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sábado, 27 de novembro de 2021

OS FASCISTAS, TODOS NÓS SABEMOS QUEM SÃO - Pedro Henrique Alves

Sabe o que é mais chato ao mundo político contemporâneo? A divisão ideológica e o avanço político sobre a vida comum; hoje não conseguimos mais nem comprar uma lata de leite condensado sem nos lembrarmos de Brasília ou das redações soviéticas que imperam em nosso mainstream. Semana passada, após escrever um texto para a Gazeta do Povo, um crítico perguntou-me qual era a minha qualificação para criticar Atila “Tamarindo”, o biólogo que clamou por um Autoritarismo necessário”. Vendo que eu não era doutor de nada a não ser em Call of Duty, cuspiu em todo o meu texto e me disse: “nem intelectual esse rapaz é, ignoremos”. Fica o aprendizado; realmente não sabia que era preciso solicitar a permissão do MEC para criticar tiranetes.

Há dois anos eu escolhi ser pai e, após isso, ser intelectual é uma das últimas prioridades em minha vida, depois, por exemplo, de comprar um sofá novo para minha esposa, criar meu filho e enteado, além, é claro, de comprar uma garrafa térmica Stanley Hydration para levar à academia.

As pessoas extrapolam em suas paixões, as turbas exageraram na ânsia de serem progressistas ou conformistas, facilmente se lambuzaram na retórica oportunista de posição ou oposição e acabam, por fim, deitadas de conchinha com suas cartilhas ideológicas. Enquanto isso, os sãos tentam entender a realidade através de seus olhos e não a partir dos diversos “ministérios da verdade” que pululam por aí. É exatamente aqui que começa a “treta”: quando a realidade não se adequa à narrativa oficial da mídia e do mainstream em geral, como num passe de mágica
ou como numa cirurgia de resignação sexual ?, você se torna um fascista oficial sem direito de defesa, um bolsonarista “passador de pano” abjeto, um “trumpista” da Ku Klux Klan e/ou um adorador de Hitler… tudo por tabela, sem demais análises ou debates.

Mas, vem cá, o progressismo consegue sempre ir além, né? Não demora muito e eles dão pinta de suas intenções, suas veias autoritárias saltam mesmo estando atrás de um sorriso sereno de “inclusão” amorosa. Logo eles dobram e guardam suas faces de “Teletubbies social” para assumir aquela feição de Stálin. Em um ano, relembremos, a turba que pede lockdown eterno conseguiu defender, justificar e aplaudir tudo aquilo que é danoso a uma sociedade sadia. Atualmente o progressismo sobrevive sob dois adjetivos determinantes: mediocridade moral e disposição tirânica. Da censura a conservadores, inquéritos de exceção contra jornalistas que não integram o mainstream tradicional, prisões de transeuntes em praças, restaurantes e praias, ao clamor por uma “ditadura necessária”, o pessoal que ama a humanidade conseguiu criar um sistema despótico de submissão àqueles que não concordavam com eles… tudo isso em meio a uma pandemia global. Olha, de certa maneira, é de admirar…

Se você guarda aquela mínima visão independente perante a realidade, não há como não perceber quem são aqueles que mais se afastam de uma visão liberal de existência social; já não está mais disfarçado quem são os que mais ameaçam a democracia ocidental. Pensem o seguinte, visualizando todo o panorama político atual: se homens como Adam Smith, Alexis de Tocqueville, Ludwig von Mises, Friedrich von Hayek, etc., se todos ainda vivessem, estariam mais assustados com Trump no poder ou com Biden? Se todos se encontrassem numa taverna qualquer nesse instante, eles estariam fortemente preocupados com a inclusão de transexuais nos esportes olímpicos, com a cor de pele de qualquer assistente do governo a fim de agradar o Black Lives Matter, ou com a censura descarada do Twitter aos que pensam diferente do establishment?

O pêndulo da liberdade e da dignidade individual que outrora Voltaire e Burke, apesar das premissas e ideias diferentes, defenderam e se ombrearam no intento de resguardar a todo custo, parece agora girar em seu eixo e parar na posição extremista de libertinagem no despotismo. Tem até “novos liberais” endossando essa velha cartilha despótica. Acreditam?  Nossa era parece aceitar com extrema parcimônia a ideia de que haja Big Tech’s que tenham, a um click de seus teclados, o poder de emudecer milhões de pessoas que não se adequam ou concordam com suas posições partidárias ou diretrizes ideológicas.

