Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador infâmia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador infâmia. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 7 de julho de 2023

Nunca o Brasil viu uma infâmia tão grande quanto as prisões políticas em massa feitas pelo STF - Gazeta do Povo

Vozes - J.R. Guzzo

Pessoas detidas Brasília
Polícia tenta conter manifestante durante protesto em Brasília realizado no dia 8 de janeiro.| Foto: André Borges/EFE

Não há hoje no Brasil um escândalo que possa se comparar, em matéria de sordidez, de perversidade e de pura e simples violação maciça da lei, com o campo de concentração montado há seis meses em Brasília pelo ministro Alexandre de Moraes e seus colegas do STF.  
 
É a pior, mais extensa e mais prolongada agressão à Constituição Federal, ao Código Penal, às leis processuais e aos direitos essenciais do cidadão que jamais foi cometida na história do Brasil – nenhuma tirania, militar ou civil, durante a Colônia ou a República, cometeu uma infâmia tão maligna quanto a que está sendo cometida com as prisões políticas em massa feitas no dia 8 de janeiro, ou mesmo depois, pelo Poder Judiciário.

Whatsapp: entre no grupo e receba as colunas de J.R.Guzzo

São, sim, prisões políticas, apesar do vasto esforço feito para escondê-las como atos de “defesa da democracia”. É simples: se as prisões só são mantidas porque os carcereiros usam a força armada para violar de maneira sistemática as leis em vigor no país, então elas são políticas. 
As pessoas não estão presas porque a autoridade pública conseguiu provar que cometeram crimes. 
Estão presas porque o regime, tal como ele é hoje, quer que fiquem presas. 
São inimigos políticos; têm de ser castigados. É assim que se faz nas ditaduras. É assim que se faz no Brasil de hoje.

    Lá fora denunciam, com horror, a “destruição da Amazônia pelo agronegócio” e outros delitos imaginários. Sobre as prisões políticas em massa, não se diz uma palavra.

Esse escândalo gera um outro escândalo o silêncio, pusilânime ou cúmplice, com que está sendo ocultado no mundo e no Brasil
Lá fora denunciam, com horror, a “destruição da Amazônia pelo agronegócio” e outros delitos imaginários. 
Sobre as prisões políticas em massa, não se diz uma palavra. Aqui dentro é pior. Salvo a Gazeta do Povo, que cobre os fatos com profissionalismo, respeito à técnica jornalística e destemor, e mais algumas poucas exceções, a imprensa brasileira não diz nada, ou praticamente nada, sobre os horrores da Papuda. 
É como querer encontrar, no Pravda da Rússia soviética, notícias sobre os campos de concentração para presos políticos.
 
Mais: a mídia não apenas esconde os fatos do público, mas quando diz alguma coisa a respeito é para ficar a favor dos atos de repressão. 
É um momento único na história da imprensa brasileira – os jornalistas são hoje os defensores mais indignados da perseguição política e da violação às leis pelas polícias do STF. 
O mundo político também se cala; está fixado nas suas emendas do orçamento, e outros interesses do mesmo tipo.


    As pessoas não estão presas porque a autoridade pública conseguiu provar que cometeram crimes. Estão presas porque o regime, tal como ele é hoje, quer que fiquem presas.


Pior de todos é a Ordem dos Advogados do Brasil, que tem o dever mínimo de dar apoio aos advogados, quando as suas prerrogativas legais são rasgadas em público, e o direito de defesa dos cidadãos é eliminado pelo STF. A OAB já foi notificada cinco vezes pelos advogados dos presos a respeito das ilegalidades seriais cometidas contra seus clientes. Não respondeu nada até hoje. Está contra os advogados e a favor dos carcereiros.

As vítimas, enquanto isso, seguem sendo massacradas. Há 250 presos no presídio da Papuda; no total, foram detidas cerca de 2.000 pessoas, muitas delas sofrendo hoje a tortura legal das tornozeleiras eletrônicas. É um cenário de pesadelo.  
Os presos foram denunciados, mas nenhum deles é réu, e nenhum deveria estar sendo julgado pelo STF, e sim pela Justiça comum.  
Já estouraram todos os prazos para que possam estar detidos. 
Quase todos são acusados primários, que pela lei tinham de estar soltos há muito tempo.
 
