O reitor José Vicente, da Universidade Zumbi dos Palmares, começou
uma campanha meses atrás para que o sistema de cotas seja mantido. Uma
frente parlamentar foi criada que tem como coordenador o deputado Bira
do Pindaré (PSB-MA), ele próprio é autor de um dos muitos projetos sobre
o assunto no Congresso. José Vicente acha que o ideal é que seja
prorrogada. A revisão pode ser uma caixa de pandora, por causa do atual
governo.— Na medida em que se sentir acuado, o presidente vai levantar os
troféus ideológicos. Isso pode contaminar o debate e trazer um prejuízo
terrível com a falta de prorrogação da lei e um limbo jurídico. Há um
consenso de que o resultado da lei de cotas é extremamente significativo
e que a lei precisa ser protegida — diz José Vicente. [ocorrendo a necessária, justa e benéfica extinção do sistema de cotas, decorrente da necessária e justa correção de um sistema que despreza o mérito, estaremos diante de mais um "crime" do presidente Bolsonaro.]
As primeiras políticas foram adotadas pelas universidades no começo deste século. Desde então a presença dos estudantes pretos no ensino superior aumentou sempre. Estudo feito por Amélia Artes e Arlene Ricoli, “Acesso de negros no ensino superior: o que mudou entre 2000 e 2010”, publicado no Cadernos de Pesquisa, da Fundação Carlos Chagas, mostrou que na primeira década do século a presença dos negros nos cursos de graduação aumentou 291%. Em 2018, os estudantes pretos e pardos superaram 50% das matrículas em universidades federais.
Mesmo com curso superior, os negros têm desvantagem no mercado de
trabalho. Algumas empresas começam a mudar a maneira de recrutar e isso é
animador. Aos poucos o mercado vai mudando, mas ainda está distante da
almejada igualdade de oportunidades. O Índice de Equidade Racial nas
empresas em 2021 feito com 42 empresas mostrou que 30% dos funcionários
eram negros, nos quadros de gerência não chegavam a um quinto, na
diretoria eram menos de 5%.[constatação que corrobora que o mérito prevalece sobre as cotas = injustas e racistas.]
Os dados da Pnad Contínua do IBGE mostram que o país ainda tem um longo caminho a percorrer para reduzir a desigualdade de cor no mercado de trabalho. No primeiro trimestre de 2012, quando a pesquisa começou, a taxa de desocupação de brancos era de 6,6% contra 9,1% de pardos e 9,6% de pretos. Quase dez anos depois, no segundo trimestre de 2021, o desemprego de brancos era de 11,7%, contra 16,1% de pardos e 16,6% de pretos. Em 2012, o desemprego de pretos era 38% maior do que o desemprego de brancos. Hoje, é 42% maior.
Não fortaleceras os fracos por enfraqueceres os fortes.
Não ajudaras o assalariado se arruinares aquele que o paga.
Não estimularás a fraternidade humana se alimentares o ódio de classes.
Não ajudarás os pobres se eliminares os ricos.
Não poderás criar estabilidade permanente baseada em dinheiro emprestado.
Não evitarás as dificuldades se gastares mais do que ganhas.
Não Fortalecerás a dignidade e o anônimo se Subtraíres ao homem a iniciativa da liberdade.
Não poderás ajudar os homens de maneira permanente se fizeres por eles aquilo que eles podem e devem fazer por si próprios.
O pesquisador do Inep e doutor em educação pela USP Adriano Souza Senkevics publicou estudo mostrando que, em 1998, 75% dos jovens matriculados nos cursos superiores eram dos 20% mais ricos, em 2015 essa faixa de renda representava 39% dos alunos. Ele acha que há uma transformação na universidade, e a razão mais importante é a política de cotas. — O que os dados mostram é que, se não fosse a lei de cotas, o Brasil não teria tido uma inclusão tão potente de alunos de escola pública, de baixa renda, negros e indígenas, principalmente nos cursos mais concorridos — diz o pesquisador.
Sempre defendi as cotas com entusiasmo. Não foi fácil o debate, mas aconteceu o avanço que os defensores das cotas previam. Há, contudo, um caminho árduo à frente, para manter as conquistas e buscar um Brasil menos desigual. O racismo brasileiro é um dos maiores obstáculos ao progresso do país. Que essa não seja uma pauta só de novembro.
Míriam Leitão, colunista - O Globo - Alvaro Gribel e Ana Carolina Diniz