigos, aplaudido por muitos ultimamente, segundo o qual se acabarmos com a propriedade, em prol da riqueza comum, isto fará a comunidade feliz e próspera… Para esta nossa comunidade (até onde aquilo poderia ser chamado de comunidade), o experimento causou muita confusão e descontentamento. Os homens… lamentavam ter de gastar seu tempo e esforços trabalhando para as mulheres e as crianças de outros homens, sem que obtivessem qualquer recompensa…

O liberal João Luiz Mauad assim explica a reviravolta que ocorreu: “Encurralada pelas terríveis circunstâncias, a liderança dos colonos resolveu abolir a estrutura socialista, que engessava qualquer possibilidade de progresso, transferindo para cada família uma parcela das terras, e permitindo o usufruto de tudo quanto seu trabalho produzisse. A eliminação da propriedade comunal em favor da propriedade privada logo mudou o panorama. Os colonos rapidamente começaram a produzir muito mais do que eles mesmos poderiam consumir”.

Não tardou para que o comércio também florescesse e os excedentes da produção fossem trocados com os índios, que lhes entregavam carnes de caça e peles, estas últimas exportadas com largas margens de lucro para a nobreza europeia. “Esta decisão foi um grande sucesso, pois tornou todas as mãos diligentes e industriosas”, escreveria Bradford pouco tempo depois. Mauad apresenta a razão para esse sucesso:  “Uma das virtudes da propriedade privada é justamente estabelecer a conexão entre esforços e ganhos, custos e benefícios, criando incentivos para que as pessoas produzam conforme as suas necessidades e ambições. Porém, o direito de propriedade é também, e acima de tudo, a melhor arma contra a barbárie, a garantia de que o pão obtido com o suor do próprio rosto não será tomado de ninguém arbitrariamente.”

“O capitalismo de livre mercado, baseado na propriedade privada e troca pacífica, é a fonte da civilização e do progresso humano”, sintetiza Thomas DiLorenzo, autor de How Capitalism Saved America, livro em que resgata a transição redentora do socialismo ao capitalismo nas primeiras colônias.

Esse modelo cria um claro incentivo ao ato conhecido como “free ride”, ou seja, pegar carona no esforço alheio

Os primeiros colonos chegaram a Jamestown no ano de 1607 e encontraram um solo incrivelmente fértil, além de muitos frutos do mar e frutas. Entretanto, dentro de seis meses, 66 dos 104 colonos que vieram estavam mortos, a maioria por causa da fome. Dois anos depois, a Virgínia Company mandou mais 500 “recrutas” para se estabelecerem em Virgínia, e, dentro de seis meses, 440 tinham morrido de fome ou doenças.

DiLorenzo argumenta que a ausência de direitos de propriedade destruiu completamente a ética de trabalho desses colonos. Afinal, não existiam incentivos para o trabalho, já que a recompensa pela produtividade não era do próprio trabalhador, mas de “todos”. Esse modelo cria um claro incentivo ao ato conhecido como “free ride”, ou seja, pegar carona no esforço alheio.

Em 1611, o governo britânico enviou Sir Thomas Dale para servir como high marshalna colônia de Virgínia. Dale notou que, apesar de a maioria dos colonos ter morrido de fome, os sobreviventes gastavam boa parte do tempo em jogos. Dale logo identificou o problema: o sistema de propriedade comum. A propriedade privada logo foi adotada, e a colônia imediatamente começou a prosperar, inclusive praticando trocas voluntárias com os índios.

Os investidores no Mayflower chegaram em 1620 a Cape Cod, assumindo um grande risco financeiro, já que os investidores em Jamestown tinham perdido quase todo seu investimento. Ainda assim, eles cometeram o mesmo erro de seus antecessores, estabelecendo propriedade coletiva da terra. Cerca de metade dos 101 aventureiros que chegaram a Cape Cod estava morta em poucos meses. O principal investidor do Mayflower, o londrino Thomas Weston, chegou à colônia disfarçado para examinar a ruína do empreendimento. Mas os problemas logo seriam solucionados da mesma forma que ocorrera em Jamestown. A propriedade coletiva foi abandonada e, em 1650, as fazendas privadas já eram predominantes em New England.

Mas esses colonos, agora prósperos, estavam cada vez mais preocupados com outra ameaça: o governo britânico e sua tentativa de impor o mercantilismo nas colônias. A Declaração de Independência Americana condenava a tirania da Coroa Britânica, assim como sua postura econômica em relação às colônias americanas. A Declaração menciona diretamente o fato de o governo britânico cortar o comércio das colônias com as outras partes do mundo, e o rei foi acusado de criar impostos sem consentimento dos colonos. Nesse sentido, a Revolução Americana foi contra o mercantilismo, e a favor do capitalismo.

Uma das primeiras leis mercantilistas impostas aos colonos foi o Molasses Act, de 1733, que criou uma elevada tarifa para a importação de melaço. Uma série de leis conhecidas como Navigation Acts representou mais um grande passo em direção ao mercantilismo imposto na América. Essas leis foram importantes como causa da Revolução, segundo DiLorenzo.  O grau de imposição mercantilista nas colônias aumentou consideravelmente após o término da Guerra dos Sete Anos, em 1763. Apesar da vitória britânica contra a França, a Inglaterra estava com um enorme déficit e um império gigantesco cada vez mais caro de manter. Uma série de novas medidas para aumentar impostos foi adotada para subsidiar o Império. Em 1764, o governo britânico criou o Sugar Act, que aumentou impostos para a importação de açúcar. Em 1765, o Stamp Act criou a obrigação do uso de selos do governo para todas as transações com papel nas colônias. Em 1767, os Townshend Acts impuseram várias tarifas novas de importação de produtos ingleses.

Em 1773, novas tentativas de aumento de impostos ocorreram. Dessa vez, o Tea Act iria impor tarifas maiores para a importação de chá. Os comerciantes americanos, temendo a ruína econômica com esse ato, se uniram e orquestraram a famosa Boston Tea Party, onde colonos vestidos de índios jogaram toneladas de chá no mar. A Revolução Americana pode ser vista, então, como uma luta contra o mercantilismo, em defesa dos principais pilares do capitalismo de livre mercado, que tinham permitido a prosperidade das colônias.

Nesse feriado de Ação de Graças, muitos vão festejar sem a devida compreensão do que ele representa, especialmente numa época em que a esquerda promove enorme desinformação sobre o passado e o legado da nação. O economista Don Boudreaux resume bem: “Seremos como perus se não conseguirmos compreender a verdadeira fonte de nossa prosperidade. Essa fonte não é a terra em si — não é a sorte —, não é Deus, inexplicavelmente, sorrindo para os europeus que ocuparam o norte do continente americano: é a consistente e generalizada confiança dos mercados na propriedade privada”.

Leia também “A cidadania corre perigo”

Rodrigo Constantino, colunista - Revista Oeste


quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Mexa-se - Revista Oeste

 Guilherme Fiuza

Ilustração: Naomi Akimoto Iria/Revista Oeste
Ilustração: Naomi Akimoto Iria/Revista Oeste
 
A revolução digital é pródiga. O avanço civilizatório decorrente dela é inquestionável. A conexão planetária imediata se traduz em ganhos econômicos, culturais e humanitários. A revolução digital melhora a vida. Ou era para melhorar.

Claro que haveria efeitos colaterais. Nenhuma transformação desse tamanho se dá sem que algo também seja perdido. Na Revolução Industrial, por exemplo, o formidável processo de automação trouxe o aumento do sedentarismo. Hoje, é até engraçado lembrar a campanha do “Mexa-se” nos anos 1970 — com jingles na TV tentando sensibilizar a população para a importância de se exercitar. Isso mais de década antes da disseminação dos microcomputadores de uso pessoal, que jogariam boa parte da movimentação humana para dentro de uma tela — ainda na pré-história do iPhone.

E agora? Com uma tela na palma da mão que contém praticamente o mundo inteiro, o que aconteceu com a movimentação humana? Continuou decaindo, claro, mas por outro lado os antídotos do velho “Mexa-se” evoluíram — e também está hoje na palma da mão um vasto cardápio de suor induzido. Então para onde foi a atrofia?