Há pessoas que foram presas depois das depredações do 8 de janeiro – uma, pelo menos, chegou a Brasília no dia seguinte. 
Entre os presos há um homem com câncer, uma senhora de 70 anos e mães com crianças menores de idade. 
Recebem uma assistência médica miserável – não têm acesso real aos remédios de que precisam. 
No caso dos diabéticos, estão morrendo aos poucos dentro de suas celas. As denúncias não são individualizadas, e não se apresentam provas da conduta delituosa dos presos; são acusados em lotes.
 
O ministro Moraes diz que tem de ser assim mesmo, como ocorre, segundo ele, nos crimes de rixa – mas os presos (descritos pela imprensa como “golpistas” ou “terroristas”, embora não tenha acontecido nenhum golpe ou ato de terror) estão sendo acusados de “associação criminosa armada” e “golpe de Estado”. 
Que armas? Não foi apreendido nem um estilingue. É o pior momento da Justiça brasileira.

J.R. Guzzo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


sábado, 7 de maio de 2022

A Constituição estuprada - Revista Oeste

Augusto Nunes

Alexandre de Moraes comanda os trabalhos de parto do indulto sem perdão

Alexandre de Moraes, ministro do STF -  Foto: Aloisio Mauricio/Fotoarena/Estadão Conteúdo
 
Em 2019, o ministro Alexandre de Moraes repetiu numa sessão do Supremo Tribunal Federal o que ensinava o professor Alexandre de Moraes em salas de aula e nos vários livros que assinou. A fala eternizada num vídeo que faz sucesso nas redes sociais é curta e grossa:

“A questão do indulto, esse ato de clemência constitucional, é um ato privativo do presidente da República. Podemos gostar ou não gostar. Assim como vários… várias parlamentares também não gostam quando o Supremo Tribunal Federal declara a inconstitucionalidade de emendas e leis. O ato de clemência constitucional não desrespeita a separação de Poderes. Não é uma ilícita ingerência do Poder Executivo na política criminal genericamente estabelecida pelo Legislativo e concretamente aplicada pelo Judiciário. Até porque indulto — seja graça ou perdão presidencial, seja o individual, seja coletivo — não faz parte da política criminal. É um mecanismo de exceção, contra o que aquele que tem competência, o presidente da República, entender como excessos da política criminal”.

Ponto final. Não há dúvidas a dirimir, pontos obscuros a eliminar.  
A aplicação das formas de indulto é coisa do presidente da República, adverte Moraes. Privativa, pessoal e intransferível. Se alguém não gostar do beneficiário ou de quem concedeu o perdão, deve espelhar-se na imagem de Nelson Rodrigues: resta sentar-se no meio-fio e chorar lágrimas de esguicho. Ou vá queixar-se ao bispo, recorrer ao Papa, talvez afogar as mágoas no botequim da esquina.  
O que não se pode fazer é contestar o decidido por quem lida com o assunto: o chefe do Poder Executivo, mais ninguém. 
O Judiciário e o Legislativo têm de calar-se o mais silenciosamente possível, porque a concessão do indulto “seja graça ou perdão, seja individual ou coletivo” é decisão pronta e acabada.
 
A menos que o indultado seja o deputado federal Daniel Silveira, resolveu na quarta-feira o onipresente Alexandre de Moraes em resposta a uma solicitação da vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo. O papelório produzido pelo estuprador da Constituição ecoa o som da fúria, confirma a opção preferencial pela perversidade e informa aos berros que o Supremo destes tempos estranhos é controlado por juízes fora da lei, que têm em Moraes sua mais truculenta tradução.  
Com o apoio da maioria dos titulares do Timão da Toga, o carrasco do Pretório Excelso insiste em transformar um deputado federal protegido por normas constitucionais e pela imunidade parlamentar em hóspede do seu cativeiro particular, alvejado por violências que espantariam senhores de escravos.

Na questão do indulto, o ministro mentiu em 2019 ou está mentindo agora?

Em 25 de abril, valendo-se do que o Moraes do vídeo considera ato privativo do chefe do Executivo, Jair Bolsonaro concedeu a graça presidencial a Daniel Silveira. Com a publicação do indulto no Diário Oficial da União, o deputado tornou-se um homem livre, voltou a exercer em sua plenitude o mandato parlamentar e não tem contas a acertar com a Justiça. O Moraes do Supremo resolveu revogar o que sempre afirmou o professor, pelo menos até encarnar simultaneamente cinco personagens inconciliáveis: vítima, investigador, delegado, promotor e juiz

Obcecado pelo sonho de punir Daniel Silveira com quase nove anos de prisão, multas escorchantes, tornozeleiras eletrônicas, proibição de acesso a redes sociais ou contatos com eleitores, perda do mandato e outras medidas fora da lei, inscreveu-se na história nacional da infâmia com uma sopa de letras que colide frontalmente com o vídeo:

“O tema relativo à constitucionalidade do Decreto de Indulto será analisado em sede própria, pois, conforme definido por esta Suprema Corte, apesar de o indulto ser ato discricionário e privativo do Chefe do Poder Executivo, a quem compete definir os requisitos e a extensão desse verdadeiro ato de clemência constitucional, a partir de critérios de conveniência e oportunidade, não constitui ato imune ao absoluto respeito à Constituição Federal e é, excepcionalmente, passível de controle jurisdicional, pois o Poder Judiciário tem o dever de analisar se as normas contidas no Decreto de Indulto, no exercício do caráter discricionário do Presidente da República, estão vinculadas ao império constitucional (grifo meu). Tradução em língua de gente: indulto é atribuição do chefe do Executivo, mas a última palavra será transferida para os superjuízes caso o presidente se chame Jair Bolsonaro e tenha livrado da cadeia alguém que ofendeu os integrantes do Egrégio Plenário.

Moraes seviciou princípios elementares do Direito com o inquérito das fake news. Se consegue enxergar a olho nu o que é verdade e o que é mentira, está convidado a desfazer a interrogação que desenhou: na questão do indulto, o ministro mentiu em 2019 ou está mentindo agora? Depois de seviciar a Constituição com a invenção do flagrante perpétuo e da prisão preventiva em regime fechado e sem prazo para acabar, o impetuoso promotor que virou juiz por vontade de Michel Temer agora comanda os trabalhos de parto do indulto sem perdão

 Estimulado por parceiros que habitam um universo paralelo onde é possível comer lagosta todo dia (acompanhada por cálices de vinhos premiados), Moraes lidera a marcha da insensatez que pode desembocar no confronto entre dois Poderes.

Se o STF persistir na tentativa de algemar o presidente da República, para impedi-lo de deliberar sobre um assunto privativo do chefe do governo, estará configurado um impasse que será solucionado pelas Forças Armadas. É o que determina o artigo 142 da Constituição, como vem alertando há tempos o jurista Ives Gandra Martins.  
Desde a promulgação da Constituição de 1988, o comportamento de oficiais e soldados tem sido impecável. Fora o ministro Luís Roberto Barroso, que anda enxergando quarteladas em gestação contra o sistema eleitoral, até os doidos de hospício que proliferam na esquerda brasileira admitem que as três Armas são orientadas por um profissionalismo exemplar. Mas convém registrar que seus comandantes não levam em conta arreganhos de denisses e lindôras.  
Tampouco se impressionam com surtos de megalomania que transformam juízes do Supremo em Mussolinis de ópera-bufa.

Leia também “Duelo na Praça dos Três Poderes”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste


sábado, 3 de julho de 2021

A vida de Mao: assassino de milhões, “pai omisso, marido infiel e amigo traiçoeiro”

Comunismo - A MALDITA DOUTRINA

“Mao”, de Andy Warhol: o ditador comunista não gostava de banhos, não escovava os dentes e era um poço de doenças sexualmente transmissíveis

Ainda há bastante espaço livre na "História Universal da Infâmia" esboçada na década de 1930 por Jorge Luís Borges. Mestre da concisão, mas também da preguiça, o argentino elencou apenas sete malfeitores em seu bestiário. É tentadora a ideia de dar sequência à série — até porque, mesmo se nos limitarmos ao barco-sem-rumo do século XX, não faltarão candidatos à vaga de “oitavo passageiro”. Um deles, hors-concours: Mao Tsé-tung, ou Zedong, que se autointitulava “o Grande Timoneiro”, o infame que conduziu a China para um previsível naufrágio, e que ao morrer com 82 anos devia à justiça dos homens a morte de mais de 70 milhões de chineses — sem contar alguns estrangeiros e desafetos pessoais. 

LEIA TAMBÉM:     Como os protestos atuais repetem a violenta estratégia maoísta de apagar a história

Às vezes, são vários os motivos que levam os homens a imprimir sua marca mais horrenda na pele do mundo. Às vezes, os motivos se mesclam e se emaranham. Em Mao, cumulavam-se a ambição desmedida, a crueldade, a falta absoluta de sentimentos morais e uma série de “qualidades” que cabem sob um só “guarda-chuva”: a palavra infâmia. Assim se expressa o Mal.

 

Um dia depois do Natal… 

Em 26 de dezembro de 1893, um dia depois do Natal, nascia na cidade de Shaoshan aquele que os chineses (na época, já representando um quarto da população da Terra) amaram e temeram com a mesma perplexidade. Mao Tsé-tung, ou Mao Zedong, ou em caracteres locais: 毛泽东. Certamente a referência ao Natal é mais do que infeliz coincidência: é um festival de ironia, fazendo confluir em datas tão próximas o nascimento do Cristo e o do Anticristo…

Já desde o início, os relatos biográficos sobre Mao se bifurcam. Alguns deles garantem que Mao nasceu numa família de camponeses e teve infância pobre. Outros relatam que o pai, Mao Yichang, era um fazendeiro próspero. Uns afirmam que o garoto viveu num lar harmonioso, com pais atenciosos e protetores; outros preferem apostar na figura do pai opressor, que eventualmente espancava a família.

O que é História e o que é lenda, em tudo isso? Façam as apostas, mas lembrem-se de que, se a roleta é suspeita, a banca vence sempre. Porque as duas versões ajudam a criar o monstro legendário – principalmente a partir de 1906, quando o adolescente Mao abandonou a casa do pai para estudar em Changsha. No fim das contas, tudo se acomoda, como em qualquer mentira: a versão camponesa ajuda a chamar de ressentimento e revolta contra a pobreza todas as maldades que ele veio a perpetrar; na versão “família abastada”, o tempero é a suposta coragem de romper com as origens e fazer a proverbial “opção pelos pobres”...  A História traz poucos detalhes dos anos de estudos formais, que se estendem de 1913 a 1918. Mas sabemos que, depois de se formar professor, Mao se mudou para Pequim e começou a trabalhar na biblioteca da Universidade local – o que lhe permitiu contato imediato com Li Dazhao, cofundador em 1921 do Partido Comunista Chinês, o PCCh.  

A influência de Dazhao será decisiva para a biografia de Mao – sobretudo nas versões assumidamente hagiográficas. Já no mundo real, que é irrevogável e indiferente às mentiras, sabemos que ninguém pode pôr o dedo na ferida e dizer simplesmente, como Hamlet no Terceiro Ato da tragédia de Shakespeare: “Assim começa o Mal!” No caso de Mao, a maldade entrou em sua vida por diversas portas. Sabe-se que ele ingressou no Partido Comunista no ano mesmo de sua fundação, e que de 1921 a 1927 mestre e discípulo militaram juntos e intensamente, ora fazendo alianças, ora disputando espaço com o partido rival: o nacionalista Kuomintang. Aos poucos, o Partido Comunista Chinês foi crescendo em importância e Mao foi crescendo e ganhando fôlego dentro dele. Quando a disputa ficou mais acirrada, o PCCh criou hostes próprias: o Exército Vermelho. Mao – adivinhem! – foi seu primeiro comandante.
A Grande Marcha: devagar se vai aonde?

Das irrelevantes contribuições teóricas de Mao para a “dialética revolucionária”, destaca-se apenas a decisão de romper com o modelo soviético (de matriz urbana e industrial) e optar por “revolução camponesa”. De resto, os dois modelos foram fracassos retumbantes e sanguinários – mas cada um desastroso a seu modo.  Em 1924, a História nos mostra Mao se estabelecendo na região de Jiangxi, onde até 1934 liderou a cegueira comunista (também conhecida como “resistência”). A essa altura, cercados e pressionados pelo agora inimigo Kuomintang, Mao e suas hostes decidiram bater em retirada – num episódio conhecido na história oficial como a Grande Marcha.

Consta que, de grandioso, o evento teve apenas o número de mortos: cerca de 100 mil soldados começaram uma caminhada de mais de 10 mil quilômetros sem comida e sem planos através de 11 províncias, sempre fugindo das tropas do Kuomintang. Em 1935, só uma parcela mínima conseguiu chegar a Yan’an. Algumas versões falam em 10 mil sobreviventes, outras arriscam 20 mil – mas todas falam de miséria, fome e dezenas de milhares de cadáveres. Quanto aos fatos, só um acabou se impondo, irrefutável: o crescimento da lenda Mao Tsé-Tung, que naquele mesmo ano foi proclamado Líder do Partido Comunista.

Acrescente-se a essa receita indigesta o longo conflito com um Japão invasor, só encerrado com a derrota dos japoneses ao fim da Segunda Guerra Mundial; juntem-se muita traição e violência, e o recomeço da disputa sangrenta entre nacionalistas e comunistas – e saberemos um pouco mais sobre como e quando começaram o Mal e o Mao. Em 1º de outubro de 1949, o pesadelo ganhava tons vermelhos mais fortes: nascia a República Popular da China. Crescia o poder do Mal (e do Mao).

“O Grande Salto à Frente”, rumo ao abismo
Em pouco tempo, Mao Tsé-tung se tornou uma das pessoas mais influentes, poderosas e cruéis da nova República. Numa China que já vivia no limite da pobreza e do desgoverno, o Grande Timoneiro realizou a proeza de tornar as coisas ainda piores. Era preciso recuperar a economia. Era preciso ampliar o controle do Estado. Para o primeiro projeto, Mao impôs planos econômicos que contrariavam a realidade e a matemática; para o segundo propósito, tratou de perseguir e eliminar seus opositores – o que abrangia toda e qualquer pessoa que discordasse dele. O resultado? Planificações e confiscos de terras, prisões em larga escala e execuções sumárias, fome e até canibalismo (na província de Fengyang, registraram-se nada menos do que 66 casos!). E mais alguns milhares, ou antes, milhões de cadáveres engordando as estatísticas.

Avançando de fracasso em fracasso, em 1958 Mao Tsé-tung fabricou mais um: o Grande Salto à Frente, nova tentativa desastrosa de reorganizar a economia – o que só levou direto ao abismo o pouco que ainda restava da produção de alimentos. Institucionalizou a fome e em breves provocou a morte de dezenas de milhões de chineses. A fórmula, como sempre, era esdrúxula: Mao obrigou os camponeses a substituírem as atividades agrícolas pela fabricação de aço em fornalhas de fundo de quintal, usando a matéria-prima que tinham a seu alcance – as próprias ferramentas. E, como lenha para os fornos caseiros, todos queimaram seus móveis, um a um. Não faltou a cereja no topo desse bolo azedo: o que ainda sobrava das safras não pôde ser colhido, porque a população estava em casa… “produzindo aço”! Perdoem o imperdoável trocadilho, mas isso nunca poderia dar certo, “nem aqui nem na China”.

Mais uma vez, o insano e obcecado Mao se recusou a recuar. “A morte de 10 milhões ou 20 milhões não nos assusta", teria dito o monstro, que nunca ficava só nas palavras.

“Revolução Cultural”: uma Jovem Guarda Vermelha  
A  pá de cal nesse “pagode”  chinês ficou por conta da famigerada Revolução Cultural, nome pomposo para o processo que de 1966 a 1976 promoveu a delação e a lavagem cerebral numa escala só vista antes em romances distópicos. Corresponde também aos últimos dez anos de vida do nosso “personagem”. O episódio ficou conhecido por sua brutalidade e pela extensão do estrago perpetrado. Durante 10 anos, o Partido Comunista Chinês (leia-se: Mao em pessoa) mobilizou os estudantes e as camadas mais jovens da população para que juntos perseguissem e denunciassem todos aqueles que ainda mantinham os “velhos hábitos”, definitivamente relacionados à burguesia. Era um decreto de morte para os inimigos do Novo Homem chinês – e isso incluía pais, cônjuges ou qualquer outro integrante da família. E havia também os professores, denunciados e massacrados em Porque o propósito era, justamente, destruir a educação e a família. E, por tabela, perpetuar Mao Tsé-tung no topo do poder.

A Jovem Guarda Vermelha não decepcionou. O saldo estimado de mais essa tragédia  ficou em torno dos 2 milhões de pessoas – além de incontáveis cérebros juvenis deteriorados e corrompidos. Com quase 1 bilhão de cópias impressas, o Livro Vermelho das “Citações” do Grande Timoneiro era o sucedâneo da Bíblia entre os jovens, e perde apenas para a própria Bíblia em qualquer lista dos mais vendidos no mundo.

A saga integral pode ser lida em Mao – A História Desconhecida, de Jung Chang e Jon Halliday (existe edição em português). Biografia avantajada para estômagos fortes, o livro contesta o heroísmo da Grande Marcha e desqualifica os relatos de que os rebeldes comunistas teriam enfrentado os japoneses, durante a Segunda Guerra Mundial. Aqui apresentamos apenas a versão compacta com os piores momentos. Mas há um punhado de detalhes que mesmo a opção condensada não pode deixar de fora: o homem por trás da lenda.

A infame vida privada
Como acontece com todos os tiranos, a “história” de Mao Tsé-tung e a “biografia” da República Popular da China acabaram se confundindo – até porque, durante décadas, a China foi sobretudo aquilo que o Grande Timoneiro determinou que fosse. Mesmo assim,  em cada homem habita uma dimensão irredutível: sua vida pessoal, que em geral aparece nos piores detalhes. Às vezes, um vício; às vezes, um certo mau hálito. No caso de Mao, o mau hálito era intenso – e os vícios eram muitos. Quem dá testemunho dessa esfera sombria é Li Zhisui, seu médico particular de 1954 até os últimos dias. Publicado em 1994, o livro A Vida Privada do Camarada Mao tece um retrato nada agradável, apoiado no tripé “pai omisso, marido infiel e amigo traiçoeiro”.

Ficamos sabendo, pelo livro, que Mao raramente tomava banho e que nunca escovava os dentes (consta que, no fim da vida, eles já estavam verdes,). A promiscuidade sexual  era nele uma segunda natureza – além de fonte permanente de vírus, bactérias e micro-organismos, que ele ia disseminando igualitariamente entre as incontáveis amantes.

Segundo o doutor Li Zhisui, Mao era um monstro “destituído de valores morais, incapaz de sentir amor, amizade ou calor humano”. Não satisfeito em espalhar o terror em seu povo, transmitia doenças às amantes — que por sinal foram muitas. Durante décadas, Mao promovia bailes duas vezes por semana, no Grande Salão do Povo (perto da praça Tiananmen) e no Salão do Lótus Primaveril, na residência particular em Pequim. Na verdade, eram meras desculpas para orgias sexuais, às vezes com quatro ou cinco mulheres ao mesmo tempo. "Quanto mais o Partido pregava o moralismo, mais o presidente praticava a promiscuidade hedonista", escreve Zhisui. "Ele tinha um verdadeiro harém”. Consta que eliminou várias dessas concubinas – por mero prazer, ou para não “deixar rastros”.
E assim termina...

Contrariando toda justiça ou simetria poética, o homem que promoveu um banho de sangue e uma lavagem cerebral em larga escala na China teve morte pacata e doméstica. Um verdadeiro anticlímax: em 9 de setembro de 1976, com 82 anos, Mao Tsé-tung morreu de ataque cardíaco – o terceiro naquele ano. Seu corpo foi embalsamado e preservado num caixão de cristal quartzo, no ostensivo Mausoléu Mao Tsé-tung, onde é visitado e exposto regularmente, como as múmias de faraós e as efígies de deuses pagãos indestrutíveis.

Destruir a realidade em favor de uma ideia: assim começa o Mal – e exatamente assim começou Mao Tsé-tung, como todo revolucionário. Mas não custa acrescentar (completando a fala de Hamlet) que “o pior vem sempre depois”. Às vezes, é um vírus; às vezes, são vários.

Antonio Fernando Borges, Gazeta do Povo - Ideias


domingo, 10 de maio de 2020

Melancolia - O Globo

 Dorrit Harazim
Haverá quem indague onde esteve a oposição a Jair Bolsonaro este tempo todo
O ensaísta radicado na Califórnia Dustin Illingworth acerta em cheio quando observa que melancolia é uma condição incompatível com o coronavírus. A realidade crua do nosso planeta infectado, com cadáveres que se empilham entre os vivos, não dá espaço ao que o britânico Robert Burton, em seu clássico do século 17 sobre o tema, definiu como “um tipo de loucura sem febre, tendo como companheiros o temor e a tristeza sem nenhuma razão aparente”. Com a Covid-19 em marcha pelo mundo, a melancolia foi deslocada por variantes menos românticas, como a ansiedade, o pânico, a depressão. É possível que no futuro venhamos a ter saudade do tempo em que foi possível sofrer só de melancolia, esse fundamento da condição humana.

Por ora não dá. Pelo menos não no Brasil, que encerra uma semana particularmente disfuncional, caótica e desconcertante. A hora, agora, é de grita, mesmo que seja apenas para se sentir vivo e humano. A semana começou com o Brasil órfão, também, de Flávio Migliaccio. Em terna carta aberta aos tantos que choraram o suicídio do ator de 85 anos, o filho Marcelo escreveu: “Meu pai fez o que fez à nossa revelia. Pegou um táxi e foi para o sítio enquanto eu cuidava da minha mãe. Sem nos avisar, sem se despedir. Ele sempre me dizia que não aguentava mais viver num mundo como esse e sentir seu corpo deteriorar-se rápida e irreversivelmente... Daqui para a frente só vai piorar, dizia...”. Mas nem em seu mais agudo desassossego Flávio Migliaccio imaginaria que dois dos policiais militares chamados à ocorrência fotografariam a cena e a postariam em redes sociais. Ambos envergavam a bandeira do estado em suas fardas. É a infâmia e covardia extremas destes tempos de apagão da decência.

Como se permitir ser melancólico quando a realidade nacional trata a Covid-19 com voracidade de caixa registradora? Arredondando, já são10 mil mortos e 150 mil casos confirmados, com o pico do contágio apontando para mais calamidade à frente. A nação desassistida nunca teve o luxo existencial de mergulhar no spleen literário, ela precisa fazer fila ao relento para tentar receber os R$ 600 de ajuda emergencial enquanto Jair Bolsonaro faz da presidência um reality show de programação livre — pode ser tanto uma Marcha na Praça dos Três Poderes, com lobistas/empresários no papel de extras, ou um churrasco de celebração à insânia. Enquanto só no Rio de Janeiro mais de mil pessoas aguardavam a vacância de um leito de UTI adequadamente equipado, Gabriell Neves Franco, que até o mês passado era ainda subsecretário de Saúde do mesmo estado, foi preso sob suspeita de integrar uma quadrilha de mercadores de ventiladores mecânicos. Só muito mais adiante, quando for possível estudar os desdobramentos desse período, se saberá a amplitude da rapina ocorrida nos subterrâneos dos contratos emergenciais em nome do combate à Covid-19.

Até aí nada de muito novo. Haverá quem indague onde esteve a oposição a Jair Bolsonaro este tempo todo, como ela evaporou, por que não conseguiu apresentar um mísero plano de contraponto a um governante tão desarticulado, se foi verdade que existiu um ministro da Saúde invisível de nome Nelson Teich. Na semana em que se comemora o 75º aniversário do final da Segunda Guerra na Europa, olhar para o passado adquire valor redobrado.

Ou então é fazer como Regina Duarte, cuja sombria e estarrecedora entrevista concedida à CNN Brasil regada a sorrisos mecânicos mereceria um estudo frase a frase. Somaram-se rasantes de despreparo, afagos à ditadura e viagens ao mundo da fantasia.

Difícil saber se quem as pronunciava era a atriz no papel de secretária executiva de Cultura, ou vice-versa, ou ainda, a fusão dessas duas entidades. Algum hippie dos anos 60 talvez definisse a entrevista como uma “transformação em metamorfose”. Já para a também veterana de palcos Camila Amado, ainda incrédula com o que assistiu, o diagnóstico é dolorido: “Acabou -se a imagem da ingênua usada e sem noção. Vi a pessoa mais feia e de uma loucura assustadora, exposta e sem controle de imagem, agora sim revelada pela televisão — ela, a Regina Duarte”, escreveu em rede social. A repulsa de Camila é explicável — a ditadura roubou-lhe o pai, Gilson Amado, e torturou sua mãe, a educadora Henriette de Hollanda Amado.

Na visão de Regina Duarte, “tem que olhar pra frente, tem que amar o país, parar de ficar cobrando coisas que aconteceram nos anos 60, 70, 80... Se eu ficar olhando pelo retrovisor, vou levar trombada, vou cair no precipício ali na frente...”

Já caiu. O precipício é aqui. Para a respeitada revista britânica “Lancet”, que vai completar seu bicentenário em 2023, Jair Bolsonaro representa a maior ameaça mundial à Covid-19. [sic] Não é uma afirmação ligeira. A revista não analisa novelas, trata de ciência.

 Dorrit Harazim, jornalista - O Globo