Como cético que sou, sempre estou pronto para que o feijão azede um pouco mais. A jornalista Maria Laura Assis denunciou que no estado de Formosa, na Argentina, há verdadeiros “campos de concentração” para infectados e suspeitos-de-estarem-infectados pelo coronavírus. Uma bizarrice que beira a sátira de South Park. Porém, é real. Pesquisando mais a fundo, não foi nada difícil encontrar vídeos, imagens e até coberturas jornalísticas de mídias mais independentes daquele país que mostram uma realidade bizarra, macabra, que não só lembra o nazismo, como o copia com certa lealdade.

No melhor estilo soviético denunciado por Alexander Soljenítsin em Arquipélago Gulag, as dezenas de denunciantes desse absurdo afirmam que os policiais argentinos invadiram as suas casas dizendo que os indivíduos e suas famílias teriam que acompanhá-los para os campos de isolamento forçado pois, ou estavam infectados, ou tiveram contato com infectados. Aqueles que se negam a ir por bem são levados à força.

Calma, tem como azedar mais. O canal argentino identificado com as letras “TN” entrevistou uma mãe, Monica, que foi presa nesse campo com sua filha de 4 anos. Isso mesmo, 4 anos. Ela relata o terror do confinamento, estando os campos em espaços ermos, os supostos médicos apenas mediam suas temperaturas e nada mais, sem se deixarem identificar de modo algum. As denúncias chegam ao patamar do absurdo quando se nota a precariedade dos locais; banheiros sujos, pessoas deitadas em colchões podres, ratos, cobras, janelas gradeadas.

Se um desavisado começar a leitura do parágrafo acima, poderia facilmente deduzir que estamos falando da Alemanha nazista e não da Argentina socialista de Alberto Fernández.

Na Saxôniarelatos da imprensa local acenam para a possibilidade de criar espaços para isolar à força infectados que se recusam a seguir a quarentena; isso, a meu ver, é errado em todo o mundo, mas na Alemanha soa ainda pior. E não, não estou “passando pano” para Bolsonaro ao dizer tudo isso; eu pouco me importo com governos, na realidade. Importo-me mais com a minha biblioteca e meu gato do que com Bolsonaro; ou até mesmo com a sua opinião sobre mim, ou com o sexo frágil de Fiuk e a militância da “Carol com K”.

Você pode estar de nariz torcido nesse instante, pensando: “por que estou lendo um texto desse?” Tá bom, já vou finalizar; mas antes entremos num campo da completa sinceridade. Fechamos este pacto aqui, sem ninguém ver.

Depois de um bom banho, no final de um dia estressante de trabalho, sentado na poltrona mais gostosa de sua casa, com um jazz de fundo e uma taça de vinho na mão, ali é, enfim, permitido sermos sinceros de verdade ante à realidade. Ninguém nos vê, ninguém nos escuta. Não precisamos mais fazer média para os grupos a que pertencemos; não precisamos nos portar galantes na frente da moça ou rapaz com que flertamos, e nem fingir que nos importamos com qualquer inclusão social ou com as girafas da Amazônia.

Ali, na poltrona da franqueza, está liberado falar e pensar asneiras ridículas, xingar a mãe, a ex e o Papa, podemos até assistir ao BBB para depois dizer que quem assiste é idiota útil. Ninguém julgará. Naquela poltrona, vertidos na sinceridade de um estado de natureza, afastados dos compromissos sociais, ideológicos e das amarras psicológicas, podemos então admitir o que todos nós sabemos: não são os ditos “conservadores” as reais ameaças às liberdades no Brasil e no Mundo. Não são os tios do zap os fascistas, nem o agora aleijado Oswaldo Eustáquio. O Tião e a Neide, o Joaquim e Chica, que compartilham vídeos do Bolsonaro levantando a lata de Leite Moça, não estão mancomunados numa rede subalterna de neonazistas de Jacareí ou de Osasco, definitivamente não estão programando um atentado a bomba aos sacrossantos juízes do STF.

Isso é narrativa midiática vadia, nós sabemos, todos sabemos; esse fascismo apregoado nos conservadores brasileiros é mentiroso. Hoje a ameaça ao modelo liberal de vida, duramente construído e maturado no Ocidente, é só uma: o progressismo. É ele que clama por um “autoritarismo necessário”, um fascismo de arco-íris e pôneis transexuais, uma ditadura psicopata pintada de marshmallows rosa. Podem me xingar nos comentários; me escrachem nos grupelhos de lacração; mas nós sabemos.

Artigo publicado originalmente no site do IL em 12/02/2021.

O autor é filósofo, colunista do Instituto Liberal, ensaísta do Jornal Gazeta do Povo e editor na LVM Editora.

 


domingo, 27 de junho de 2021

A ditadura velada do Judiciário - Revista Oeste

Cristyan Costa

Presos políticos não são exclusividade de ditaduras. No Brasil, o deputado federal Daniel Silveira e o jornalista Oswaldo Eustáquio foram detidos por criticarem o STF

Há sempre dois pesos e duas medidas para os direitos dos reis e os direitos das pessoas comuns, observou o filósofo iluminista Voltaire, no livro O Século de Luís XIV, publicado em 1751. Embora tenha sido criada há 270 anos —  para atacar a autoridade papal —, a expressão continua bastante atual no Brasil. Crítico da concentração de poder absolutista e do seu abuso por parte das autoridades, o pensador francês era um ferrenho defensor da liberdade de imprensa e de expressão.

Deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ)

A violação desses direitos e a prisão de adversários políticos por força do Estado têm sido recorrentes. Na Nicarágua, por exemplo, a 142 dias das eleições gerais, a comunidade internacional pressiona o ditador de esquerda Daniel Ortega a interromper a perseguição aos opositores. Entre 2 e 20 de junho, cinco importantes candidatos presidenciais e nove críticos da ditadura foram detidos e processados.

Um relatório de 37 páginas da organização não governamental Human Rights Watch acusa Ortega de lançar mão dessa arbitrariedade para eliminar a competição política. Atualmente, há 125 presos políticos na Nicarágua. A Venezuela não é muito diferente. O país governado por Nicolás Maduro tem 301 homens e mulheres detidos por se oporem ao governo, conforme levantamento da ONG Foro Penal. Desde 2014, o chavismo mandou para trás das grades 15,7 mil pessoas por emitirem opiniões. Um dos casos mais conhecidos é o do ex-tenente-coronel da Força Aérea venezuelana Ruperto Sánchez, libertado na quinta-feira 17, depois de passar sete anos preso, acusado de rebelião militar.

A situação deplorável se repete em Cuba, onde há cerca de 120 presos políticos, de acordo com carta enviada por mais de 300 cubanos ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na semana passada. O grupo, composto de jornalistas, opositores e intelectuais, reivindica a libertação dos detidos, considerados pelo regime castrista “mercenários dos EUA” e “indivíduos que perturbam a paz do país”. Acusações como essas levaram à cadeia o pedreiro Orlando Zapata, crítico de Fidel Castro. Detido em 2003, Zapata foi condenado a mais de 30 anos de cadeia. Morreu em 2008, após 85 dias em greve de fome.

A asfixia da liberdade ocorre também na Bolívia. Em 13 de março, a ex-presidente Jeanine Áñez e ex-ministros de seu gabinete foram levados ao cárcere por supostamente terem tramado um golpe contra o então presidente do país, Evo Morales, acusado pela Organização dos Estados Americanos de fraudar a disputa de 2019. Presa preventivamente, Áñez sustenta que o atual presidente, Luis Arce, se utiliza do aparato judicial para perseguir opositores.

República das bananas
O cerco às liberdades e aos direitos fundamentais não é exclusividade de ditaduras escancaradas. No Brasil, o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) deixou a prisão domiciliar para voltar ao regime fechado na quinta-feira 24, por ter violado, segundo o ministro do STF Alexandre de Moraes, a tornozeleira eletrônica mais de 30 vezes. O parlamentar havia sido detido a mando de Moraes no começo do ano, com base no inquérito que apura supostos atos antidemocráticos contra os juízes da Suprema Corte.

Em fevereiro, Silveira publicou um vídeo nas redes sociais com ofensas aos magistrados. Pouco depois, a PF batia na porta do deputado com um mandado de prisão baseado na Lei de Segurança Nacional (LSN). Detido “em flagrante”, o congressista foi acusado de atentar contra as instituições e o Estado Democrático de Direito. O Congresso Nacional ratificou a excrescência no mês seguinte.

Além do parlamentar, o Supremo também mandou para trás das grades no ano passado o jornalista Oswaldo Eustáquio, que desde janeiro segue em regime domiciliar. Entre outras denúncias contra o repórter está a prática de fake news. Assim como Silveira, o STF enquadrou Eustáquio na LSN. Ele ficou detido em outras ocasiões por violar o monitoramento judicial. Na cadeia, o jornalista relatou ter sido torturado, além de quase ter ficado paraplégico em razão de uma queda no banheiro. Enquanto manda prender Silveira e Eustáquio, o Supremo colabora para a soltura, um a um, de quase todos os presos da Operação Lava Jato, como mostra a reportagem de capa de Oeste.

Dircêo Torrecillas Ramos, jurista e membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas, avalia que as prisões de Eustáquio e de Silveira são inconstitucionais. Para Dircêo, o STF não pode ser vítima e investigador ao mesmo tempo. Sendo assim, o inquérito dos “atos antidemocráticos” e o das notícias falsas vão contra a lei. “Em primeiro lugar, a denúncia tinha de ter sido apresentada pelo Ministério Público Federal e investigada pela PF”, observou o jurista, ao afirmar que Moraes também não poderia ser relator por escolha do então presidente da Casa, ministro Dias Toffoli. “O processo é por sorteio”, constatou. “Por ser jornalista e sem foro privilegiado, qualquer acusação contra Eustáquio precisava ser encaminhada à primeira instância. Só no fim é que o STF seria provocado. Trata-se de um jornalista, um civil, que tem o direito à liberdade de expressão”, disse.

O jurista lembra que fake news, um dos argumentos usados contra Eustáquio, é um termo subjetivo e difícil de caracterizar. Portanto, frágil no proferimento de uma sentença. No caso de Silveira, Dircêo ressalta que houve excesso nas críticas feitas aos ministros, mas insuficientes para uma prisão. “Ele manifestou uma opinião”, afirmou, ao lembrar que o parlamentar tem imunidade em razão do cargo que ocupa. Ainda segundo o jurista, caso o deputado fosse condenado com base no artigo 286 do Código Penal, que prevê punição de três a seis meses por incitação à violência, Silveira poderia cumprir a pena em liberdade. “No artigo 53 da Constituição está escrito: deputados e senadores são invioláveis civil e penalmente por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.”

Há outras inconstitucionalidades nos casos de Eustáquio e Silveira. Marcelo Figueiredo, advogado e professor associado de Direito Constitucional da PUC-SP, aponta a Lei de Segurança Nacional (LSN) como uma delas, usada para justificar a prisão da dupla. “Ninguém pode ser preso por praticar atos de liberdade de expressão, ainda que polêmicos e passíveis de críticas”, afirmou. “Uma prisão somente ocorre quando uma lei é violada. Não foi o caso.”

Ao comentar o caso de Silveira, Figueiredo relembra a necessidade de a Câmara dos Deputados ser a responsável por definir o futuro de um parlamentar, e não o Poder Judiciáriomedida descumprida pelo STF. Além disso, Figueiredo discorda de Alexandre de Moraes quando o ministro do STF justifica a prisão do congressista ao afirmar que houve flagrante. “Um vídeo não caracteriza o ato em flagrante”, diz. De acordo com o especialista, as duas situações configuram uma prisão política. “Considero que o deputado é preso político. E a prisão do jornalista é ilegal”, ressaltou.

Os deputados sob a mira da lei
Outros parlamentares não tiveram o mesmo tratamento que Daniel Silveira, embora carreguem nas costas denúncias de crimes ainda mais graves. É o caso do deputado João Rodrigues (PSD-SC), o atual prefeito de Chapecó, em Santa Catarina. Preso em fevereiro de 2018 a mando do STF por fraude e dispensa de licitação quando comandava Pinhalzinho (SC), conseguiu comparecer a sessões na Câmara dos Deputados três meses depois graças ao ministro Luís Roberto Barroso. Na época, Rodrigues dormia na cadeia e participava das atividades parlamentares durante o dia.

A peculiaridade abrange outra figura do Congresso Nacional: o ex-deputado Celso Jacob (MDB-RJ). Condenado pelo STF a sete anos e dois meses de prisão por falsificação e dispensa de licitação na construção de uma creche quando era prefeito de Três Rios (RJ), em 2002, foi preso em 6 de junho de 2017. No entanto, quatro meses depois, conseguiu na Justiça autorização para frequentar a Câmara. À noite, voltava para dormir na Papuda. Mais recentemente, o STF nada fez contra a deputada Flordelis (PSD-RJ), acusada de ser a mandante do assassinato do pastor Anderson, seu marido. Os ministros deixaram o caso nas mãos do Legislativo.

Por que, então, há dois pesos e duas medidas em todos esses casos? Matheus Falivene, doutor em Direito e Processo Penal pela USP e professor da PUC-Campinas, acredita tratar-se do ativismo que tem tomado conta do Judiciário como um todo. O acadêmico afirma que a Carta Magna aumentou o alcance desse poder, que hoje acaba usurpando funções que não são de sua alçada. “Daí surge o termo ‘ditadura do Judiciário’”, observou Falivene. “Na Constituição, entregou-se muito poder aos juízes, que passaram a atuar politicamente em alguns casos.”

As prisões arbitrárias e ilegais do deputado Daniel Silveira e do jornalista Oswaldo Eustáquio são apenas mais um chute na democracia, além dos inquéritos policiais em que ambos foram enquadrados: o das fake news, criado em 2019, e o dos tais atos antidemocráticos, no ano seguinte. Essas investigações são inteiramente fora da lei, sem indiciados, sem um crime específico a apurar, sem prazo para terminar e sem direito de defesa para os acusados. Ao agir simultaneamente como vítima, polícia, promotor e juiz, a Corte Suprema do país vem sendo usada, no fundo, apenas para perseguir quem desagrada a qualquer um dos onze ministros.

Leia também “O estranho caso de Alexandre de Moraes”

Cristyan Costa, jornalista - Revista Oeste

 

 

segunda-feira, 1 de junho de 2020

STF mira nas fake news e acerta a liberdade de expressão - Gazeta do Povo

Paulo Polzonoff Jr. 

Devagar, sorrateiramente, a liberdade de expressão sofreu um ataque duríssimo - talvez fatal, se algo não for feito a respeito. Explico.
A CPI das “fake news”, que parecia mais um daqueles inúmeros inquéritos parlamentares que servem objetivamente - quando muito - para a produção de memes, gerou um inquérito judicial (bastante questionável) cujo desdobramento ganhou hoje um capítulo sinistro.
Mandados de busca e apreensão foram expedidos contra jornalistas independentes, blogueiros, ativistas e empresários. O que eles têm em comum? Eram todos apoiadores convictos do presidente Jair Bolsonaro e/ou conservadores. Também parlamentares próximos do Executivo como Bia Kicis (PSL-DF), Carla Zambelli (PSL-SP), Filipe Barros (PSL-PR) e Luiz Phillipe de Orleans e Bragança (PSL-SP) foram intimados a comparecer para prestar depoimentos em data próxima.

E o que esse inquérito (4781/DF) tem de tão diferente de tantos outros que obrigam a Polícia Federal a bater na porta de cidadãos brasileiros às 6hs da manhã?


Entre os muitos “furos” do processo que o fazem parecer tirado de um enredo kafkiano, poderia citar a ausência de “fato específico” (conceito jurídico fundamental porque ninguém pode ser condenado por cometer um “crime”, assim, de forma genérica, mas sim por algo objetivo e claramente determinado, como “desvio de dinheiro do órgão de governo X”), porém o que mais chama a atenção é que sequer o inquérito indica quem são os investigados. Em outras palavras, cidadãos brasileiros estão sendo levados para depor e tendo bens confiscados sem saber que parte são no processo. A deputada federal Caroline De Toni (PSL-SC) acrescentou muitos outros questionamentos jurídicos em seu Twitter pessoal para quem se interesse pelo assunto.

Mas não gostaria de discutir juridiquês, e sim valores. Boa parte dos “investigados”, se é que podemos chamá-los assim, trabalha com o que poderíamos chamar genericamente de “palavra”:
 Allan dos Santos mantém um canal do YouTube de notícias e comentários políticos que tem mais 800 mil inscritos;
 Bernardo Küster também é comentador de notícias políticas e de pautas ligadas à Igreja Católica, com número parecido de seguidores;
 Sara Winter é ex-feminista e hoje luta por pautas conservadoras, também de maneira muito presente nas redes sociais. A lista é extensa e pode ser vista no próprio inquérito, mas tem até humorista (Rey Biannchi).

Todas essas pessoas (com exceção dos parlamentares) tiveram seus celulares, computadores e outros dispositivos pessoais confiscados pela polícia para que o STF prossiga com essa estranha 
investigação.  Tudo isso por conta de “fake news”.
É preciso desmistificar um pouco esse termo que ganhou tanta notoriedade na última década. Lembro quando o finado e saudoso jornalista Ricardo Boechat afirmou que “essa história de fake news é a maior ‘fake news’ de todas”. O argumento era mais ou menos que as redes sociais, justamente por ter dado liberdade para as pessoas, é o que ajuda a desmentir as próprias notícias falsas. Se um jornalista comete algum equívoco, alguém nas redes pode apontar, e exigir uma correção. Da mesma forma, algum youtuber pode sofrer críticas por seu trabalho.

A pluralidade de meios de expressão aumenta a liberdade; e se isso aumenta a possibilidade de se espalhar mentiras, também aumenta a velocidade que a verdade dos fatos possa afinal vir à tona. Para os excessos a lei penal e civil brasileira já prevê a possibilidade de reparação. Muitos dos investigados do inquérito 4781/DF são cidadãos que exprimem opiniões que encontram eco em outras cidadãos, que por sua vez apoiam os primeiros das mais diversas formas. Quando o ministro Alexandre de Moraes manda apreender os equipamentos eletrônicos dessas pessoas acaba tirando o próprio ganha-pão deles.

Mas Alexandre de Moraes foi além. Acrescentou um pedido para bloquear os perfis de internet dos investigados, limitando ainda mais a possibilidade de virem a público para se defender.
Poderia chamar isso de censura?
Tentei entrar em contato com muitos dos “investigados”, para entender melhor o que estava acontecendo com eles, mas não tive sucesso. Em alguns casos a própria assessoria de imprensa estava sem comunicação com seu assessorado. Mas, felizmente, consegui falar com Bernardo Küster que é, entre outras coisas, diretor de Opinião do jornal online Brasil Sem Medo.

Ele informou que começou o trabalho na internet justamente para enfrentar os ataques à liberdade expressão no final de junho de 2017: “No Brasil você pode ser tudo, menos conservador e anticomunista. A própria CPI da fake news, que parece ter sido a origem desse inquérito, investiga exclusivamente conservadores e quem apoia o atual governo”, afirmou ele.É curioso como os antigos apoiadores do presidente, como Joice Hasselmann, Alexandre Frota e outros não são alvos desse inquérito, só quem o sustenta hoje. A impressão que fica é que apoiar o Bolsonaro é crime”, acrescentou.

Veja Também:     O inquérito das fake news nas mãos do plenário do STF

 Queria fazer piada com o STF, mas não tenho dinheiro para pagar advogado


Ao ser perguntado sobre a questão das fake news e da liberdade de expressão, Bernardo foi enfático: “D. Pedro II afirmava que só se combate os excessos da imprensa com mais imprensa. Ou seja, não pode existir alguém ou um órgão que decida o que é verdade ou o que é mentira nesse país. Para crimes contra a honra, existem leis. Agora, retirar os meios que as pessoas têm para se expressar, não é censurar notícias ou mensagens, mas pessoas. Em última análise, o que o STF está fazendo é impedir que vozes dissonantes falem. É absurdo!”, concluiu.

Toda a repercussão gerada pelo caso motivou o procurador-geral da República, Augusto Aras, a pedir ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, para que suspenda o inquérito das fake news. Por mais que seja batida, a velha frase atribuída a Voltaire: “Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até o ultimo instante seu direito de dizê-la”, deveria ser um norte para todos os que prezam pela democracia.
Que o pedido de Augusto Aras seja aceito pelo bem e salvaguarda da liberdade de expressão no Brasil.

Paulo Polzonoff Jr, jornalista - Gazeta do Povo


https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/polzonoff/

domingo, 29 de setembro de 2019

As leis de Beccaria - Nas entrelinhas

Estamos assistindo a uma grande colisão entre a alta magistratura brasileira, representada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato


O milanês Cesare Beccaria, marquês de Beccaria, é considerado o pai do moderno direito penal. Educado por jesuítas, estudou literatura e matemática em Paris, em meados do século XVIII, e sofreu a influência dos pensadores enciclopedistas, principalmente Voltaire, Rosseau e Montesquieu. De volta a Paris, fundou uma sociedade literária de caráter iluminista e passou a escrever para o jornal Il Café, que circulou nos anos de 1764 e 1765. Na época, vigorava a tese de que as penas constituíam uma espécie de vingança coletiva, o que levava a aplicação de punições com consequências piores do que os males produzidos: torturas, penas de morte, prisões desumanas, banimentos, na maioria das vezes, com base em acusações secretas.

Beccaria se insurgiu contra isso e escreveu uma obra seminal, que todo estudante de Direito conhece: Dei Delliti e dele Pene (Dos delitos e das penas), fruto de suas discussões com os amigos, entre os quais os irmãos Pietro e Alessandro Verri. Para evitar perseguições, o livro foi impresso em Livorno, em 1764, anonimamente, com o cuidado de usar expressões vagas e imprecisas sobre assuntos que contrariavam magistrados e clérigos.

O tratado Dos Delitos e das Penas invoca a razão e o sentimento. Até os dias de hoje, é um libelo contra os julgamentos secretos, o juramento imposto aos acusados, a tortura, a confiscação, as penas infamantes, a desigualdade ante o castigo, a atrocidade dos suplícios. Separou a justiça divina e a justiça humana, os pecados e os delitos, condenou o direito de vingança e tomou por base a utilidade social para estabelecer o direito de punir. Classificou como inútil a pena de morte, assim como defendeu a separação do poder judiciário e do poder legislativo.

Aclamado em Paris, sobretudo pelos filósofos franceses, Beccaria foi acusado de heresia e sofreu forte perseguição em Milão. Entretanto, sua influência se espalhou pela Europa. A imperatriz Maria Teresa da Áustria, aboliu a tortura em 1776. Voltaire classificou seu livro como um verdadeiro código de humanidade. Catarina II ordenou a inclusão dos conceitos do livro no Código Criminal Russo de 1776. Em 1786, Leopoldo de Toscana adotou as reformas defendidas por Beccaria. Na Prússia, Frederico, o Grande, abraçou muitos de seus princípios.

O julgamento
No momento, estamos assistindo a uma grande colisão entre a alta magistratura brasileira, representada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato, cujos métodos heterodoxos de atuação foram desnudados na troca de mensagens entre eles e o ex-juiz federal Sérgio Moro, atual ministro da Justiça, e pela espantosa entrevista do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot à revista Veja e ao jornal Estadão, nas quais revelou que planejou matar o ministro do STF Gilmar Mendes. É uma crise sem precedentes, na qual a opinião pública a favor da Operação Lava-Jato se insurge contra decisões do Supremo amparadas pelo amplo direito de defesa, mas que não eliminam a materialidade dos crimes praticados pelos condenados.


Entre as questões mais polêmicas, o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do habeas corpus do ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida, que pede anulação de sua condenação porque sua defesa não pôde fazer as alegações finais depois das dos réus que fizeram delação premiada. O Supremo interrompeu o julgamento quando estava 6 a 3 a favor do habeas corpus, mas ainda não votaram o presidente da Corte, Dias Toffoli, e o ministro Marco Aurélio.

O julgamento será retomado na quarta-feira, sob forte tensão, porque é preciso definir o alcance da decisão, que pode anular um total de até 32 sentenças, beneficiando 134 réus. Toffoli anunciou que votará a favor do habeas corpus, mas pretende modular o alcance da decisão. É nesse contexto que os princípios de Beccaria nos ajudam a compreender o que está acontecendo. Na essência, quatro são atualíssimos:
1. Inevitabilidade da punição: objetivo de convencer o ofensor em potencial que a punição sempre seguiria um ato criminal, sendo assim, um impeditivo. O perdão aos crimes equivale ao estímulo da impunidade.
2. Consistência: garante que um mesmo crime sempre será seguido por punição de mesma natureza e gravidade. Vetava, portanto, a arbitrariedade dos juízes.
3. Proporcionalidade: a gravidade das punições deveria refletir a gravidade da própria ofensa e dano causados. Assim, a medida do crime está no prejuízo causado à sociedade: todas as penas que ultrapassem a necessidade de proteger o vínculo social são injustas por natureza.
4. Celeridade: a rapidez da punição é essencial frente ao intuito de impedimento a que a própria punição se propunha a realizar. O legislador deveria fixar um prazo razoável para a defesa e a produção de provas sem prejudicar o esclarecimento do delito.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense

 

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

O homem da cara de pau

O termo aqui não tem sentido de desfaçatez e falta de vergonha, mas de aludir àquele que simula ser outro. Pior: ser o outro, mas continuando a ser o mesmo


Deonísio da Silva
A foto do candidato a presidente da República, Fernando Haddad, atrás de uma máscara de Lula, impedido de concorrer por estar preso em Curitiba, trouxe-me à lembrança esta linha de A Trama, narrativa curtíssima de Jorge Luís Borges: “Ao destino agradam as repetições, as variantes, as simetrias”.

É impressionante o que acontece. Ressurgem expressões como voto de cabresto, curral eleitoral e o famoso personagem vivido por Paulo Gracindo como “dotô coroné prefeito”, dos textos de Jorge Amado e de Dias Gomes, entre outros. Quer dizer que o eleitor não pode escolher em quem votar? É obrigado a votar em quem está atrás da máscara do mandante?  A etimologia nos ensina que máscara e personagem têm significados semelhantes, embora a primeira tenha vindo do Árabe más-hara, burla, engano; e a segunda, do Grego prósopon, careta, que se tornaria o Latim persona, pessoa, que nos deu também personagem.

Portanto, cara de pau não é usado aqui no sentido tão usual de caradura, desfaçatez e falta de vergonha, que lhe dão os dicionários, mas para designar quem simula ser outro. Ou pior ainda: ser o outro, mas continuando a ser o mesmo. O mesmo não pode mostrar a própria cara. É obrigado a mostrar a cara do outro. É uma pauta e tanto para nossa ciência política, para a literatura e para a psicanálise. Cara de pau, embora tenha feito as vezes de máscara, não é máscara de ferro. Como sabem tantos, nos cárceres da França de Luís XIV havia um preso condenado a jamais mostrar o rosto, posteriormente identificado apenas como o homem da máscara de ferro.

Tornou-se célebre personagem de Os Três Mosqueteiros, do escritor francês Alexandre Dumas, que teve um filho com o mesmo nome, também escritor, o conhecido autor de A Dama das Camélias. Mas foi o pai quem tornou famosa a figura literária, a seu tanto histórica e lendária, do homem da máscara de ferro, de existência comprovada. Pesquisadores que se debruçaram sobre o assunto chegaram à conclusão de que não era ninguém importante. Tendo vivido no século XVII, estava confinado em cela de segurança máxima. Alguma importância deveria ter…

Assim isolado, como veio a tornar-se tão famoso? É que, ao ser transferido da prisão de Pignerol para a da ilha de Sainte-Marguerite, uma escolta maior do que as habituais chamou a atenção do público e contribuiu para o mistério cultivado por seu carcereiro. Este, sim, em busca de dar maior visibilidade a seu ofício, fez saber ao distinto público, pelas vias das fofocas habituais, que tinha sob seus cuidados uma celebridade. Quem, na verdade queria ser célebre era o carcereiro.

Todavia, o mistério continuou. Condenado a trinta anos de prisão e a usar o insólito disfarce, ele nunca tirou a máscara, nem para dormir, para comer ou para lavar o rosto? Bem, outros mistérios persistem. Quando de nova transferência, desta vez para a Bastilha, em Paris, o público assistiu à chegada do ilustre desconhecido, com o rosto coberto, não mais por uma máscara de ferro, mas de veludo, disfarce que ele teria usado até morrer, já no século XVIII.

Havia outro motivo para o prisioneiro usar a máscara. Ele seria irmão gêmeo do rei Luís XIV e, condenado, não poderia mostrar o rosto! Quem teria formulado tal hipótese teria sido o filósofo Voltaire, que também esteve preso na Bastilha entre 1717 e 1718, e teria ouvido detalhes sobre a identidade do encarcerado.  Este foi, aliás, o argumento do filme em que o homem da máscara de ferro foi revivido no cinema, em 1998, com atuações de Leonardo DiCaprio, Gérard Depardieu e Jeremy Irons, entre outros. O filme foi pouco notado por força do megassucesso de Titanic, que reinou soberano nas bilheterias todo aquele ano.

Outras evocações virão, pois estas eleições prometem reviver, não apenas famosos eventos literários e lendários, mas também a República Velha. Tomara que não sejam trágicos, como já o foi o assassinato de João Pessoa, então presidente da Paraíba, em 1930, estopim da revolução deflagrada naquele ano. O nome do cargo mudaria mais tarde de presidente para governador.

*Deonísio da Silva


Diretor do Instituto da Palavra & Professor


Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá