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sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Novas batalhas de Itararé - Fernando Gabeira

In Blog

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

A teoria do dano e a vacina - Nas entrelinhas

Bolsonaro não leva em conta que uma pessoa infectada, por se recusar a tomar a vacina, pode contaminar as outras, com consequências trágicas e irreparáveis

A ideia de que um presidente eleito por maioria pode tudo é profundamente autoritária e colide com os fundamentos do liberalismo moderno, apesar de agora ter virado moda em algumas democracias do Ocidente, inclusive a nossa. O filósofo e economista John Stuart Mill, um liberal utilitarista britânico que se inspirou nas ideias dos iluministas franceses, em meados do século XIX já classificava essa visão como uma “tirania da maioria”, expressão que causa certo espanto, porque muitos acham que maioria e democracia são exatamente a mesma coisa. Não são.

                               Correio Braziliense - Nas Entrelinhas
[a ilustração expressa com brilhantismo e sem deixar dúvidas, o que o mundo sabe, tem de concreto, sobra a vacina contra o coronavírus = INTERROGAÇÕES]

Sobre a Liberdade (Saraiva), um clássico da ciência política, é um libelo de Mill em defesa da liberdade de expressão e da autonomia dos cidadãos. Nascido em Londres, em 1806, destacou-se também pela defesa do civismo público e dos direitos das mulheres. Era um liberal progressista. Acabou preso por defender o direito ao aborto, a reforma agrária e a democratização da propriedade por meio de cooperativas, ideias social-liberais. Tentou definir um modelo para regular as ações entre os cidadãos, a sociedade e o Estado, que deveria ser capaz de preservar a autonomia individual e, ao mesmo tempo, evitar a “tirania da maioria”, a partir de um conceito simples: tudo é permitido ao indivíduo, desde que as suas ações não causem danos a terceiros.

Mill defendia a legitimidade da mobilização da opinião pública para convencer as pessoas a não tomarem certas atitudes, mas condenava a repressão direta a ações individuais que afetam apenas a própria vida. É possível desenhar a sua “teoria do dano”: todas as pessoas podem desenvolver de maneira autônoma o seu projeto de vida; a sociedade deve proteger a liberdade de indivíduos se desenvolverem de modo autônomo e, em troca, os seus membros não devem interferir nos direitos legais alheios; os danos eventualmente causados por um indivíduo a outras pessoas têm como consequência uma punição proporcional. Mill morreu em 1873, mas suas ideias sobre a liberdade individual continuam atuais.

Rebanho
No Brasil, a “teoria do dano” foi introduzida na nossa jurisprudência no Código Civil de 1916, que estabeleceu um nexo causal entre o dano e o fato que o produziu, e foi consagrada no artigo 403 do Código Civil de 2002. Segundo a teoria do dano direto e imediato, o Estado pode ser processado pelos prejuízos causados aos cidadãos. Por ironia, em tempos de pandemia e de “imunização de rebanho”, ou seja, da necessidade de vacinação em massa para combater o novo coronavírus, um caso analisado pelo jurista Robert Joseph Pothier, um dos autores do Código Civil francês de 1808, é estudado ainda hoje nas escolas de direito: a aquisição de uma vaca pestilenta, que contamina os bois do comprador, impedindo-o de cultivar suas terras. Ciente do vício oculto, o vendedor responde pelo perecimento da vaca como também pela morte do restante do rebanho do comprador.

No caso da vacina contra o coronavírus, que na sua opinião não deve ser obrigatória, o presidente Jair Bolsonaro não leva em conta o dano que pode ser causado voluntariamente por uma pessoa infectada, ao contaminar as outras, por se recusar a tomar a vacina. [ defendemos que todos devem se vacinar contra o coronavírus e contra qualquer doença, obviamente, havendo vacina = o que ainda não ocorre no caso do coronavírus.
A obrigatoriedade deve se limitar aos pais de menores de 18 anos - fácil de controlar a exemplo das outras vacinas já disponíveis.
Quanto a responsabilidade do não vacinado que contaminar outro nos parece discutível, já que o outro, contaminado, é também responsável, já que existindo vacina e alguém sendo infectado se deve a que não se vacinou.
A discussão do  presidente Bolsonaro com o governador paulista, o bolsodoria, se deve a que o presidente não conseguiu suportar a conduta não ética daquele  mandatário ao buscar vantagem política em cima de uma vacina que AINDA NÃO EXISTE.
O estilo do nosso presidente - bateu, levou - complica muito. É exatamente controlar o surgimento de oportunidade para que seja usado o bateu, levou,- acabando definitivamente com entrevistas de corredor,  no cercadinho do Alvorada e coisas do tipo - é que defendemos a presença efetiva de um porta-voz.]

O governo também pode ser responsabilizado por não utilizar uma vacina disponível.[?]  Apesar disso, cancelou o acordo feito entre o Ministério da Saúde e o Instituto Butantã, do governo de São Paulo, para a compra de 46 milhões de doses da vacina da Sinovac, que serão produzidas por aquela consagrada instituição científica, em parceria com o laboratório chinês, com previsão para estar pronta para imunização já em dezembro.

Anulou o protocolo assinado pelo ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, com todos os governadores, para aquisição e aplicação da vacina, com o argumento absurdo de que o “povo brasileiro não será cobaia” da “vacina chinesa do João Doria”, o governador tucano de São Paulo. Alguém precisa avisar ao presidente que isso pode gerar uma enxurrada de pedidos de indenização por “dano direto e imediato” e caracterizar um “crime de responsabilidade”. [lembrando sempre que a causa das ações será o NÃO USO de um PRODUTO INEXISTENTE .]

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense


terça-feira, 1 de setembro de 2020

Imunização de rebanho - Nas entrelinhas


“O Ministério da Saúde não combate a pandemia, deixou essa tarefa a cargo de estados e municípios, a pretexto de que o Supremo assim decidira, o que é uma interpretação falsa”


[Imunidade de rebanho, graças a DEUS, o Brasil está próximo, apesar dos 'especialistas', dos arautos do pessimismo e adeptos do 'quanto pior, melhor'.]




Parece piada pronta: o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, nomeou para comandar o Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis, responsável por todo o programa nacional de vacinas do governo federal, o médico veterinário Maurício Monteiro Cruz, formado no Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro-Oeste, em Goiás, com mestrado em prevenção e controle de doenças em animais pela Faculdade de Agronomia e Veterinária da Universidade de Brasília. Cruz estava lotado na Diretoria de Vigilância Ambiental em Saúde do Governo do Distrito Federal e é especializado no controle da leishmaniose.
[Dois comentários esclarecedores:
- a nomeação de um médico veterinário para comandar um departamento do Ministério da Saúde não deveria causar estranheza, por não ser um cargo privativo de médico - um dos melhores ministros da Saúde do Brasil foi José Serra, economista - e em época de corrida por vacina contra a covid-19, uma pesquisa que vai bem é realizada envolvendo cavalos, conforme jornal O Globo (confira aqui).
- quando investigações começarem sobre o comportamento eficaz ou não das autoridades no combate à pandemia, estará registrado todas as decisões - inclusive nos arquivos do STF,sem olvidarmos que o presidente Bolsonaro cuidou de destacar, de forma inequívoca, a data em que o Supremo atribuiu aos governadores e prefeitos o protagonismo nas ações de combate ao coronavírus - especialmente ações do distanciamento e isolamento sociais.
Foi no dia anterior ao que o presidente comandou uma caravana de visitação à sede da Suprema Corte.]

Como não lembrar da magistral interpretação de Disparada, de Geraldo Vandré e Théo de Barros, por Jair Rodrigues, um clássico da nossa música popular: “Mas o mundo foi rodando/ Nas patas do meu cavalo/ E nos sonhos que fui sonhando/ As visões se clareando/ As visões se clareando/ Até que um dia acordei/ Então não pude seguir/ Valente lugar-tenente/ De dono de gado e gente/ Porque gado a gente marca/ Tange, ferra, engorda e mata/ Mas com gente é diferente”. Sem nenhum preconceito, não se pode acusar o general Pazuello de incoerente. Afinal, o ministro interino está operando uma estratégia de “imunização de rebanho” para gerenciar a pandemia da covid-19 no Brasil. Veterinários são especialistas nisso e profissionais de grande importância para a saúde pública. Alguns são grandes sanitaristas.

O Ministério da Saúde não está combatendo a pandemia, deixou essa tarefa a cargo de estados e municípios, a pretexto de que o Supremo Tribunal Federal (STF) assim decidira, o que é uma interpretação falsa, pois a decisão da Corte foi apenas de que caberia aos governadores e prefeitos gerenciar a política de isolamento social. Tecnicamente, a imunização de rebanho não é uma estratégia, é o efeito de proteção que surge em uma população quando uma percentagem alta de pessoas contraiu ou se vacinou contra uma doença. Mesmo quem não foi vacinado nem foi infectado, acaba protegido da doença porque um grande número de pessoas já foi imunizada, constituindo uma barreira humana contra a propagação do vírus.

Estima-se que o índice de 95% de vacinação seja o ideal para que isso ocorra, preservando as pessoas que não podem tomar a vacina, como acontece com o sarampo. Com isso, o vírus acaba desaparecendo. Veterinários, por exemplo, têm grande experiência em vacinação contra a febre aftosa, que ataca os rebanhos. O selo de imunização contra essa doença é fundamental para a exportação de carne bovina. No caso da covid-19, como não se tem vacina ainda, especialistas discutem qual seria a percentagem de contaminados para quem não teve a doença deixe de correr risco de se infectar. Não há respostas ainda, mas alguns pesquisadores estimam o número entre 60% e 80% da população total.

Vacinação
O departamento comandado por Cruz é responsável pela organização do calendário de vacinas do país, as campanhas nacionais e a distribuição dos medicamentos aos estados, assim como por acompanhar a cobertura vacinal. Sua tarefa é, sobretudo, de planejamento e logística, porém, depende da chegada da vacina contra a covid-19. Apesar de o Programa Nacional de Imunizações ser considerado uma referência mundial, desde 2016 a cobertura vacinal no país não tem atingido as metas, nem mesmo nas vacinas infantis obrigatórias. Nenhuma das 10 vacinas obrigatórias para menores de 2 anos atingiu as metas de cobertura em 2019. Entre elas, a poliomielite, que teve cobertura de apenas 82,1% das crianças. Considerada, oficialmente, erradicada no Brasil desde 1994, a doença ainda exige vacinação porque o vírus circula pelo mundo.


Mesmo com as subnotificações, com 120,9 mil mortes — das quais 30 mil em São Paulo — e 3,8 milhões de casos confirmados, o Brasil ainda está muito longe de alcançar a imunização de rebanho. [segundo informes da TV Globo, especialista no cômputo de mortes pela covid-19, o índice de contágio no Brasil alcança 0,96 = 100 doentes contaminam 98, 89 transmitem para 96 e ...] A média móvel de casos dá sinais de que está começando a cair, mas ainda está num patamar muito elevado, que registra uma média móvel, nas últimas duas semanas, de 875 mortes e 36 mil casos por dia. O grande destaque no combate ao novo coronavírus foi a resiliência dos heróis anônimos na linha de frente do enfrentamento à pandemia, muitos dos quais contraíram a doença e morreram, sobretudo profissionais da saúde.
O desempenho do Sistema Único de Saúde, com todos os problemas, está sendo fundamental para evitar uma mortalidade muito maior. A ideia de que a pandemia está acabando é muito perigosa; os fatores decisivos para controlá-la ainda são a política de isolamento social e a autoproteção individual. [a autoproteção individual é essencial, o isolamento e distanciamento sociais - estilo quarentena meia boca, mais complicam que ajudam, e destroem a economia.]

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Rebanho x Sputnik 5 - Alon Feuerwerker

Análise Política

Rebanho 
Mais um dado aparece para juntar-se ao debate sobre a "imunização de rebanho" na Covid-19, aquele tanto da população que precisa estar imunizado, por contágio ou vacina, para as curvas de casos e, portanto, de mortes começarem a cair. Na cidade de São Paulo, a porcentagem dos portadores de anticorpo contra o SARS-CoV-2 anda estável (leia), assim como o número de novos óbitos registrados diariamente.


Bem, se a velocidade de evolução da curva diminuiu, é provável que cada infectado esteja infectando em média apenas mais um indivíduo. Mas um detalhe chama a atenção: as projeções iniciais calculavam que pelos menos 50% da população precisariam estar imunizados para chegarmos a esta situação. E chegamos nela, segundo o estudo paulistano, com o número em torno de 18%. [sem pretensões científicas - vamos de chutômetro = recurso que os especialistas em nada, os contadores de cadáveres e os arautos de desgraças, usam e abusam - no inicio da pandemia ocorreu subnotificação, só que os não contados, eram doentes que foram contagiados e contagiavam, o que gerou um percentual acima do resultado do estudo.] 

Caberá aos cientistas decifrar o enigma. Haverá gente imune ao novo coronavírus mesmo sem portar anticorpos? 
Ou gente que já teve anticorpos detectáveis e não tem mais? Especulações à parte, é um alívio notar que taxas de imunidade mais baixas que as inicialmente previstas conseguiram, pelo menos, segurar a escalada da curva de casos e mortes entre nós. Não é tudo, mas já é alguma coisa.

Sputnik 5
E chegou a primeira vacina contra o SARS-CoV-2, a russa Sputnik 5. Com ela veio o ceticismo, real ou forçado, por ela ter pulado etapas. Mas as dúvidas têm prazo de validade. A vacina começa a ser aplicada em massa a partir de janeiro, e aí se saberá quanto ela vale. 
Não só em termos monetários, em capacidade de imunização.

A onda de ceticismo explica-se também por a corrida da vacina ter se tornado uma bateria da disputa entre o Ocidente (conceito geopolítico), liderado pelos Estados Unidos, e a aliança de fato entre China e Rússia. Mas neste caso específico da vacina o cavalo ocidental favorito é britânico, de Oxford.
[Da pandemia surge uma indicação que não está recebendo a devida atenção.

Os regimes fortes, aqueles em que a tomada de decisões é centralizada, não há  transparência excessiva, e palpites e intervenções indevidas são neutralizadas, estão tendo maior êxito, no combate à pandemia e na prevenção.]

Sua excelência, o cidadão comum, não está obviamente nem aí para a política, ou para a politicagem: quer uma vacina que funcione. A seguir todas as etapas religiosamente, só teríamos vacina daqui a anos. E esperar alguns anos não é o cenário mais confortável. Bem longe disso.
Então é razoável supor que todas as vacinas acabarão tomando algum atalho. De que adiantará, inclusive comercialmente, alguém aparecer com "a melhor vacina" daqui a quatro ou cinco anos? Nada, ou muito pouco, se as anteriores tiverem conseguido imunizar, digamos, pelo menos uns 50% dos vacinados.
Até porque, convenhamos, a "imunidade de rebanho" da Covid-19 leva jeito de andar bem abaixo disso. Como vimos ontem (leia).
LEIA TAMBÉM


Alon Feuerwerker, jornalista e analista político


quarta-feira, 8 de julho de 2020

Aposta na hidroxicloroquina - Nas entrelinhas


“Com covid-19, Bolsonaro tenta fazer do limão uma limonada, pois se iguala aos brasileiros que contraíram a doença; antes, era visto por eles como vilão da pandemia”


O presidente Jair Bolsonaro testou positivo para covid-19. Sentiu-se mal no domingo, teve febre e dores musculares na segunda-feira e, ontem, ele próprio confirmou o diagnóstico. Aproveitou a oportunidade para anunciar que está se tratando com hidroxicloroquina, desde a segunda-feira. Chegou, inclusive, a divulgar um vídeo no qual toma a terceira dose e incentiva a população a recorrer ao medicamento para se tratar da doença. Com um sorriso irônico, disse que está se sentindo muito bem. O exemplo do presidente da República não deve ser subestimado, para o cidadão comum é como se sua aparente melhora fosse a prova dos nove em relação à eficiência do medicamento, que, até agora, não tem nenhuma comprovação científica. O que têm comprovação são seus efeitos colaterais.


Bolsonaro divulga vídeo tomando cloroquina


A hidroxicloroquina é um remédio muito utilizado na Região Norte do país, por causa da malária
nas demais regiões, em tratamentos para afecções reumáticas e dermatológicas; artrite reumatoide e lúpus. 
Seus efeitos colaterais mais comuns são: anorexia, porfiaria, labilidade emocional, cefaleia, visão borrada, arritmia, enjoo, dor abdominal, diarreia e vômito, erupção cutânea e prurido
Deve ser utilizado com muita precaução em pacientes que estejam recebendo medicamentos antiarrítmicos, antidepressivos, antipsicóticos e alguns anti-infecciosos, devido ao aumento do risco de arritmia ventricular. Drogas antiepilépticas podem ser prejudicadas pela hidroxicloroquina.

Como um jogador compulsivo, Bolsonaro se expôs permanentemente ao risco de contaminação, desobedecendo de todas as formas as recomendações de distanciamento social, até contrair a doença. Demitiu dois ministros da Saúde e nomeou um general da ativa para o cargo, Eduardo Pazuello, por causa da não-adoção do medicamento como política de governo. Ordenou ao Exército produzir em seus laboratórios uma quantidade imensa do medicamento, com um estoque suficiente para combater a malária por 18 anos. O Ministério da Saúde passou a distribuir o medicamento em grande escala, para tratamento precoce, recomendado por médicos que adotam esse procedimento. A maioria dos estudos científicos realizados sob patrocínio da OMS não comprovou a eficácia do medicamento, mas apontou os riscos de seus efeitos colaterais. Mesmo assim a polêmica continuou; muita gente acha que se curou graças à hidroxicloroquina, associada a outros medicamentos. Agora, a polêmica foi novamente intensificada pelo presidente da República.

Limonada
Bolsonaro defende a “imunização de rebanho”, menospreza o isolamento social, critica governadores e prefeitos que adotaram a quarentena e naturaliza as mortes por covid-19, que já comparou a uma “gripezinha”. Ontem, disse que a pandemia é como uma chuva, todo mundo vai se molhar. Estava perdendo a batalha das narrativas sobre a doença na opinião pública, com seu prestígio em baixa nas pesquisas, mas começou uma lenta recuperação de imagem graças ao auxílio emergencial de R$ 600 distribuídos à população de baixa renda, principalmente no Nordeste.

Agora, acometido da covid-19, tenta fazer do limão uma limonada, pois se iguala a todos os brasileiros que contraíram a doença, quando antes era visto como uma espécie de vilão da pandemia. Já se apresenta como pioneiro na defesa do uso de hidroxicloroquina como medicamento eficaz no tratamento precoce. É uma aposta de alto risco, que depende mais de suas condições físicas e resistência ao vírus do que da eficácia do remédio. Se a hidroxicloroquina fosse realmente a solução para evitar os casos graves, não haveria tanta letalidade na pandemia e ela já teria sido adotada em todo o mundo, inclusive, nos Estados Unidos, onde seu uso foi defendido pelo presidente Donald Trump, mas não pelas autoridades médicas.

Bolsonaro pretende despachar por videoconferência na residência oficial do Palácio da Alvorada e, talvez, receba auxiliares para assinar documentos. Cancelou as viagens que faria a Bahia e Minas Gerais. No Palácio do Planalto, todos os ministros e funcionários com quem teve contato estão sob observação, mas até agora ninguém testou positivo. Ao todo, 62 pessoas estão sendo monitoradas e rastreadas. Oito governadores e alguns prefeitos já contraíram a doença; nenhum havia se exposto tanto quanto Bolsonaro.

No momento, o caso mais grave é o do prefeito de Manaus (AM), Arthur Virgílio Netto, que está internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Bolsonaro foi atendido no Hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília, e é acompanhado pelos médicos da Presidência da República. Pelo protocolo do Ministério da Saúde, o paciente que utiliza hidroxicloroquina precisa autorizar seu médico a adotar a prescrição e correr os riscos dos efeitos colaterais por sua própria conta. Ontem, o Brasil registrou mais de 66 mil mortes por coronavírus, com 1, 643 milhão de casos.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense


sexta-feira, 3 de julho de 2020

Poderia ser pior - Nas entrelinhas


“O afrouxamento do distanciamento social, por descoordenação entre os entes federados e forte pressão social, mostra o risco da imunização de rebanho”

Em meados de março passado, um estudo da Universidade de Oxford, no Reino Unido — a mesma que desenvolve a vacina que está sendo testada por aqui — previa a ocorrência de 478 mil mortes pelo novo coronavírus no Brasil, o que foi e ainda é considerado um exagero. Chegaram a essa conclusão analisando os casos da Itália e da Coreia do Sul e comparando os perfis demográficos desses países com os do Brasil e da Nigéria.
Correio Braziliense - Nas Entrelinhas - 3/7/2020

[Importante destacar que a falta de coordenação entre os entes federados - que deveria ser exercida por um poder central (no caso excepcional da pandemia pelo Poder Executivo) - só existe devido decisão do Supremo Tribunal Federal - STF, atribuir aos estados e municípios total autonomia na execução da política de controle da pandemia.
Devido a descoordenação citada na matéria está prevalecendo, ainda que contra à vontade dos inimigos do presidente Bolsonaro, por vias oblíquas a imunidade de rebanho defendida pelo presidente, que também defende a hidrocloroquina como preventivo à contaminação pela Covid-19.
Uma vida humana tem valor imensurável, mas a imunidade de rebanho, combinada com a cloroquina, vai apresentar um número menor de mortes do que o previsto pela universidade inglesa - que esperamos seja melhor no desenvolvimento da vacina do que nas previsões.
Com as bençãos de DEUS a previsão dos ingleses é várias vezes superior ao número de mortes que ocorrerão no Brasil, devido à pandemia.
A propósito,um dos coordenadores da política de combate ao covid-19,conforme estabelecido pelo STF, foi o governador do DF. O ilustre governante baixou um decreto estabelecendo o uso de máscaras no DF - sob pena de multa de R$2.000,00 - e ontem, 2, foi flagrado em área pública (próximo a uma UPA) sem máscara. ]

Na mesma época, dois pesquisadores brasileiros montaram um modelo matemático em Python, que previa a ocorrência de 2 milhões de mortes no Brasil, caso o isolamento social não fosse adotado. José Dias do Nascimento Júnior, professor e doutor em astrofísica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e astrônomo associado ao Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, e Wladimir Lyra, doutor da New Mexico State University, compartilharam os dados com o conceituado Centro de Ciências de Sistemas e Engenharia (CSSE, em inglês) da Universidade Johns Hopkins.

Então, os indicadores de contaminação da Itália registravam que um infectado passava o vírus a três ou quatro pessoas, em média, antes de se curar ou morrer pela doença; com isso, o número de casos dobrava a cada quatro dias. Diante das projeções, Lyra concluiu que haveria duas maneiras de finalizar essa epidemia. A primeira é quando muitas pessoas fossem infectadas e desenvolvessem a imunidade ao se curar. Obviamente, nesse caso, o número de mortos poderia ser assustador. A segunda maneira seria quando a taxa de infecção fosse menor do que a taxa de remissão. A quarentena (ou vacina) funciona por diminuir a taxa de infecção. O tratamento aumenta a taxa de remissão. Sem capacidade de tratamento ou vacina, temos apenas a quarentena como medida eficaz.

Na época, no Brasil, cada pessoa infectada estava, em média, infectando seis. Caso nada fosse feito, em dois meses, 53% da população estaria infectada ao mesmo tempo. Isso significaria mais de 100 milhões de casos e 2 milhões de mortos. Esses e outros estudos foram decisivos para a adoção da estratégia de isolamento, com objetivo de achatar a curva da epidemia e permitir que o sistema de saúde se estruturasse para enfrentar a doença.

Caso a estratégia de “imunização de rebanho” tivesse sido adotada, como o presidente Jair Bolsonaro ainda defende, a situação atual seria muito pior, diria o humorista Barão de Itararé, na sua Teoria das duas hipóteses, segundo a qual tudo pode piorar. Apparício Fernando Brinkerhofer Torelly, genial criador do jornal A Manha, sabia das coisas. Ou seja, é falsa ideia de que a quarentena não funcionou, mesmo aos trancos e barrancos. E o afrouxamento da política de distanciamento social, por descoordenação entre os entes federados e forte pressão social sobre governadores e prefeitos, está mostrando o risco que a imunização de rebanho ainda representa.

Tragédia anunciada
Quando os estudos foram divulgados, o Brasil tinha 413 casos confirmados, sendo 291 em São Paulo, e registrava a primeira morte, um homem de 62 anos, na capital paulista. Hoje, estamos próximos de 1,5 milhão de brasileiros infectados, com quase 50 mil novos contaminados e mais de 1.200 mortes por dia. Somente o estado de São Paulo confirmou mais 12.244 casos nas últimas 24 horas e mais 321 óbitos.

Metade das unidades federativas do país já registrou mais de mil mortes pelo novo coronavírus. O Rio de Janeiro tem 116.823 casos e 10.332 mortes. O Pará bateu mais de cinco mil perdas, com 5.004 registros. O Ceará tem 6.284; Pernambuco, 4.968 mortes. Amazonas, 2.862; Maranhão, 2.119; Bahia, 1.947; Espírito Santo, 1.728; Rio Grande do Norte, 1.103; Alagoas, 1.091; Minas Gerais; 1.059; e Paraíba, 1.044. A epidemia, agora, avança nos estados do Centro-Oeste e no Distrito Federal.

Como na economia o estrago é enormea massa salarial perdeu R$ 52 bilhões, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)—, prefeitos e governadores entraram numa espécie de salve-se quem puder. Em muitas cidades, o isolamento social está sendo substituído pela distribuição de um coquetel à base de hidrocloroquina, para a população de baixa renda, que se contamina na volta ao trabalho.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense




sexta-feira, 26 de junho de 2020

Escolhas e Abertura Mental- Alon Feuerwerker

Análise Política

Escolhas 
Donald Trump está pagando o preço (clique aqui) por duas escolhas: 1) a subestimação inicial da pandemia e 
2) a falta de sensibilidade para compreender a dimensão e a repercussão dos conflitos raciais desencadeados com o assassinato de George Floyd.

E ainda tem a debacle da economia por causa da parada brusca.
A eleição está longe, e as pesquisas não têm sido especialmente felizes nos últimos tempos, mundo afora. Mas a situação eleitoral de Trump exige cuidados. Jair Bolsonaro parece ter mais sorte. A subestimação da pandemia ajuda a fazer sofrer os números da sua popularidade, é o que dizem as pesquisas, mas eleição mesmo só daqui a dois anos.

Talvez algum dia a história registre que nesta coisa de subestimar a Covid-19 Bolsonaro possivelmente tenha sido atraído para uma armadilha por confiar demais nos julgamentos do seu parceiro Trump.
E o americano ainda tem outro problema. O pipocar de focos da Covid-19 territorialmente distribuídos num país continental (clique aqui). Será que vai ser a mesma coisa por aqui?

Abertura mental
Enquanto segue a corrida pela vacina (clique aqui), em outras frentes científicas verifica-se que a chamada “imunização de rebanho” talvez nunca tenha sido mesmo uma alternativa razoável. Pois estudos começam a apontar que a imunização obtida pelo contato com o SARS-CoV-2 talvez não seja duradoura (clique aqui). Numa boa notícia para as mulheres, outro estudo ainda inicial mostra que um remédio comum no tratamento de diabetes tem efeito bastante positivo em pacientes graves do sexo feminino (clique aqui).

São notícias diversas, de fontes diversas, mas que compõem um quadro cada vez mais nítido. Ele revela que os profissionais estão correndo a aprender a lidar com a Covid-19 como quem conserta um avião em pleno voo.Aprendendo a atirar em pleno combate. Coisa que não chega a ser surpresa. Se o vírus é novo até no nome, não haveria mesmo como saber tudo sobre ele com antecedência. 
Mas isso tem consequências. 
Será que não seria hora de um pouco mais de humildade? 
Menos certezas peremptórias? 
Um pouco mais de curiosidade e de abertura mental ao contraditório?

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político - Análise Política





quarta-feira, 24 de junho de 2020

A praga e a peste - Nas entrelinhas


A pandemia da covid-19 atingiu 57 mortes por hora, quase uma por minuto. O relaxamento do isolamento social e a imunização de rebanho caminham de mãos dadas

[se decisão judicial não tivesse atribuído aos governadores e prefeitos o combate à covid-19, a imunidade de rebanho teria sido a política adotada.
A opção por isolamento e distanciamento sociais, via"quarentenas meia boca", não tem se mostrado eficiente  e retardou em muito o alcance da imunidade de rebanho.]

Uma nuvem de gafanhotos ronda a fronteira do Brasil com a Argentina, ameaçando as lavouras do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, depois de atacar as do Paraguai, onde os insetos destruíram plantações de milho. As principais regiões atingidas na Argentina são as províncias de Santa Fé, Formosa e Chaco, onde existe produção de cana-de-açúcar e mandioca e a condição climática é favorável. Uma nuvem de gafanhotos, em um quilômetro quadrado, pode ter até 40 milhões de insetos, que consomem, em um dia, pastagens equivalentes ao que 2 mil vacas ou 350 mil pessoas consumiriam.

Na Bíblia, nuvens de gafanhotos são uma das 10 pragas do Egito (Êxodus), lançadas por Deus para obrigar o faraó a libertar os hebreus. Moisés foi o portador da mensagem divina: “Assim diz o Senhor, o Deus dos hebreus: ‘Até quando você se recusará a humilhar-se perante mim? Deixe ir o meu povo, para que me preste culto. Se você não quiser deixá-lo ir, farei vir gafanhotos sobre o seu território amanhã. Eles cobrirão a face da terra até não se poder enxergar o solo. Devorarão o pouco que ainda lhes restou da tempestade de granizo e todas as árvores que estiverem brotando nos campos. Encherão os seus palácios e as casas de todos os seus conselheiros e de todos os egípcios: algo que os seus pais e os seus antepassados jamais viram (…)”.

Mas o Senhor disse a Moisés: “Estenda a mão sobre o Egito para que os gafanhotos venham sobre a terra e devorem toda a vegetação, tudo o que foi deixado pelo granizo”. Moisés estendeu a vara sobre o Egito, e o Senhor fez soprar sobre a terra um vento oriental durante todo aquele dia e toda aquela noite. Pela manhã, o vento havia trazido os gafanhotos, os quais invadiram todo o Egito e desceram em grande número sobre toda a sua extensão. Nunca antes houve tantos gafanhotos, nem jamais haverá. Eles cobriram toda a face da terra de tal forma que ela escureceu. Devoraram tudo o que o granizo tinha deixado: toda a vegetação e todos os frutos das árvores. Não restou nada verde nas árvores nem nas plantas do campo, em toda a terra do Egito.

Em julho do ano passado, uma nuvem de gafanhotos invadiu Las Vegas, nos Estados Unidos. Simultaneamente, no Iêmen, devastado pela fome e pela guerra civil, outra nuvem de gafanhotos destruiu as plantações. Os gafanhotos circularam por mais de 60 países, principalmente na África, no Oriente Médio e na Ásia Central. Os cientistas acreditam que as mudanças climáticas estão fazendo os insetos agirem de maneira mais destrutiva e imprevisível. Estudo publicado por cientistas americanos na revista Science mostrou que o clima mais quente torna os gafanhotos mais ativos e reprodutivos. Um gafanhoto adulto é capaz de comer o equivalente ao seu peso corporal por dia. Plantações de trigo, arroz e milho são um banquete para os insetos. Um ataque de gafanhotos à nossa agricultura em plena pandemia pode ser um desastre. O agronegócio é o setor mais dinâmico da nossa economia. Em 2004, na África, os insetos causaram danos no valor de US$ 2,5 bilhões para as lavouras. O historiador romano Plínio, o Velho, registrou a morte de 800 mil pessoas na região que atualmente engloba Líbia, Argélia e Tunísia por causa da devastação das lavouras por essa praga bíblica. A China acaba de anunciar a mobilização de 100 mil patos para combater uma nuvem de 400 bilhões de gafanhotos que se aproxima da fronteira com a Índia e o Paquistão.

A pandemia
Já nos basta a peste. Aqui no Brasil, a pandemia da covid-19, ontem, atingiu a marca de 57 mortes por hora, ou seja, quase uma por minuto. O relaxamento precoce do isolamento social e a política de imunização de rebanho não-declarada caminham de mãos dadas, estamos longe do pico. Ontem, em audiência no Congresso, o ministro interino da Saúde, general Eduardo Pozuello, garantiu que o governo dará “transparência infinita” às informações e anunciou que o Ministério da Saúde passará a considerar o diagnóstico dos médicos, e não apenas os testes, para contabilizar os casos confirmados. Ou seja, jogou a toalha em relação à política de testagem em massa para monitoramento dos infectados.


Os números oficiais de ontem são 52.645 mortes e 1.145.906 casos confirmados, sendo 1.374 mortes e 39.436 novos casos nas últimas 24 horas. Segundo o Ministério da Saúde, há 479.916 pacientes em acompanhamento, enquanto 613.345 foram recuperados, o que não deixa de ser uma boa notícia. A notícia pior é a queda de anticorpos em pacientes assintomáticos dois meses após a infecção por covid-19. Em artigo publicado pela Nature Medicine, o cientista Ai-Long Hua, da Universidade Médica de Chongqing, na China, constatou em 37 pacientes assintomáticos com o Sars CoV-2 que, oito semanas depois, os níveis de anticorpos neutralizantes diminuíram 81,1%. O estudo não é conclusivo, mas acendeu uma luz amarela para a possibilidade de as pessoas contraírem a doença mais de uma vez.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense




terça-feira, 23 de junho de 2020

Mortes em vão - Nas entrelinhas


“Bolsonaro limitará o auxílio aos “invisíveis” a apenas mais R$ 600, parcelados em três vezes; sem recursos, como 36 milhões poderão permanecer em casa?”

[um lembrete se impõe: se o Poder Judiciário não tivesse impedido o uso dos R$ 3.000.000.000, 00 dos Fundos Eleitoral e Partidário, tais recursos seriam suficientes para pagar 5.000.000 de auxílio emergencial.

Só que o Alcolumbre recorreu à Justiça, que proibiu o uso daquela grana para combater a coronavírus. SAIBA MAIS.]  

Para o sanitarista Luiz Antônio Santini, pesquisador da Fiocruz e ex-diretor do Instituto Nacional do Câncer (INCA), a metáfora da guerra não é a mais adequada para abordar os desafios da saúde. Segundo ele, uma pandemia não representa um ataque inesperado de um agente inimigo da humanidade, como a tese da guerra sugere.
“O processo de mutação dos vírus é uma atividade constante na natureza e o que faz com que esse vírus mutante alcance a população, sem proteção imunológica, são, além das mudanças na biologia do vírus, mudanças ambientais, no modo de vida das populações humanas, nas condições econômicas e sociais. Muito além, portanto, de um ataque insidioso provocado por um agente do mal a ser eliminado.” 
Por essa razão, cabe à ciência “responder com vacinas, medicamentos e o que mais estiver ao seu alcance ou que ainda venha a desenvolver de conhecimentos e tecnologias”.

Enquanto isso não ocorre, a melhor alternativa continua sendo o isolamento social, o rastreamento dos casos e o tratamento adequado aos infectados, o que pressupõe restrições de atividades econômicas e circulação de pessoas, testes em massa e um serviço médico operacional e capacitado. É que o conceito de guerra impõe decisões estratégicas nas quais as prioridades não são necessariamente as vidas humanas, ou seja, o tratamento daqueles que precisam de assistência médica, mas outros objetivos, no caso, o retorno das atividades econômicas e/ou os interesses eleitorais, como estamos assistindo. A morte é apenas o efeito colateral. O fato de já não se restringir aos grupos de risco é mera consequência. A maior vulnerabilidade da população de baixa renda nas favelas, periferias, grotões e aldeias indígenas, reflexo de nossas desigualdades, é considerada uma contingência contra qual nada se pode fazer, quando deveria ser exatamente o contrário.

Esse é o raciocínio. O presidente Bolsonaro, por exemplo, deixou o Palácio da Alvorada, no fim de semana, para velar o corpo de um soldado cujo paraquedas não abriu, no Rio de Janeiro, gesto louvável, mas é incapaz de decretar luto oficial por atingirmos a espantosa marca de mais de 50 mil mortos e quase 1,1 milhão de casos confirmados, em respeito às suas famílias. Muito menos homenagear os médicos e demais profissionais de saúde que morreram na linha de frente das UTIs e àqueles que se arriscam todos dias, nos hospitais e unidades de pronto atendimento (UPAs), muitos dos quais depois de terem contraído o vírus e se recuperado. No gesto de Bolsonaro havia mais cálculo político do que humanismo.

Rebanho
Recentemente, o professor de direito Lucas de Melo Prado, no site justificando.com, citou uma passagem do livro Homo Deus, de Yuval Noah Harari, sobre a síndrome “nossos rapazes não morreram em vão”, comum durante as guerras. Referia-se à participação da Itália na Primeira Guerra Mundial, com objetivo de recuperar os territórios de Trento e Trieste, em poder do Império Austro-Húngaro. O Exército austro-húngaro encastelou-se ao longo do Rio Isonzo e resistiu a todos os ataques. Na primeira batalha, morreram 15 mil italianos. Na segunda, 40 mil. Na terceira, 60 mil. E assim prosseguiu a guerra por dois anos. Na 12ª Batalha, em Caporeto, os austríacos passaram à ofensiva, só parando às portas de Veneza. Morreram 700 mil soldados italianos, mais de um milhão foram feridos. Inebriados pelo patriotismo, em busca das glórias romanas, “por Trento e por Trieste”, políticos e generais mandaram seus jovens para a morte. A analogia faz sentido.


Nos 40 dias à frente do Ministério da Saúde, o general de divisão Eduardo Pazuello opera uma política de “imunização de rebanho” não-declarada. Militarizou a pasta, para a qual levou duas dezenas de militares — os da ativa, em desvio de função —, a maioria neófitos em política sanitária. Quando assumiu, em 15 de maio, o Brasil contabilizava 14,8 mil mortos e 218 mil casos confirmados. [o aumento é exponencial, como bem lembra a matéria no último parágrafo.] Esses números quase quintuplicaram no período. Não será surpresa se duplicarmos o número de mortos até o fim de agosto, com o relaxamento da política de isolamento social, como queria Bolsonaro. [a verdade sempre se impõe: o presidente Bolsonaro não interferiu nas medidas de  distanciamento e isolamento sociais. 
Decisão do Supremo, ainda no inicio de abril, determinou que tais medidas são de competência dos governadores e prefeitos - que usaram e abusaram do direito de fazer quarentenas meia boca, chegando o prefeito da cidade de São Paulo anunciar como primeira medida, usando os novos poderes, foi adquirir mais de 30.000 urnas funerárias e promover engarrafamentos nas ruas da capital paulista.]

Na ativa, Pazuello cumpre ordens. Sua prioridade é uma devassa na pasta da Saúde, que subsidie investigações e denúncias contra governadores e prefeitos que adquiriram equipamentos médicos com preços acima das cotações de mercado. [qualquer ladrão de recursos públicos deve ser punido com rigor e em situações de emergência sanitária, pandemia, deve ser tratada com penas adequadas a lei marcial.] Como de fato houve casos de superfaturamento e desvio de recursos por parte das máfias que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS), a pandemia já virou pauta policial. Quem pagará com a vida, porém, são as vítimas da covid-19, cujo número aumenta exponencialmente, em razão da flexibilização precipitada do isolamento social. Bolsonaro já anunciou que limitará o auxílio aos chamados “invisíveis” — 36 milhões de trabalhadores informais que ficaram sem nenhuma renda a apenas mais R$ 600, parcelados em três vezes; sem recursos, como poderão permanecer em casa?

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense


segunda-feira, 27 de abril de 2020

Alto risco de tragédia - Fernando Gabeira

Em Blog

Um governo que se aproxima de uma situação limite numa pandemia 

Para viabilizar sua trajetória política, Moro precisará se distinguir de Bolsonaro

Num momento em que todos reprisam, o governo é pródigo em lançar novelas inéditas. Mal acabou a novela Mandetta, entrou no ar a Sergio Moro, e começaram as filmagens da Paulo Guedes. O que está acontecendo na cabeça do presidente Bolsonaro? Ela foi sacudida pelo impacto do coronavírus.  Muitas mudanças estão sendo determinadas, no fundo, pela política escolhida por Bolsonaro para enfrentar este que é o maior acontecimento trágico no mundo moderno. Onde governos conservadores ou progressistas triunfaram, como é o caso da Austrália e da Nova Zelândia, Bolsonaro afundou.

Desde o princípio, tenho apontado a causa. Bolsonaro aderiu à camada de gordura que cerca o vírus e seus fluidos ideológicos e o transformou num tema da guerra cultural. Exatamente o oposto do que fizeram Scott Morrison, na Austrália, e Jacinda Ardern, na Nova Zelândia: despolitizaram o vírus.

Ainda esta semana, o chanceler Ernesto Araújo escreveu um artigo contra o que chama de comunavírus. Ele ficou impressionado com um livro do pensador de esquerda Slavoj Zizek que previa enfim a chegada do comunismo. Depois de sonhar com a classe operária ou mesmo o lúmpen proletariado, alguns teóricos de esquerda concentram suas esperanças no vírus como agente transformador. E os bolsonaristas acreditam.

Desde o princípio, Bolsonaro viu a chegada do vírus como algo que ameaçava seu governo. A única forma de neutralizar sua importância era adotar uma tese que permitisse neutralizar os impactos econômicos. Esta tese foi a de imunização de rebanho: a maioria vai ser contaminada, é melhor que isso aconteça logo para que nos livremos do vírus.  Bolsonaro jamais considerou seriamente o fato de que, se muitos se contaminarem ao mesmo tempo, o sistema de saúde entraria em colapso, muitas pessoas morreriam na porta dos hospitais ou em casa. Um cenário que, de certa forma, se desenhou na Itália e mais tarde, de forma grotesca, em Guayaquil. Foi por aí que caiu Mandetta. E indiretamente Moro. Bolsonaro sempre pensou em concentrar poderes. Mas a impossibilidade de determinar sozinho uma política contra o coronavírus condensou seu drama. Os governadores e prefeitos tiveram um papel decisivo. O Congresso os apoiou, o STF chancelou essa autonomia local. [Resumindo: o Congresso e o STF deram aos  governadores e prefeitosbônus de saciar a vaidade de mandar e desmandar, ficando o ônus com a União - complicado vai ficar quando um prefeito mandar fechar e o governador mandar abrir - inclusive o exemplo também vale para estados limítrofes com governadores pensando diferente.]

A relação com Moro já sofria um desgaste. Mas Bolsonaro, na sua solidão, reclamou da ausência do ministro em sua cruzada contra o isolamento social. Moro, segundo alguns, não só era favorável à política de Mandetta, como pensou em decretar multas para quem rompesse com o isolamento social. O que, aliás, acontece em muitos países da Europa. Sem o Congresso, STF, ministro da Saúde e da Justiça, Bolsonaro deu um passo decisivo participando [sic]  de manifestação antidemocrática diante do QG do Exército. Isso resultou num inquérito que acabou se entrelaçando com outro: o das fake news. Os investigados são os mesmos: apoiadores do presidente e, possivelmente, até familiares de Bolsonaro. Moro teve uma chance de sair depois daquela manifestação. Possivelmente estava incomodado com a posição temerária de Bolsonaro sobre o coronavírus. Mas agora estava diante de uma posição temerária contra a democracia.

Moro não se pronunciou. Num determinado momento de sua trajetória, a mulher de Moro escreveu numa rede social que ele e Bolsonaro eram a mesma coisa. Ele pode ter sido salvo agora pela maneira como cai. A tentativa de interferir na autonomia da Polícia Federal é algo que não encontra apenas resistência na corporação, mas em muitos setores conscientes da sociedade. É inconstitucional. Nesse sentido, Moro cai de pé. [cai de pé - a chuvas que formam/alimentam os rios também caem de pé e eles terminam correndo deitados.] Mas, para que sua trajetória política tenha viabilidade, será necessário se distinguir de Bolsonaro, algo que não fez quando esteve no governo. [Moro sem Bolsonaro e com o tempo mostrando que suas denúncias são apenas narrativas criativas do que não ocorreu, estará acabado politicamente.] O tom de seu discurso de saída é um indício de que compreendeu isto. Pelo menos se distanciou da visão atrasada de submeter o trabalho da PF aos desígnios de um presidente. O que é no fundo um crime de responsabilidade.

Mas Moro indicou claramente que Bolsonaro teme o inquérito no Supremo. Resta agora ao STF assumir seu papel institucional e não amarelar diante da pressão de Bolsonaro. É um governo que se aproxima de uma situação limite, como foi o caso de Collor e Dilma. Mas num contexto de pandemia que jogou o planeta na maior crise econômica e social da história contemporânea. Alto risco de tragédia.

Blog do Gabeira - Fernando Gabeira, jornalista


Artigo publicado no jornal O Globo em 27/04/2020