É uma pergunta que dá até medo de tentar responder. Sendo assim vamos só especular, de forma inconsequente, para ninguém confundir isso aqui com manifesto. Nem com veredito. Até porque a epidemia de vereditos sumários na palma da mão pode ter a ver com a tal atrofia. Será? Quem não pensa sentencia. Quem não pode ordena. Quem não sabe ensina.

Calma, são só provocações. Releia acima o nosso pacto de inconsequência e relaxe.

Mas… Será que não temos uma pista aí?  
Com quantos paus se faz uma canoa, se a canoa pode ser virtual? 
O que acontece com o ser humano quando ele passa a não precisar do trabalho braçal da mente? 
E se aquele vasto cardápio de suor induzido passa a oferecer também convicções à la carte, prontas para o consumo? 
O que acontece com o senso comum quando o indivíduo adere maravilhado à automação das convicções? 
E se a formação da consciência estiver sendo substituída pela mimetização? 
E se o pensamento tiver perdido espaço para a repetição?

Que experiência impressionante. Um chamado ético para a imobilização das sociedades em nome do bem comum

Calma. Se as provocações acima não te incomodaram, talvez nada disso esteja acontecendo. Ou talvez você esteja suficientemente mecanizado. Ou talvez as premissas acima estejam erradas. Ou talvez o cardápio de convicções instantâneas seja mesmo um sucesso e você só consiga pensar se esse papo é de direita ou de esquerda, se merece like ou deslike, se compartilha ou denuncia, se tem mais gente aplaudindo ou dizendo que é fake news, enfim, o processo normal a partir do qual você emergirá com a sua convicção triunfal e indestrutível.

Ou talvez a sua capacidade de pensar esteja intacta e as provocações acima é que estejam fadadas a morrer na praia.

Praia lembra lockdown. Que experiência impressionante. Um chamado ético para a imobilização das sociedades em nome do bem comum. A mobilização pela imobilização. Uma espécie de “Mexa-se” ao contrário. Recolha-se. Isso protegerá a saúde da coletividade. A exata engenharia sanitária dessa medida extrema — e sua eficácia aferível — nunca apareceu. E o senso comum nunca a exigiu. Se existe mesmo um cardápio de convicções, ele deve ter sido essencial para a construção dessa harmonia em torno do nada. Cada tempo com seu consenso.

A convicção emana do iPhone. O iPhone emana do legítimo anseio por praticidade e conforto. A paz digital pode ser um estágio evolutivo — em que a universalização do poder individual depende da uniformização. Repetir é o novo pensar? Ser ou não ser?

Do iPhone emana o passaporte. Da injeção emana a cidadania. Como no lockdown, o senso comum não exigiu o passaporte da eficácia. A nova ética dispensa a lógica. O indivíduo está fascinado com seu poder universal. Dispor da vida alheia com uma simples checagem de iPhone é bom demais. Bloqueio sanitário é migalha se você tem o direito à vida na palma da sua mão.

Ou talvez não seja nada disso. Fica calmo. Se as especulações acima são inócuas, você não tem nada a perder. Se não são, mexa-se.

Leia também “Manual do Linchador Moderno” 

Guilherme Fiuza, colunista - Revista Oeste 

 

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Bolsonaro e os xiitas - William Waack

O Estado de S. Paulo

É ampla no Brasil a percepção de que agronegócio e meio ambiente não combinam

O governo Jair Bolsonaro, especialmente o presidente, tem uma rara capacidade de ajudar seus críticos e adversários. A mais recente demonstração é a briga de Bolsonaro com os dados do Inpe, acusado por ele de favorecer campanhas internacionais contra o País ao divulgar informações sobre desmatamento obtidas por satélites. É tão ridículo quanto brigar com o termômetro ou o barômetro.  O material elaborado pelo Inpe é o resultado de considerável esforço científico nacional e internacional em entender as dimensões da questão – e se esse material indica que o desmatamento persiste em proporções preocupantes, o ponto central é a incapacidade demonstrada pelo Estado brasileiro ao longo de décadas de fazer valer suas próprias leis. Teria sido fácil dizer isso a correspondentes estrangeiros, não tivesse Bolsonaro permanecido preso a um (para usar a linguagem militar) teatro secundário de operações.

Xiitas ambientais, diz o presidente, são os responsáveis por uma enorme campanha contra o Brasil lá fora. Por xiitas ambientais Bolsonaro entende em parte ONGs internacionais – algumas, sem dúvida, com agenda claramente ideológica (combater o agronegócio capitalista) e/ou comprometidas com interesses comerciais de competidores (pela proximidade com partidos políticos que representam segmentos eleitorais com grande influência em governos de outros países). Sim, esse tipo de campanha existe, e atinge parte da imprensa tradicionalmente responsável e objetiva.

Mas, a rigor, é no Brasil mesmo que persiste há muito tempo a ideia de que o negócio agropecuário e o meio ambiente são grandezas irreconciliáveis. E que o lucro e a rentabilidade (a principal razão de existir do grande negócio) seriam obtidos pela sistemática destruição da natureza e apropriação privada de recursos divinos como a terra. Há também um ranço clerical na noção bastante popular de que um bem para todos não pode ser repartido entre alguns poucos. E que a tarefa de alimentar as pessoas cabe a quem trabalha a terra com o próprio suor, e não a entidades gananciosas que transformam centenas de milhares de quilômetros quadrados em monoculturas destinadas à exportação.

Em termos abrangentes, a moderna sociedade “urbanoide” brasileira não desenvolveu em torno do produtor rural a mesma aura positiva que se registra em países como Alemanha, França ou Estados Unidos (nossos competidores). O imaginário da sociedade brasileira não se alimenta de números sobre a relevante contribuição do agronegócio para o PIB (portanto, para a economia nacional). Não dá muita bola para coisas como inovação tecnológica – o público continua achando, em geral, que o Brasil se tornou uma grande potência agrícola pois tem água, terra, clima e expulsou de seus territórios os povos da floresta junto com as árvores. Aumento de produtividade é um conceito pouco discutido ou compreendido, aliás.

Também a representação política desses segmentos econômicos e sociais ligados à produção agropecuária no Brasil (fortemente regionalizados e muito distintos entre si) é vista com desconfiança. “Bancada ruralista” costuma ser sinônimo de um grupo de parlamentares controlados por interesses econômicos que se dedica a acobertar crimes ambientais, arrebentar direitos trabalhistas, abrir cofres públicos para subsídio e facilitar a utilização de substâncias tóxicas que deixarão resíduos em alimentos.

É secundário se os fatos objetivos da realidade suportam essa percepção bastante difundida no Brasil. Em alguns pontos essenciais, não suportam – ao contrário. Mas o choque de poderosas narrativas, como são as da relação entre meio ambiente e agronegócio, se dá no palco da política, no qual o grande determinante dos “fatos” são as percepções. Seria tão mais fácil se o problema fossem apenas os xiitas.
 
William Waack - O Estado de S. Paulo
 
 
 

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Lula diz só aceitar um tribunal: o povo! E as ameaças de Gleisi Hoffmann e Tarso Genro

Chefão petista faz comício contra sentença de Sérgio Moro e aproveita o evento para dizer que está no jogo e quer, de novo, a Presidência

Luiz Inácio Lula da Silva, condenado no dia anterior pelo juiz Sérgio Moro a nove ano e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, discursou nesta quinta no Diretório Nacional do PT, em São Paulo.  Criticou a sentença do juiz Sérgio Moro, disse “estar no jogo” e aproveitou para lançar sua candidatura à Presidência da República em 2018. No costumeiro estilo palanqueiro, bravateou: “Se alguém pensa que, com essa sentença, me tiraram do jogo, pode saber que eu tô no jogo (…) E quero dizer ao meu partido que, até agora, não tinha reivindicado, mas vou reivindicar, me colocar como postulante à Presidência da República em 2018.” 


Uma das Irmãs Cajazeiras enxuga o suor do rosto de Lula (Foto: Edilson Dantas/ Agência O Globo

[o condenado Lula, mais uma vez age como o falastrão que é ;
felizmente para o Brasil e os brasileiros do BEM o infeliz antes, bem antes, das eleições 2018, estará encarcerado, com mais duas ou três condenações, e pelo menos duas já transitadas em julgado - o que o impedirá de ser candidato.
Disse, felizmente, porque não fosse as condenações que sofrerá até 2018, .o reeducando seria candidato com chances de ser eleito - o que ainda tem de brasileiro idiota, armado com um título de eleitor e pronto a ferrar o Brasil, seria suficiente para elegê-lo, especialmente pelo sistema vigente em que um candidato é declarado, em segundo turno, mesmo recebendo menos da metade dos votos do eleitorado.]  Alguém tinha alguma dúvida a respeito? Vamos ver.
Embora vazada naquele habitual tom condoreiro, a frase encerra mais a sua melancolia do que a sua força.
De fato, a sentença de Moro ainda não o tira do jogo eleitoral. Mas a que vem a seguir, do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, pode tirar. Tanto o petista sabe disso que já fez o primeiro comício condenação, ao lado da senadora Gleisi Hoffmann, senadora do PT (PR), ré e “presidenta” (como ela quer) da legenda. Para não variar, a fala que realmente ficou fora de tom foi a de Gleisi.

Estima-se, tão logo o apelo chegue à aquela corte, que os três desembargadores encarregados do caso hão de se desincumbir da tarefa em um ano — a tempo, portanto, caso Lula realmente se torne candidato e tenha confirmada a condenação, de o partido escolher um novo nome ou aderir a uma das candidaturas que estiverem na praça.
Vocês sabem o que penso da sentença de Sérgio Moro — eu, que sou apenas um jornalista, e a quase unanimidade dos especialistas em direito: trata-se de uma peça fraca, ancorada numa investigação que não logrou chegar ao “é da coisa”. Isso não quer dizer, no entanto, que o TRF vá rejeitá-la. E a chance de a condenação ser confirmada é, obviamente, grande.

Mas será que isso autoriza Lula, Gleisi e ex-ministro Tarso Genro a falar besteira pelos cotovelos? Obviamente, não. O ex-presidente deu a seguinte pérola ao público presente: “Quem acha que é o fim do Lula vai quebrar a cara. Quem tem o direito de decretar o meu fim é o povo brasileiro”.

Pois é… Não há interpretação virtuosa para isso. É evidente que ele está a dizer que não reconhece outra instância para julgar seus atos que não o tal “povo brasileiro”. A fala, com certeza, ecoou também no TRF4. O chefão petista está a afirmar que só um voto é legítimo no seu caso: a absolvição. A condenação seria uma afronta à soberania do povo.
E coube, então, à ré Gleisi Hoffmann a frase de lapidar estupidez. Segundo a preclara, quem tentar impedir Lula de ser candidato “vai responder pela instabilidade política no país”. Eu estou enganado, ou há aí um tom de ameaça? E ela foi adiante: “Não vamos admitir uma eleição sem Lula”.

É mesmo, Gleisi?
Ou é isso ou é o quê? Luta armada? Guerra de guerrilha?
Sim, a sentença de Moro é forte na pena que impõe e fraca nos argumentos que desfia. Mas é evidente que um ex-presidente da República, ainda assim, não pode se dizer acima das vicissitudes da lei. Há uma diferença abismal, senhora Gleisi Hoffmann, entre criticar a decisão de um juiz e dar um pé no traseiro das instituições.

Esse é, aliás, um comportamento muito típico de alguns membros da Lava Jato. Eu diria que estamos diante do confronto de duas forças que reivindicam a soberania, pisoteando, se necessário, o Estado de Direito: refiro-me a setores do Ministério Público e aos sequazes de Lula.
Tarso Genro também não se fez de rogado e afirmou sobre Lula: “Ele é a única liderança, com apelo popular e capacidade política, para encaminhar uma saída não violenta para a crise”.
Parece que o Valente está a nos dizer que, além de ser absolvido, Lula também tem de ser eleito para evitar “uma saída violenta para a crise”.
Tudo é, em suma, inaceitável e incompatível com a democracia. É claro que Lula e os petistas têm o direito de reclamar, de não gostar da sentença, de propor mobilizações. Mas a ninguém se faculta a licença de ameaçar a ordem democrática porque contrariado.

Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo