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quarta-feira, 14 de setembro de 2022

O Supremo não pode inventar leis - Alexandre Garcia

Os principais jornais do país deram a posse de Rosa Weber na Presidência do Supremo na primeira página. De uns anos para cá, a troca de presidente do Supremo tem virado notícia. No século passado, era limitada a uma nota em página interna.

Talvez tenha começado essa exposição, quando o presidente Marco Aurélio mandou instalar a TV Justiça, para divulgar os julgamentos em plenário. Cresceu quando Joaquim Barbosa assumiu a presidência e participou de memoráveis debates sobre o mensalão. Ele renunciou de repente e até hoje ninguém sabe por quê.

Ricardo Levandowski presidente do Supremo entrou para a História ao presidir o julgamento de Dilma Rousseff, quando foi rasgado ao meio o parágrafo único do artigo 52, ficando a condenada elegível e o povo de Minas teve que completar a condenação. [não elegendo a escarrada.]

Depois veio Cármen Lúcia, anunciando aos quatro ventos, no dia da posse, que "cala-boca já morreu". Mal imaginava que mais tarde um cala-boca forte partiria do Tribunal guardião das liberdades de pensamento e de expressão. 
Dias Toffoli marcou sua presidência criando um inquérito sem Ministério Público, com base num artigo do Regimento Interno, derrogado pela Constituição.
 
Ativismo
Depois veio Luiz Fux, cheio de boas intenções. No discurso de posse, reconhecia as críticas de "judicialização da política" e "ativismo judicial". Diagnosticou que o Supremo estava exposto "a um protagonismo deletério" — e conclamou seus pares "a darmos um basta na judicialização vulgar e epidêmica de temas e conflitos em que a decisão política deva reinar". Fux ficou dois anos na presidência vendo o protagonismo deletério só aumentar.

Agora entra Rosa Weber, reafirmando na posse que o Judiciário não age ex officio. Sendo assim, como irá conviver com um inquérito interno que desconhece o devido processo legal? E assume em tempos de quebra do sistema acusatório: a acusação, a Procuradoria Geral da República, não vê crime mas o ministro Alexandre de Moraes não arquiva o inquérito. O juiz continua polícia e promotor — algo impossível em Direito.

Rosa Weber é primeiro lugar no vestibular e em todo curso de Direito da Federal de Porto Alegre. 
Como vice de Fux, vinha revezando com ele o encargo de administrar o Supremo. 
Encargo que não representa autoridade sobre os demais ministros. São 11 cabeças, 11 supremos. Pode conclamar aos pares, como fez Fux, mas não pode obrigar.

Lembro do tempo em que ministros do Supremo mandavam para o arquivo as questiúnculas políticas que os partidos sem força no Legislativo enviavam ao Tribunal. Terá ela consciência dos desvios? No discurso de posse, o que fez foi defender a autonomia do Supremo, embora tenha mencionado "excessos de poder e comportamentos desviantes", mas sem se referir ao seu Tribunal.

O mais conveniente resgate para o Supremo seria o auto-resgate. Seria preciso dominar vaidades e egos. E aplacar a tentação de fazer leis, quando os legisladores decidem não fazer. Rosa Weber disse que o Judiciário dá a última palavra, até para conter as maiorias parlamentares. 
É bom lembrar que o Supremo não pode inventar leis,[o que inclui, sem limitar, o legislar por analogia em matéria penal.]  que não se os legisladores, com mandato popular, não quiserem legislar sobre o tema. E muito menos agir como superiores à própria Constituição.

Rosa Weber só terá um ano porque será aposentada em 2 de outubro do ano que vem. Um ano para aplicar as boas intenções dela em relação à democracia, às liberdades, ao direito e ao Judiciário. Ficará rósea a imagem do Supremo?

Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense 

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Confira o “novo” powerpoint de Dallagnol:

"Não entendi, faz um powerpoint".

Bom, pediram tanto que aí está, o mais novo e atualizado powerpoint. E se reclamar eu faço outro...

Se você quer levar a Lava Jato pro Congresso Nacional, ajude a deixar esse powerpoint famoso também e vamos juntos de 1919 no dia 2 de outubro! pic.twitter.com/aHPMJduLOx

AQUI -  MATÉRIA COMPLETA

 

segunda-feira, 27 de junho de 2022

Que fim levou a CPI das ONGs na Amazônia, que estava pronta para começar - Gazeta do Povo

Alexandre Garcia

Investigação

Requerimento de criação da CPI das ONGs, aguarda apenas a deliberação do presidente do Senado para começar as investigações. -  Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Quero fazer duas perguntas sobre esse caso do ex-deputado Roberto Jefferson ter virado réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por homofobia. Primeiro: o que o processo está fazendo no STF se ele não tem ? Se fosse deputado federal, aí sim seria no Supremo, mas Jefferson não é deputado, é presidente do PTB.

Foi o Supremo que começou o processo e depois entrou o Ministério Público para fazer a denúncia. No STF foram só dois votos contra a aceitação da denúncia: dos ministros Nunes Marques e André Mendonça. Agora, por ordem do Supremo, o processo deve ser enviada para a primeira instância da Justiça Federal em Brasília, de onde nunca deveria ter saído, se é que havia algum motivo para existir esse processo.

A segunda pergunta é: o STF pode mudar a lei do jeito que quiser? Por que Roberto Jefferson virou réu por homofobia com base no artigo 20 da Lei 7716/2018. Eu fui ler esse artigo e não há citação sobre homofobia nele. O artigo fala que é crime “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Só isso!

Mas vi que foi o Supremo que incluiu homofobia nesse artigo. Mas alto lá: o STF não é órgão legislativo, é Judiciário. Só quem pode mudar, fazer ou alterar a lei é quem tem legitimidade para isso, ou seja, que foi eleito pelo voto conferido pelo povo. Eu não consigo entender isso. [só que o Supremo além de legislar - mesmo sem ter legitimidade para tanto - ainda legislou mal, errado. Por analogia, o STF tornou a homofobia crime semelhante ao racismo, só que em DIREITO PENAL não se legisla por analogia, o DIREITO PENAL é LITERAL
Sabemos que o ilustre jornalista sabe disso, apenas se esqueceu de citar. Os ministros do Supremo certamente também sabem.]

O jurista Ives Gandra costuma lembrar o seguinte: na França, foram pedir na Suprema Corte o casamento entre dois homens e duas mulheres. A Suprema Corte francesa então falou: olha, isso não é com a gente, isso é com o Parlamento; é só mudar a lei; nós não podemos mudar a lei, nós só a interpretamos e aplicamos. Simples, né!

Segurança morto em assalto no Rio
Tenho outra pergunta a fazer. O segurança Jorge Luiz Antunes, que devia estar no aniversário de um dos quatro netos, mas foi substituir um amigo no trabalho, foi morto com um tiro no rosto durante o assalto a uma joalheira do shopping Village Mall, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.

Um mês atrás, colegas meus, jornalistas, lamentaram que nenhum policial tinha sido morto naquela operação policial na Vila Cruzeiro, também no Rio. Quero saber se agora eles vão lamentar que nenhum bandido tenha sido morto. Eram 12 assaltantes, mas só foi morto o vigilante.

Fico curioso pra saber também se o Supremo Tribunal Federal vai dar cinco dias para a polícia descobrir o paradeiro dos 12 assaltantes, como fez no caso das mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, no Vale do Javari, em plena floresta amazônica. Por analogia, o STF deveria fazer o mesmo. Quem sabe os assaltantes foram se abrigar em algum lugar onde a polícia foi proibida de entrar pelo Supremo.

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CPI das ONGs está engavetada
Quero perguntar também que fim deu a CPI das ONGs da Amazônia? Ela estava pronta para começar, mas aí o Supremo interferiu e mandou o Senado abrir aquele circo da CPI da Covid.
A CPI das ONGs já tem todas as assinaturas necessárias, falta só que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), diga aos líderes partidários que indiquem os integrantes das CPI.
 
Assim será possível começar a investigar por que tem uma ONG no município de Coari (AM) em cima de terra de gás e petróleo, e outra em cima de terra com jazidas de nióbio
 Também para saber por que tem ONG que recebe dinheiro de governo europeu e outra que tem uma "laranja" no comando, mas na verdade quem manda são europeus?

E também por que 85% do dinheiro das ONGs sustentam a diretoria dessas organizações, como diz o Tribunal de Contas da União (TCU)? Por que tem uma rede de televisão que não quer essa CPI das ONGs, segundo o senador Plínio Valério (PSDB-AM), que é o autor do requerimento? São muitas perguntas que esperam respostas.

Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES
 

terça-feira, 14 de setembro de 2021

“O Supremo está atuando em um contexto político” - Revista Oeste

Procurador de Justiça critica concentração de poderes na Corte e classifica como ‘absurdo’ o inquérito das fake news

Na semana em que milhares de brasileiros foram às ruas para manifestar descontentamento com a atuação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), um texto de autoria do procurador de Justiça do Ministério Público do Paraná Rodrigo Régnier Chemim Guimarães, doutor em Direito do Estado e professor de mestrado da Universidade Positivo, viralizou em grupos de WhatsApp. Trata-se de uma mensagem publicada originalmente em seu perfil no Facebook no dia 20 de maio (leia o texto no fim da entrevista), mas que parece escrita sob medida para um momento em que a mais alta instância do Judiciário brasileiro não encontra limites em uma perigosa marcha sobre os direitos individuais, a liberdade de expressão e outras garantias constitucionais.

Rodrigo Régnier Chemim Guimarães, procurador de Justiça do Ministério Público do Paraná | Foto: Divulgação

Nas últimas semanas, o ministro Alexandre de Moraes, relator do controverso inquérito das chamadas fake news, expediu mandados de prisão e de busca e apreensão contra jornalistas, ativistas e lideranças de movimentos que foram às ruas no 7 de Setembro sob o argumento de que teriam feito ameaças aos ministros da Corte ou incitado ataques contra as instituições democráticas —, além de determinar a suspensão de canais de comunicação de apoiadores do governo do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais.    

A reportagem de Oeste conversou com Chemim, que apontou o “descompasso” do STF no cumprimento do texto constitucional e classificou como “absurdo” o inquérito no qual se basearam as medidas tomadas por Moraes nos últimos dias. “Ainda que o regimento interno do Supremo autorize, esse tipo de inquérito tinha de ser considerado inconstitucional”, afirma. “Juridicamente, não tem como salvar o que estão fazendo. É claro que o Supremo está atuando em um contexto mais político do que jurídico.”

Na entrevista, o procurador admite que a imagem do STF está “arranhada”, o que deveria levar os 11 ministros da Corte a fazer uma necessária “autocrítica”. Para Chemim, o tribunal tem um poder “muito amplo”, mas não consegue se concentrar nas verdadeiras atribuições de uma Corte constitucional. “Qualquer coisa pode chegar ao Supremo, desde quem foi o campeão brasileiro de futebol de 1987 até se um ato do Poder Executivo é válido ou não. Eles decidem até quando começa a vida.”

Leia os principais trechos da entrevista.

Seu texto que viralizou no WhatsApp aponta uma série de decisões heterodoxas tomadas por ministros do STF. Qual foi sua motivação ao escrever a mensagem?
Dou aula de Processo Penal. Na medida em que as aulas avançam, vou chegando às matérias que coincidem com as notícias da semana. Não me lembro exatamente qual foi a notícia, mas era mais uma que revelava o descompasso do Supremo Tribunal Federal em relação à forma de interpretar determinadas questões, principalmente envolvendo a maneira de investigar e a competência originária do Supremo. Há uma série de coisas que fica difícil de explicar aos alunos. Você fala uma coisa, só que o Supremo faz diferente. Foi uma tentativa de desopilar o fígado e tentar organizar os assuntos na minha cabeça, para depois explicar aos alunos esse descompasso que existe entre o que o juiz pode fazer e o que o Supremo está fazendo. 

Qual é sua avaliação sobre o inquérito das fake news, aberto de ofício pelo ministro Dias Toffoli e cujo relator no STF é Alexandre de Moraes?

Ainda que o regimento interno do Supremo autorize, esse tipo de inquérito tinha de ser considerado inconstitucional. Desde a Constituição de 1988, há um consenso na academia jurídica de que juiz não pode investigar crimes. Esse consenso vai até um ponto. Quando chega ao Supremo, eles dizem: ‘Não pode, menos no meu caso; eu posso’. Atuam como se fossem uma ilha de interpretação em relação ao resto do Direito brasileiro. A instauração do inquérito em si, por um juiz, já é um problema. É privativa a ação penal pelo Ministério Público. Não estou dizendo que os crimes não foram praticados. A liberdade de expressão tem limites, que foram ultrapassados em várias ocasiões. Mas eles deveriam, de forma legítima, ter apresentado uma notícia-crime à Polícia Federal ou ao procurador da República, em primeiro grau. Juridicamente, não tem como salvar o que estão fazendo. É claro que o Supremo está atuando em um contexto mais político do que jurídico. Agora, isso tem um preço: o preço da desorganização na interpretação dessas questões todas. 

Como o senhor avalia as prisões do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) e do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) depois que fizeram críticas a ministros da Corte? No caso de Jefferson, a prisão foi decretada pelo ministro Alexandre de Moraes antes mesmo da manifestação da PGR, que foi contrária à detenção.
Avalio da mesma forma que avaliei quando foi preso o Delcídio do Amaral [então senador pelo PT do Mato Grosso do Sul e líder do governo no Senado, detido pela Polícia Federal em novembro de 2015, no exercício do mandato, por determinação do ministro Teori Zavascki, do STF]. Ali já fizeram errado. Usaram de retórica para alargar o que diz a Constituição e o que sempre se entendeu da ideia de crime inafiançável. Os parlamentares do Congresso Nacional só podem ser presos em situação de flagrante crime inafiançável. Tecnicamente, é um conceito bem restrito. Tem meia dúzia de crimes que são inafiançáveis.  
O Supremo realizou uma leitura alargada para fazer, retoricamente, um jogo de palavras e dizer que, quando cabe prisão preventiva, não cabe fiança — logo, seria crime inafiançável [segundo esse entendimento, Delcídio integrava uma organização criminosa, o que seria um crime permanente, em contínuo estado de flagrância]. Com isso, é possível legitimar uma série de coisas que não são adequadas. No caso do Roberto Jefferson, nem parlamentar ele é. Aí fica mais estranho ainda. Ele não tem foro por prerrogativa de função, e vem o Supremo e decreta a prisão. O argumento me parece também um pouco forçado, de que ele integra uma organização criminosa e talvez tenha lá alguém com prerrogativa de foro, e isso poderia puxar para a competência do Supremo.

“O problema é quando se transforma a maneira de interpretar a Constituição, para fazer valer a sua opinião pessoal”
 
Aproveitando o exemplo da prisão do ex-senador Delcídio do Amaral: o senhor aponta uma confusão em decisões do STF a respeito de crime permanente e crime instantâneo de efeitos permanentes. Qual é a diferença entre esses dois tipos penais e como se aplicam esses conceitos na prática, à luz da legislação?
Crime permanente é um crime cuja execução se prolonga no tempo. O exemplo fácil de visualizar é o sequestro. Enquanto a vítima está sequestrada, o crime está acontecendo. Já o crime instantâneo de efeitos permanentes é um crime no qual se consuma o delito de forma imediata, mas ele acaba produzindo efeitos que ficam no tempo.    A pessoa realizou a conduta, encerrou o comportamento ali, mas gera um efeito que se prolonga. A diferença prática disso é que, no crime permanente, você pode prender em flagrante o sujeito enquanto ele está cometendo o crime.                                                                           No crime instantâneo de efeitos permanentes, você pode prender em flagrante só no momento em que ele realiza a conduta.               Homicídio, por exemplo, é um crime instantâneo de efeitos permanentes: a morte. A pessoa não vai ressuscitar. Se eu localizar um cadáver daqui a quatro dias, eu posso prender em flagrante alguém que matou? Não, porque ele matou há quatro dias. 

Quais são os riscos para a democracia brasileira do ativismo judicial do STF?

Não é de hoje que o Supremo pratica ativismo judicial. Dependendo do grau de ativismo, pode até caracterizar um crime de responsabilidade, e aí é o Congresso Nacional, dentro de uma democracia, que tem de avaliar se há ou não crime de responsabilidade cometido por algum ministro para que se abra um processo de impeachment. Não se quer, com essas críticas, dizer que seja possível retirar à força ministros do STF, como muita gente sugere, ou dar golpe… Isso tudo é absurdo. A minha geração saiu da faculdade acreditando que o bom jurista é aquele que faz justiça. O grande problema é o conceito de justiça. E cada um de nós tem uma visão diferente do que seja justo. O problema é quando se transforma a maneira de interpretar a Constituição, para fazer valer a sua opinião pessoal. É muito perigoso quando o juiz confunde decisão com escolha. O juiz pode escolher tomar um sorvete de baunilha em vez de um de chocolate. Mas ele não pode escolher na hora de decidir. Decidir é um ato juridicamente condicionado. O “juiz pessoa física” não pode se confundir com o juiz que representa a instituição. Toda vez em que isso acontece você tem um problema, porque passa a valer a opinião pessoal daquele juiz.

“Seria importante que os ministros fizessem uma autorreflexão”
 
O senhor vê risco de uma escalada autoritária do Judiciário no Brasil?
É difícil colocar esse rótulo, porque os ministros podem estar agindo com a maior das boas vontades. Mas seguramente estão extrapolando os limites do que se espera da atuação de quem detém poder jurisdicional. De fato, a gente percebe que esse comportamento não está adequado à melhor forma de interpretar como as situações devem ser conduzidas dentro de uma democracia. Não chegaria a usar esses rótulos de forma apressada, mas é preocupante, até como exemplo. Seria importante que os ministros fizessem uma autorreflexão. No caso do inquérito das fake news, se o juiz em primeiro grau faz a mesma coisa que eles estão fazendo, vem um habeas corpus de duas linhas do Tribunal de Justiça de um Estado e manda trancar a investigação, pela extrapolação.
 
Há uma saída legal para que se possa frear o poder dos ministros do STF?
O Parlamento pode mudar a competência do Supremo, por exemplo. O problema do STF é ter uma competência muito alargada. Ele decide tudo. Qualquer coisa pode chegar ao Supremo, desde quem foi o campeão brasileiro de futebol de 1987 até se um ato do Poder Executivo é válido ou não. Eles decidem até quando começa a vida… É um poder muito amplo. Tínhamos de transformar o Supremo naquilo que talvez fosse a ideia do constituinte brasileiro, espelhado na Suprema Corte norte-americana, que era torná-lo uma Corte constitucional, para julgar as grandes questões. No Brasil, temos 100 mil processos por ano na Suprema Corte. Como julgar isso com 11 pessoas? Não se encaixa na quantidade de dias úteis do ano nem na quantidade de ministros. 

O STF foi alvo dos protestos do 7 de Setembro. A imagem do tribunal está arranhada perante a sociedade?
A imagem ficou arranhada na exata proporção do que eles estão realizando, como essas investigações que juridicamente são insuportáveis. O próprio Supremo tinha de fazer uma autocrítica e diminuir um pouco esse limite investigativo. Não significa dizer que não devam investigar uma ameaça. Ou que não se tenha de pôr um freio nos arroubos autoritários de algumas pessoas. Mas a atuação do STF nessas investigações que transcendem os limites hermenêuticos sobre o que é possível fazer, de certa forma acaba dando ferramentas para que movimentos queiram tomar medidas mais autoritárias, com as quais não estou de acordo.

Abaixo, o texto do procurador de Justiça do Ministério Público do Paraná Rodrigo Régnier Chemim Guimarães compartilhado em grupos de WhatsApp:

“Como são muitas as ‘novidades hermenêuticas’ do processo penal brasileiro, resolvi fazer algumas anotações para me reorganizar na compreensão de temas importantes e reformular minhas aulas de processo penal:
 
Juiz pode instaurar inquérito?
Não, salvo se for ministro do STF; 
Juiz pode investigar crimes?
Não, salvo se for ministro do STF;  Juiz que se considera vítima de crime pode conduzir investigação a respeito?
Não, salvo se for ministro do STF;
Juiz pode determinar busca e apreensão sem representação do delegado ou do Ministério Público?
Não, salvo se for ministro do STF;
Juiz pode manter prisão em flagrante sem convertê-la em preventiva?
Não, salvo se for ministro do STF;
Juiz pode determinar prisão em flagrante de alguém por crime instantâneo, acontecido dias atrás, ao argumento, claramente errado, de que o crime seria permanente, confundindo dado básico de direito penal que diferencia crime permanente de crime instantâneo com efeitos permanentes? [Para entender a diferença entre crime permanente e crime instantâneo com efeitos permanentes, leia a resposta da pergunta 4, na entrevista acima]
Não, salvo se for ministro do STF;
Juiz pode dar continuidade à investigação quando o procurador-geral determina o arquivamento do inquérito?
Não, salvo se for ministro do STF;
Juiz pode dar entrevista sobre o caso que vai julgar emitindo opinião antecipada sobre o mérito do caso?
Não, salvo se for ministro do STF
Juiz pode ofender graciosamente a honra dos interessados no processo, externalizando um misto de sentimento de ódio, raiva e inimizade pessoal, tanto no curso do processo, quanto em entrevistas e palestras, repetidas vezes, e seguir se considerando imparcial para analisar o caso?
Não, salvo se for ministro do STF;
Juiz pode fazer homenagem pública ao advogado do réu, elogiando seu trabalho no caso concreto a ponto de chegar às lágrimas de tão abalado emocionalmente que ficou, revelando uma torcida pela defesa e se considerar ao mesmo tempo imparcial para julgar o caso?
Não, salvo se for ministro do STF;
Juiz pode considerar válido inquérito sem fato delimitado para investigação?
Não, salvo se for ministro do STF;
Juiz pode fazer analogia in malam partem, alargando o objeto material de um crime por interpretação? [quando um fato não tem previsão legal, o juiz pode fazer uma analogia e aplicar norma relativa a um caso semelhante. Via de regra, no direito penal, o juiz não pode fazer analogia in malam partem, ou seja, de modo que prejudique ou agrave (ainda mais) a situação do réu.]
Não, salvo se for ministro do STF;
Juiz pode dizer ao investigado que ele tem direito ao silêncio, mas caso resolva falar não pode mentir?
Não, salvo se for ministro do STF. 

Revista Oeste - Fábio Matos




quarta-feira, 14 de outubro de 2020

A toga justa no Supremo - Nas Entrelinhas

Só quando lei fosse omissa o juiz deveria decidir de acordo com analogia, costumes e os princípios de direito. Muitas decisões do Supremo já alteraram esse entendimento

Hoje, será um dia quente no Supremo Tribunal Federal (STF), arrastado para o olho de um furacão por seus próprios integrantes, não pelo Executivo ou pelo Legislativo, embora alguns possam atribuir a crise de imagem em que se encontra à modificação do Código de Processo Penal (CPP), aprovada pelo Congresso, e ao fato de o presidente Jair Bolsonaro, supostamente, não ter cumprido um acordo com o Senado para vetá-lo. No juridiquês, trata-se da exegese do artigo 316 do CPP, que diz, em seu parágrafo único: “Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.

O ministro Marco Aurélio Mello interpretou ao pé da letra o citado artigo e mandou soltar o traficante André de Oliveira Macedo, o André do Rap, sem levar em conta que ele estava condenado a 25 anos de prisão em outros dois processos e é um dos chefões da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Diante das críticas, disse que processo não tem capa e sustentou sua decisão, igual a mais de 70 sentenças com a mesma interpretação que já lavrou. O presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), sustou a decisão e pôs a questão na pauta da sessão plenária do Supremo de hoje. Marco Aurélio estrilou por causa da invertida que levou de Fux, mas é jogo jogado.

A Corte terá de firmar uma nova jurisprudência sobre o dispositivo incluído no Código de Processo Penal durante a aprovação do chamado pacote anticrime, em dezembro passado. Há dúvidas quanto à eficácia da mudança feita para acelerar os julgamentos de presos em prisão preventiva sem condenação e reduzir a população carcerária. Muitos avaliam que o dispositivo beneficia, sobretudo, os autores de crimes de colarinho-branco, com recursos financeiros para contratar bons advogados, e grandes criminosos, como chefões do tráfico de drogas e doleiros. Esse tipo de leitura predomina na opinião pública e pressiona o Supremo.

No Congresso Nacional, um grupo de deputados quer revogar o artigo 316 e outro, tentar garantir a votação da proposta de emenda constitucional (PEC) que permite a volta da prisão após a condenação em segunda instância. André do Rap já tem condenação em segunda instância, mas está recorrendo da decisão. O deputado Alex Manente (Cidadania-SP) negocia com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a retomada dos trabalhos da comissão que analisa a PEC da prisão após condenação em segunda instância. Maia criticou a decisão de Marco Aurélio. Autor do projeto, Manente quer aprovar a PEC ainda neste ano.

Jurisprudência
A toga justa no Supremo, porém, será a oportunidade de um grande debate jurídico, protagonizado pelo novo presidente da Corte, o ministro Fux, e o novo decano, o ministro Marco Aurélio. Há um choque de concepções jurídicas na Corte, que vem se manifestando há muito tempo, principalmente por causa da Operação Lava-Jato, mas que, agora, será tratado a propósito de um processo criminal sem o ingrediente da ética na política. No fundo, nosso sistema jurídico está ganhando características híbridas.

O modelo Civil Law, adotado pelo Brasil, pertence à grande família romano-germânica, que valoriza a letra da lei — que surge antes, para regular as condutas sociais. Na Common Law, de origem anglo-saxã, observado na Inglaterra, nos Estados Unidos e em outros países de língua inglesa, o direito é criado não pelo legislador, mas pelos juízes. Seu objetivo é dar solução a um processo, desta decisão surge o precedente, nos quais se fundamentará a jurisprudência. Há polêmicas nos dois casos, as principais envolvem a segurança jurídica e a duração dos processos. Enquanto a lei garante maior confiabilidade e segurança, a jurisprudência, por meio dos precedentes, agiliza a conclusão dos processos.

No Brasil, só quando lei fosse omissa o juiz deveria decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Mas isso nem sempre acontece. Muitas decisões do Supremo já alteraram esse entendimento. A polêmica sobre a execução da pena após condenação em segunda instância, por exemplo. O Supremo adotou esse procedimento, contrariando o princípio legal do trânsito em julgado, depois, voltou atrás. Agora, o assunto retorna à pauta no Congresso, para se tornar lei. O choque entre ministros “garantistas” e “punitivistas” tem tudo a ver com essa contradição. Por ironia, o tema da prisão preventiva está sendo revisitado pela Corte no caso de um traficante e não de um colarinho-branco, mas a lei é para todos.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense



sábado, 5 de setembro de 2020

A perigosa brecha da reeleição - IstoÉ

Presidentes da Câmara e do Senado tentam driblar a regra que proíbe a recondução em meio de mandato. O casuismo abre o caminho para manobras contra a Constituição que podem favorecer Jair Bolsonaro

Está na ConstituiçãoOs presidente da Câmara e do Senado não podem ser reeleitos no meio da mesma legislatura. A regra é clara e visa evitar a perpetuação de grupos de poder no Congresso. Mesmo assim, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), está em uma cruzada escancarada para achar uma brecha que permita sua recondução. Na Câmara, Rodrigo Maia divulgou que não tinha interesse em um novo mandato para a presidência da Casa. Mas os dois foram flagrados em um voo nada republicano, em 19 de agosto, quando foram a São Paulo se encontrar com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O objetivo era encontrar uma manobra capaz de perpetuar o poder dos dois no Congresso. A eleição das duas casas legislativas vai ocorrer em fevereiro de 2021, mas desde já o jogo da sucessão, que impactará a segunda metade do mandato de Bolsonaro e pode selar o destino do seu governo, mobiliza Brasília.
[o mais absurdo é que nenhum dos dois - o autoproclamando primeiro-ministro Mais e seu fiel escudeiro Alcolumbre - recebeu um voto que seja para serem eleitos e reeleitos para presidirem a Câmara e o Senado e  substituir, eventualmente, o presidente da República e, pior: praticamente realizam um governo paralelo ao do presidente Bolsonaro - ou o presidente faz o que eles querem ou devolvem propostas do Poder Executivo, MPs, pautam votação quando lhes convém - é mais um governo estilo negativo = ou é do jeito que querem ou nada anda.
Sendo que o presidente Bolsonaro teve quase 60.000.000 de votos autorizando a governar o Brasil, o deputado Maia obteve nas eleições de 2018 para deputado  pouco mais de 70.000 votos = em um cálculo aproximado menos de 0,002 dos votos conferidos ao capitão (dois milésimos) e o senador Alcolumbre na eleição em que foi eleito presidente do Senado, possuindo o Brasil 81 senadores,  votaram 82.]  

A raposice de Alcolumbre ilustra a importância da norma. Ele se aproximou abertamente de Jair Bolsonaro nos últimos meses, defendendo seus interesses no Legislativo e buscando apoio para o seu pleito. Com isso, irritou os colegas, que também desejam uma recomposição de forças. Contra a atual cúpula, que é liderada por dois nomes do DEM, o PTB entrou no STF com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que visa impedir a ação continuísta e deve ser julgada nos próximos meses. Dez parlamentares do grupo Muda Senado protocolaram uma petição a essa ADI no dia 31, reforçando que tanto as normas dos regimentos internos do Senado e da Câmara quanto a Constituição vedam a reeleição na mesma legislatura para as Presidências das Casas. Para o grupo, só uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) poderia alterar as regras do jogo. O senador Alessandro Vieira (Cidadania), líder do Muda Senado, diz que a manobra pode abrir um precedente perigoso. “Pode-se rasgar a Constituição e dar um terceiro e quarto mandatos para o Bolsonaro, como ocorre na Venezuela.”

Para amparar sua esparrela, Alcolumbre conseguiu que o Senado enviasse ao STF uma manifestação defendendo o direito de reeleição. Assinado pelo Secretário-Geral da Mesa do Senado, Luiz Fernando Bandeira de Mello, o documento sustenta que a emenda constitucional que permitiu a reeleição de Fernando Henrique Cardoso em 1997 alterou o “princípio constitucional” da reeleição, o que valeria também para as duas Casas do Congresso.
“É um parecer frágil, fazendo uma analogia com  com Executivo. Alega-se que a alteração para o Legislativo não ocorreu na época por falta de clima político”, protesta Vieira. O senador aponta uma obviedade que nem precisaria ser reafirmada. Se a Constituição for sempre reinterpretada a partir da composição de forças em Brasília e de forma tão leviana, a própria ideia de uma lei maior perde o sentido. 

Outro parecer, da Advocacia-Geral do Senado, argumenta que cabe ao Congresso, e não ao STF, avaliar questões internas, utilizando o princípio da separação dos poderes.O temor é que o STF adote uma decisão política, deixando a definição para o próprio Legislativo. Atualmente, além do ministro do STF Alexandre de Moraes, seu colega Gilmar Mendes, que é o relator da ação do PTB, tem auxiliado a encontrar uma saída jurídica que favoreça os demistas. “Seria uma decepção. Mais uma, aliás”, diz Vieira. A possibilidade é real. A corte já abriu uma brecha em 1999, permitindo a reeleição de uma legislatura para a outra. A partir disso, o falecido Antônio Carlos Magalhães conseguiu sua recondução no Senado, e foi seguido, depois, por Michel Temer e pelo próprio Rodrigo Maia na Câmara. O atual presidente da Câmara também conseguiu autorização da Justiça para ser reeleito após um mandato-tampão, em 2017. As atuais lideranças não foram as primeiras a lutar pela mudança. Em 2004, uma PEC sobre o assunto
 foi rejeitada. Na época, tentavam se manter no cargo João Paulo Cunha (PT), na Câmara, e José Sarney (MDB), no Senado.Calheiros. “Até 2019, Alcolumbre nem existia no mapa da política. Hoje, é um aliado umbilical e financeiro do presidente”, diz Vieira. Já Maia tem agido nos bastidores. 

Os colegas apontam que os atuais presidentes se apresentam como garantidores da democracia e da estabilidade. [conhecem o dito: 'criar dificuldades para oferecer  facilidades'. É só adaptar para: 'criar a crise e oferecer a estabilidade', se projetando como 'salvadores da Pátria'.] É fato que Maia assumiu um papel importante de moderação diante da falta de rumo e dos ataques do governo Bolsonaro. Também é possível que a renovação abra espaço para a ascensão do Centrão, que se tornou crucial para o presidente. O líder do bloco fisiológico, Arthur Lira (PP), conta com o seu apoio entusiasmado. Mas abrir a possibilidade de um acordo ao arrepio da Constituição para eternizar a cúpula de um dos Poderes pode exatamente dar munição para futuras investidas do mandatário, que não mostra apreço pela democracia. Respeitar as regras e garantir transparência para o jogo político são fundamentais para o amadurecimento institucional, tão ameaçado atualmente.


IstoÉ


terça-feira, 7 de abril de 2020

Nas entrelinhas: Quem lidera?

“Bolsonaro vê em Mandetta um possível concorrente nas eleições de 2022. Mas, se o demitisse agora, estaríamos diante de uma tempestade perfeita

No balanço do primeiro ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro, recorri à obra clássica de Nicolau Maquiavel, O Príncipe, para destacar que sua capacidade de lidar com as mudanças de cenário à frente da Presidência ainda estava por ser testada, sem jamais imaginar que fôssemos enfrentar uma pandemia como esta, que deixou o mundo de pernas para o ar. Uma combinação de Virtù (a coragem, o valor, a capacidade, a eficácia política) e Fortuna (a sorte, o acaso e as circunstâncias) viabiliza a chegada ao poder. A primeira exige talento pessoal para dominar as situações e alcançar um objetivo, por qualquer meio. O exercício do poder, porém, não depende exclusivamente das virtudes individuais, mas também das circunstâncias favoráveis.

Uma metáfora de Maquiavel descreve a situação: “Comparo a sorte a um desses rios impetuosos que, quando se irritam, alagam as planícies, arrasam as árvores e as casas, arrastam terras de um lado para levar a outro: todos fogem deles, mas cedem ao seu ímpeto, sem poder detê-los em parte alguma. Mesmo assim, nada impede que, voltando à calma, os homens tomem providências, construam barreiras e diques, de modo que, quando a cheia se repetir, ou o rio flua por um canal, ou sua força se torne menos livre e danosa. O mesmo acontece com a Fortuna, que demonstra a sua força onde não encontra uma Virtù ordenada, pronta para resistir-lhe e volta o seu ímpeto para onde sabe que não foram erguidos diques ou barreiras para contê-las”.

A analogia é perfeita para a crise política que se arma em meio à epidemia de coronavírus, que alterou completamente as condições em que Bolsonaro governa. Sobre isso, Maquiavel havia advertido que o risco de chegar ao poder muito mais pela Fortuna do que pela Virtú é não conseguir mantê-lo quando as circunstâncias mudam, o que está acontecendo agora. De caso pensado, Bolsonaro tornou-se um fator de desestabilização do quadro político, extremamente tensionado por suas atitudes negacionistas da gravidade da pandemia e beligerantes com o Congresso, os governadores e os prefeitos, num momento em que o país precisa de coesão social e foco administrativo no enfrentamento da epidemia. As novas condições em que governa poderão selar a sorte de sua gestão, porém, Bolsonaro resolveu agir na contramão do que seria o bom senso político.

Sobrevivência
Nove entre 10 infectologistas defendem a política de distanciamento social para reduzir a velocidade de propagação da epidemia e evitar o colapso do sistema de saúde pública. A contrapartida disso é uma dura recessão, que já não depende exclusivamente do governo, pois é uma realidade inexorável em termos de economia mundial. A saída é garantir os meios necessários para os trabalhadores sobreviverem à retração das atividades econômicas, mantendo aquelas que são essenciais para o combate à epidemia e o abastecimento da população. A maioria compreendeu a situação e aderiu à palavra de ordem “#ficaemcasa”, que virou meme nas redes sociais em todo o mundo. Igualmente, nove de cada 10 economistas defendem a ideia de que o Estado precisa entrar em campo, pôr dinheiro em circulação e adotar medidas keynesianas para enfrentar a recessão, inclusive os liberais, como o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Bolsonaro se insurge contra isso e sabota a política adotada pelo Ministério da Saúde, por governadores e prefeitos, que é recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Estimula comerciantes a abrirem suas lojas e microempreendedores e trabalhadores informais, como ambulantes e prestadores de serviço, a voltarem às ruas para garantir o chamado leite das crianças. Na antessala da propagação exponencial da epidemia, que se tenta evitar a qualquer custo, é uma postura temerária e que visa, exclusivamente, manter o apoio de sua base social, ainda que coloque em risco a vida de muitas pessoas. Bolsonaro aposta na baixa letalidade da doença (em torno de 5%), mesmo correndo risco de esse percentual adquirir uma escala muito maior, em razão do colapso do sistema de saúde, quando deveria investir tudo na implementação das medidas de socorro aos mais pobres e no “orçamento de guerra”, em aprovação pelo Congresso. Como seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, insiste na política de isolamento social, resolveu fritá-lo publicamente.

Ontem, em Brasília, só se falava na demissão de Mandetta. O ex-ministro da Cidadania Osmar Terra (DEM-RS), que é médico e defende uma mudança de orientação no combate à epidemia, virou o principal conselheiro de Bolsonaro sobre o assunto. Segundo as pesquisas de opinião, porém, o ministro Mandetta lidera a população no combate ao coronavírus, com índices de popularidade muito acima dos de Bolsonaro. O ministro tem forte apoio no Congresso, comandado por seus correligionários Rodrigo Maia (DEM-RJ), na Câmara, e Davi Alcolumbre (DEM-AP), no Senado, e conta com a solidariedade dos colegas de Esplanada, inclusive os militares, que, ontem, o seguraram no cargo. No fundo, Bolsonaro vê em Mandetta um possível concorrente nas eleições de 2022. Mas, se o demitisse agora, estaríamos diante de uma tempestade perfeita: epidemia, recessão e crise política.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense