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quarta-feira, 20 de maio de 2020

Saúde militarizada - Militares no poder - Merval Pereira

O Globo

Militares aderem à marcha de insensatez de Bolsonaro 

[bem mais exemplar do que as medidas adotadas pelo general Pazuello, bem mais sensato do que os mais recentes pronunciamento do presidente Bolsonaro, foi a manifestação maior do 'líder' petista, do líder dos inimigos do presidente e, por extensão, inimigos do Brasil, emitida nos seguintes termos:
"Ainda bem que a natureza criou esse monstro chamado coronavírus para que as pessoas percebam que apenas o Estado é capaz de dar a solução, somente o Estado pode resolver isso", declarou o multicondenado petista Lula.
Na transmissão, o líder petista afirma que o estrago produzido pela covid-19 na agenda liberal do governo de Jair Bolsonaro é algo a ser agradecido.]
No mesmo dia em que chegamos ao trágico recorde de mil mortes por dia devido à Covid-19, nada mais exemplar da militarização do governo Bolsonaro do que o General Eduardo Pazuello, exercendo a função de ministro interino da Saúde, ter assinado o novo protocolo que autoriza a utilização da cloroquina no tratamento inicial da doença.

Uma decisão polêmica, que não possui suporte técnico de credibilidade para ser adotada. A cloroquina provoca efeitos colaterais graves, como arritmias que podem ser fatais, e não se mostrou eficaz em vários testes já realizados em diversas partes do mundo. O General Pazuello assumir a responsabilidade de autorizar prescrições médicas temerárias demonstra que as vontades do presidente Bolsonaro já não têm barreiras para contê-las, mesmo perigosas.[oportuno lembrar que autorizar não equivale a determinar e assim a palavra final, e que conta para aviar a receita e ministrar o medicamento, é a decisão do médico.]

Por mais competente que o General seja na questão de logística, o que justificou sua chegada ao ministério na gestão de Nelson Teich, não é sério um país que coloca um leigo em seu ministério da Saúde para fazer o que dois ministros técnicos da área se recusaram a fazer por motivos éticos, no momento em que vivemos a maior pandemia em um século.

Para corroborar a ideia de que os militares aderiram sem restrições à marcha da insensatez de Bolsonaro, o General de Exército Luiz Eduardo Ramos, que ocupa a chefia da Secretaria de Governo, participou da manifestação de domingo na rampa do Palácio do Planalto, e teve o braço levantado para a aglomeração pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, assumindo a condição de político, embora seja um general da ativa.

Nada menos que 2897 militares integravam em março o governo Bolsonaro, dos três ramos das Forças Armadas, número que pode ter crescido exponencialmente, como o de infectados pela Covid-19, pois somente ontem o General Pazuello levou nove militares para trabalharem com ele no ministério da Saúde. O presidente Bolsonaro não dá a impressão de que tenha um nome para indicar para a Saúde, pois os que são especulados trariam para o governo uma dose a mais de insensatez ideológica talvez exagerada, principalmente quando temos uma crise tripla na saúde, na economia e na política.

A mesma militarização ocorre nos segundo e terceiro escalões dos demais ministérios, especialmente nos oito em que militares estão à frente. A presença de militares no governo encontra ainda um problema administrativo sério no que se refere ao salário.   O limite para vencimentos dos servidores públicos é de R$ 39 mil, e o ministério da Defesa reivindica que o teto constitucional seja aplicado separadamente sobre os rendimentos daqueles que recebem, além do salário de carreira, uma gratificação pela função que exercem.

Esse acúmulo de salários encontrou respaldo na Advocacia-Geral da União (AGU), alegando que há precedentes nos poderes Legislativo e Judiciário e, portanto, "a partir de seus efeitos no Poder Executivo”, seria mantida a isonomia entre os poderes. A reivindicação foi suspensa com a chegada da pandemia, mas está no ar a discussão. Há indicações de que o presidente Bolsonaro gostaria de manter o General Pazuello no ministério, mas encontra resistência entre seus conselheiros militares, que temem que a crise da Covid-19 caia no colo dos militares caso isso aconteça. Uma preocupação despicienda depois de tudo o que está acontecendo, na área e fora dela. 

Os militares sempre defenderam a tese de que não existem ministros militares, mas ministros que têm origem militar, assim como outros são engenheiros, advogados, ou mesmo políticos. Mas o fato de que, assim como o PT aparelhou o governo nos seus 15 anos com sindicalistas e políticos fisiológicos do centrão, Bolsonaro esta aparelhando o seu com o mesmo tipo de políticos e militares, e eles não podem mais se escusar de fazer parte de um governo populista de baixa qualidade técnica e moral.

Merval Pereira, jornalista - O Globo


quinta-feira, 23 de abril de 2020

Fim de isolamento não pode ter um ‘Dia D’ – Editorial - O Globo

O relaxamento de quarentenas e bloqueios não é instantâneo e precisa de monitoramento

As bravatas bolsonaristas de que o isolamento social poderia ser suspenso por um édito presidencial ficam felizmente cada vez mais risíveis, porque, além de sua impossibilidade objetiva — seria revogado no Legislativo e Judiciário, por não se basear em fundamentos técnicos e científicos conforme exige a lei —, governadores começam a executar planos de saída do isolamento social como precisa ser, de maneira programada, com método, paulatinamente, à medida que a evolução da epidemia permita. [apesar do risco de uma intromissão indevida do Legislativo e mesmo do Judiciário - impedindo o Executivo de fazer e sem indicar quem e como fazer - o presidente Bolsonaro cuidou de nomear um especialista em logística para ser o segundo no Ministério da Saúde e cuidar de forma ordenada, gradual e segura da saída da quarentena - Doria trancou todos, não reduziu o crescimento do número de casos, não achatou a curva, não reduziu a mortalidade e não sabe como sair do isolamento.
Ibaneis, graças a Deus está convivendo com um menor crescimento do número de casos, de mortes e maior crescimentos dos recuperados = são 60% do total de infectados.
Agora, procura apoio de Bolsonaro, que coloca os interesses da Nação acima de todos e o apoia.]

Não há um “Dia D” para o fim de quarentenas e bloqueios exigidos para conter a disseminação de vírus quando não há vacinas e medicamentos adequados disponíveis.

O governador de São Paulo, João Doria, apresentou ontem o rito de saída dos paulistas do isolamento, previsto para ser executado em fases a partir de 11 de maio. Não é uma fórmula feita. As etapas serão cumpridas no mesmo passo em que “a medicina e a Ciência” [considerando que a medicina tem uma regra incontestável: 'na medicina nada é definitivo' e a Ciência tem muito de empirismo Doria vai seguir o experimento, não deu certo refaz, igual agiu na experiência do isolamento. Lamentável,  que cada erro possa custar vidas humanas.] forem determinando, Doria faz questão de repetir, para fustigar Bolsonaro, seu adversário político, defensor do oposto. Para o presidente, o que deve determinar o fim do isolamento são as carências da economia, sem entender que uma tragédia de grandes proporções na saúde pública, com enormes repercussões na sociedade, agravará muito mais a situação da economia, com uma retração ainda maior do consumidor e fuga de investidores.

O novo ministro da Saúde, Nelson Teich, deu ontem afinal sua primeira entrevista coletiva. Nada apresentou de concreto, sinal de que seu plano ainda não está concluído. O que tem sido noticiado, porém, é animador, pois indica que o ministro deve mesmo tomar decisões com bases técnicas, como prometeu na posse, apesar da pressa do chefe.

Vai no bom caminho a contratação da Universidade de Pelotas (RS) e do Ibope para entrevistar e fazer testes rápidos em grupos de pessoas escolhidas para compor amostras que espelhem a realidade de cidades ou estados de que se deseja saber em que nível se encontra a epidemia. O resultado dos testes ajuda a monitorar a velocidade do relaxamento das contenções. O ministro afirmou ontem que a Coreia do Sul, exemplo de controle da epidemia, fez apenas 11 mil testes por grupo de milhão pessoas. Mas é preciso também uma boa análise dos dados.



 Há variáveis-chave no painel de controle do fim de um isolamento. Além, por óbvio, da evolução da contaminação em si, é crucial acompanhar os índices de ocupação de leitos de UTI na rede de saúde pública, a disponibilidade de testes e outros itens de protocolos. Assim será em São Paulo. O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, vítima da Covid-19, tem, por sua vez, um plano específico para a reabertura do comércio, que discutirá hoje com o Secretariado. O mundo está cheio de bons exemplos de como fazer.

Editorial -  O Globo


O que vem por aí - Nas entrelinhas

Faltam leitos de UTI, respiradores e equipamentos de proteção, além de médicos, enfermeiros e fisioterapeutas, porque muitos estão se contaminando

Em sua primeira entrevista coletiva, o ministro da Saúde, Nelson Teich, ontem, anunciou que o governo federal prepara uma diretriz para orientar cidades e estados na flexibilização do distanciamento social contra o novo coronavírus, que deverá ser anunciada na próxima semana. Argumentou que o total de pessoas infectadas com Covid-19 é baixo se comparado com o total da população e fez a previsão de que menos de 70% da população contrairão a doença, ao contrário das estimativas iniciais. Segundo o ministro, o Brasil tem 43,5 mil casos do coronavírus. “Se a gente imaginar que pode ter uma margem de erro grande — digamos que a gente tenha aí 100 vezes, isso é só um exemplo hipotético — a gente está falando em 4 milhões de pessoas. Nós hoje somos 212 milhões”, explicou.

Teich arrematou: “Fora da Covid tem 208 milhões de pessoas que continuam com as suas doenças, com os seus problemas, e que têm que ter isso tratado. E o que é que representam, hoje, 4 milhões de pessoas num país como esse? 2% da população”, disse. O ministro anunciou o novo secretário-executivo do Ministério da Saúde: o general de divisão Eduardo Pazuello, que hoje é comandante da 12ª Região Militar, principal unidade de logística do Exército na Amazônia, responsável por quatro hospitais, embarcações, manutenção, suprimentos e uma companhia de comando, para o apoio às unidades de combate do Comando da Amazônia. Integrante do grupo de generais paraquedista do Rio de Janeiro que hoje forma o Estado Maior de Bolsonaro, é um especialista em logística. Sua missão no Ministério da Saúde será operar a estratégia de saída da política de isolamento social em todo país, sem deixar que haja o colapso do sistema de saúde pública. Se houver precipitação, será uma missão impossível.

Como Teich ainda aparenta muita insegurança no comando do Ministério da Saúde, a entrevista foi protagonizada pelos ministros da Casa Civil, Braga Netto, e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. O primeiro apresentou dois planos de retomada da economia, denominados Pró-Brasil Ordem e Pró-Brasil Progresso, para serem executados num período de dez anos. O viés é desenvolvimentista, na linha do famoso tripé Estado, iniciativa privada e investimentos estrangeiros. Em meio à recessão mundial provocada pelo coronavírus, é inevitável a comparação com o ambicioso II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) do presidente Ernesto Geisel, que foi abatido pela crise do petróleo. Braga Netto disse que o ministro da Economia, Paulo Guedes, que não estava presente na coletiva, endossou o plano.

O ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, roubou a cena. Resolveu puxar as orelhas da imprensa: “Nós, do governo do presidente Jair Bolsonaro, respeitamos muito a liberdade de imprensa e ela é fundamental para o processo democrático de todo o país. Porém, desde o começo dessa crise do coronavírus, nós temos observado uma cobertura maciça dos fatos negativos. Os noticiários entram nos lares brasileiros todos os dias. Com todo respeito, no jornal da manhã é caixão, é corpo. Na hora do almoço, é caixão novamente, é corpo. No jornal da noite, é caixão, é corpo e o número de mortos.” [correta a observação do general - a quase totalidade da imprensa, em qualquer mídia, destaca o lado negativo dos efeitos da pandemia.
O número de recuperados RARAMENTE é mencionado - O número de mortos é sempre apresentado, destacado, eventual manuseio inadequado de corpos é enfatizado, abertura de covas é destacada, sem menção a que se trata de um procedimento rotineiro em cemitérios após as chuvas. 
A propósito, apesar do quadro caótico que tentam apresentar, Brasília apresenta 25 mortos, pouco mais de 900 comprovadamente infectados e mais de 500 recuperados.
A falta de materiais é sempre ressaltada - indiscutível que a proteção do pessoal da saúde é indispensável (até os mais egoístas não podem omitir que cada profissional de saúde que adoece é um a mais para ocupar os já escassos leitos de hospital e um a menos para salvar vidas) mas grande parte da carência é motivada por problemas de importação.]

Negociação
Falta ao governo um Aureliano Chaves, o vice-presidente civil do general João Baptista Figueiredo, para falar que não adianta tapar o sol com a peneira. O número de mortos aumenta e a situação é critica nos hospitais do São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco, Amazonas e Roraima, estados nos quais afrouxar a política de isolamento social agora significa multiplicar o número de mortos por falta de assistência médica adequada. Faltam leitos de UTI, respiradores e equipamentos de proteção individual, além de médicos, enfermeiros e fisioterapeutas, porque muitos estão se contaminando. Talvez o general Pazuello seja mais importante para enfrentar o problema de logística no gerenciamento da falta de equipamentos e pessoal do que na estratégia de saída do isolamento, [subordinada a pessoas, em sua maioria, incompetentes - até por inexperiência - que por vaidade, interesses não republicanos, querem estar a frente de tudo que possa render dividendos no futuro.
Se houver erros, jogam a culpa no governo federal.] que necessariamente  [sic] estará subordinada a governadores e prefeitos.

A propósito, foi simbólica a presença do governador de Brasília, Ibaneis Rocha (MDB), na entrevista. Sinaliza duas coisas: primeiro, que a situação do Distrito Federal é critica, do ponto de vista dos recursos disponíveis; segundo, que está havendo uma forte aproximação do MDB com o governo, de olho na sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara. Ontem, o presidente da legenda, Baleia Rossi (SP), esteve com Bolsonaro, como parte de uma rodada de conversas para rearticular a base do governo e esvaziar a liderança de Maia. [essencial tanto agora,  para redução de danos, quanto no futuro,  para facilitar a recuperação econômica,  que o deputado Maia seja afastado, por fatos, dos cargos de 'primeiro-ministro' e 'corregedor-geral dos Poderes' e não seja permitido, negociado ou mesmo cogitado,  a violação da Constituição Federal para que ele continue na presidência da Câmara dos Deputados.] Também haverá uma conversa de Bolsonaro com o presidente do DEM, ACM Neto, prefeito de Salvador (BA), agendada para hoje.

A operação de reaproximação com o Congresso tem apoio dos caciques do Centrão: Roberto Jefferson, PTB; Valdemar Costa Neto, PR; Gilberto Kassab, PSD; Ciro Nogueira, Progressistas; e Paulinho da Força, Solidariedade. A negociação envolve a entrega da Funasa, do Banco do Nordeste, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e dezenas de cargos de segundo e terceiro escalões para esses partidos.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense

segunda-feira, 30 de março de 2020

Mourão 'bombeiro' faz contraponto a Bolsonaro e ganha espaço na ala militar - O Estado de S. Paulo

Com aval de integrantes das Forças Armadas, vice se dissocia, em público, do discurso de Bolsonaro pelo fim da quarentena

A pandemia do coronavírus levou o vice-presidente Hamilton Mourão de volta ao posto de “bombeiro” de crises do Planalto. Mourão foi o único dos generais quatro estrelas que despacham no Palácio a se dissociar, em público, do discurso do presidente Jair Bolsonaro pelo fim da quarentena. Desta vez, porém, a saída do vice do banco de reserva teve o aval dos representantes mais influentes das Forças Armadas, que condenaram o ataque a governadores e demonstraram preocupação com os panelaços e com o impacto da ofensiva de romper com a estratégia mundial de combate à doença. [Bobagem a preocupação com "panelaços", eles só são válidos para influenciar os parlamentares - que se apavoram quando são alvos do povo - em época de impeachment do presidente ou de eleições. 
Não estamos em nenhuma dessas situações, portanto, ignorar os batedores de panelas é a melhor política.
Curiosidade: quase sempre as reportagens mostrando bateção de panelas, mostram os mesmos prédios.]


Mourão se apresentou como bombeiro, em contraposição a um Bolsonaro incendiário, após repercussões negativas ao pronunciamento do presidente, na terça-feira, 24, contra o isolamento da população. Ao chamar o novo coronavírus de “gripezinha” e “resfriadinho”, em cadeia de rádio e TV, Bolsonaro provocou críticas de todos os lados, foi bombardeado nas redes sociais e levou até aliados de primeira hora, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), a romper com ele. Até ali, 46 brasileiros haviam morrido com coronavírus.

Num primeiro momento, o pronunciamento de Bolsonaro foi avaliado pelos militares como errado na forma, mas correto ao destacar as consequências econômicas das medidas de isolamento. Mas o discurso sincronizado da caserna e do governo, depois que Bolsonaro enquadrou até o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não durou 24 horas. “A posição do nosso governo, por enquanto, é uma só: o isolamento e o distanciamento social”, afirmou Mourão, que, naquele momento, era a única voz dissonante em público. A partir daí, militares começaram a manifestar incômodo com a tática de confronto adotada por Bolsonaro ao desqualificar medidas anunciadas por governadores para evitar o contágio pelo coronavírus. Àquela altura, o número de vítimas fatais era de 56 pessoas. Até a publicação dessa reportagem, já chegava a 136, com 4.256 infectados.
 
Ao Estado, Mourão disse ser necessário um “equilíbrio” entre medidas de combate ao avanço da doença e a situação da economia. “Continuo no meu papel de vice-presidente. Atuo como conselheiro, busco levantar linhas de ação para que decisões sejam tomadas. No mais é uma eterna busca do equilíbrio entre salvar vidas, impedir uma queda fervorosa do PIB e manter a parcela dos empregos existentes”, afirmou. Sua fala, mais uma vez, é um contraponto a Bolsonaro, que ontem foi para as ruas menosprezar a doença e defender a volta do País à normalidade.

Diante do Palácio da Alvorada, na última quinta-feira, Bolsonaro deixou escapar o incômodo com a independência do vice. “O Mourão tem dado opiniões, é uma pessoa que está do meu lado ali. É o reserva de vocês. Se eu empacotar aí, vocês vão ter que engolir o Mourão. É uma boa pessoa, podem ter certeza”, ironizou.

Tosco
No dia seguinte, Bolsonaro voltou ao assunto. “Com todo o respeito ao Mourão, mas ele é mais tosco do que eu. Muito mais tosco. Não é porque é gaúcho, não. Alguns falam que eu sou um cara muito cordial perto do Mourão”, afirmou o presidente ao apresentador José Luiz Datena, da TV Band.

Embora em tom descontraído, a declaração de Bolsonaro teve o objetivo de reacender um velho temor de setores da política, do Judiciário e da opinião pública. O receio ocorre porque, em um eventual afastamento do presidente, quem assume a Presidência, pela Constituição, é o vice. Nesse caso haveria, de fato, um governo militar, embora o atual conte com oito dos 22 ministérios nas mãos de oriundos das Forças Armadas. O número não engloba a centena de postos ocupados por militares em segundo e terceiro escalões.

Apesar das desavenças do passado, o tom adotado agora por Bolsonaro em relação a Mourão foi absorvido por suas redes sociais como uma parceria do tipo “morde e assopra”. Ao contrário de outras vezes, os principais influenciadores digitais do bolsonarismo, incluindo aí os filhos do presidente, estão quietos, por enquanto, sobre os movimentos do vice.

A primeira missão de “bombeiro” do vice, nesta temporada de crises, foi para desembaraçar o rolo diplomático entre o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o embaixador chinês Yang Wanming. No último dia 18, o filho “03” do presidente acusou a China, por meio do Twitter, de ter causado a propagação do coronavírus. O diplomata rebateu. Mourão assumiu a dianteira para dizer que Eduardo não falava pelo governo, apesar do parentesco. “Se o sobrenome dele fosse Eduardo Bananinha, não era problema nenhum. É só por causa do sobrenome. Não é a opinião do governo”.

Durante a áspera discussão entre Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), na quarta-feira, Mourão também estava presente e fez sinal de reprovação com a cabeça, como se não concordasse com o presidente. Afirmou, depois, que todos se enganaram na “interpretação dos sinais corporais”. Mas não escondeu o “constrangimento” ao afirmar que divergências políticas devem agora ser evitadas.

Queimadas
Na prática, Mourão ressurge quando há confluência de confusões. Em abril do ano passado, por exemplo, ele provocou a fúria de Bolsonaro e de seus filhos por adotar estilo mais ameno com a oposição e a imprensa. O vereador Carlos Bolsonaro (PSC) e o guru da família, Olavo de Carvalho, lideraram, então, um linchamento virtual.
O vice recuou. Só saiu da “geladeira” nove meses depois, na crise envolvendo as queimadas na Amazônia, quando Bolsonaro o escalou para fazer o contraponto ao discurso pró-desmatamento do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Mourão teve, ainda, a missão de pôr panos quentes na disputa velada de Bolsonaro com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, quando o presidente, enciumado com a popularidade do ex-juiz da Lava Jato, chegou a cogitar a divisão da pasta comandada por ele em duas. Além de ajudar na construção de ações para enfrentar as queimadas, que recomeçam no meio do ano, Mourão direcionará seu trabalho para o período compreendido entre o fim de abril e junho, quando dificuldades de logística poderão atingir o ápice.

Até lá, o general vai continuar com discurso de quem apaga incêndios políticos, prega uma relação profissional com a imprensa e atua para evitar estragos na imagem de Bolsonaro. O uso de “bombeiros” é uma tradição militar para tempos de contar feridos numa batalha e preparar as armas para outra. No atual governo, a diferença é que a missão é comandada pelo primeiro nome da linha de sucessão.

Política - O Estado de S. Paulo


domingo, 16 de junho de 2019

O pêndulo de justiça de Moro

O Brasil passou nos últimos cinco anos por uma depuração moral extraordinária com resultados concretos e o resgate do respeito às forças republicanas. Não há como negar a evolução a que se assistiu no campo do combate à corrupção e aos privilégios e no desarme de quadrilhas profissionais que saquearam o erário. Existe um personagem que, indiscutivelmente, protagonizou o processo, liderando uma cruzada que gerou na sociedade um misto de admiração e gratidão, cujos efeitos irão perdurar por décadas, sem ressalvas, em quaisquer hipóteses ou circunstâncias. O nome dele é Sergio Moro, o agora ex-juiz, hoje na condição de ministro, que galvaniza o reconhecimento por um trabalho tido pela maioria como impecável, capaz de projetá-lo mundialmente, para além das cercanias dos patrióticos fãs diretamente beneficiados pelos seus feitos. Decerto, Moro quebrou paradigmas de impunidade. Enfrentou grandes corporações em continuada prática venal e os “capos” do colarinho branco. 

Impôs a primazia da lei mesmo no inexpugnável ambiente dos poderosos e assim angariou méritos capazes de catapultá-lo à condição de herói nacional, escrevendo seu nome nos anais da história. Por sua monumental contribuição à Justiça, Moro tem merecido reverências dos brasileiros. É ovacionado e aplaudido em público por onde passa. Homenageado nas ruas, retratado como exemplo a ser seguido, em qualquer protesto ou manifestação contra malfeitos. Assumiu a condição de uma unanimidade – rara numa sociedade marcada por desmandos e abusos de autoridades. Nessa estratosfera de um quase semideus não havia como prever que ele seria atingido por um míssil de acusações versando justamente sobre a sua atividade fim: a defesa do Estado de Direito, de maneira firme e intransigente como é de se esperar de um magistrado. Por palavras e atos, ele teria, mesmo que inadvertidamente, atravessado a linha que separa o legal do justo. Influenciado e dirigido investigações. Trocado informações indevidas com colegas da Procuradoria. Maculado o papel de independência cabível a um juiz. Ferido o devido rito processual.

 Essas acusações brotam de uma reportagem veiculada pelo site “The Intercept Brasil” que traz mensagens atribuídas ao ainda juiz Moro e ao procurador da força-tarefa na Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol. São, diga-se de passagem, diálogos extraídos de maneira criminosa, por tráfico ilegal no aplicativo de celular Telegram, que não podem servir de prova em tribunal algum por se tratar de interceptação sem mandado judicial, ferindo a privacidade de autoridades constituídas, em um grave atentado previsto na Constituição. Seria, portanto, inadmissível o uso de seu teor em qualquer eventual ação, muito embora detratores de Moro, de fora e de dentro das cortes legais, mesmo em instâncias superiores, sonhem com a ideia de penalizá-lo e as suas deliberações pelo desvio de conduta. 

Quanto às conversas, elas foram, de fato, no mínimo inapropriadas por envolver duas figuras públicas no pleno exercício de decisões judiciais. No pêndulo da Justiça, Moro oscilou da condição de referência à pária entre os colegas e reacendeu a discussão entre diversas cabeças pensantes do País sobre um antigo dilema humano que questiona se os fins justificam os meios. A resposta natural é não. Fora do primado das regras que orientam a Carta Magna e o Estado Democrático de Direito só restam anarquia e barbárie. Dito isso é preciso dar peso e medidas ao que está em jogo. Evoluir a discussão para a seara das perdas e danos. O diálogo entre Moro e Dallagnol sugere diversas interpretações, parte delas nada desabonadoras aos envolvidos. Em primeiro lugar, não existem ali tratativas ou um conluio de agentes forjando circunstâncias para engaiolar delinquentes a qualquer custo. Não são forças mancomunadas para o delito. Quando muito, se verifica uma proximidade de relações com o objetivo colaborativo. Não se pode desconsiderar o fato de os processos da Lava-Jato estarem solidamente fundamentados em provas. 

Não há indicação de que Moro e os promotores tenham buscado interferir nessa realidade fática dos documentos. Mesmo juízes apontam que ali nada se viu além da mera combinação de etapas operacionais, já previamente autorizadas e em andamento, que estavam a necessitar acertos de logística. O ministro do Supremo Luis Roberto Barroso afirmou, ao analisar a troca de mensagens divulgadas, que o fato incontornável é que a corrupção existiu e que precisa continuar a ser enfrentada como vinha sendo.  
“Tenho dificuldade em entender a euforia que tomou os corruptos e seus parceiros”.
No mesmo tom, o ex-presidente e sociólogo Fernando Henrique foi taxativo: “Houve comentários impróprios, mas o resto é tempestade em copo d’água”. No parecer predominante entre os especialistas em direito, se Moro e Dallagnol quebraram alguma norma de conduta — algo ainda a ser comprovado, no entender deles, dado que as frases dispersas colhidas até aqui apenas sugerem, não apontam cabalmente — serão passíveis de sanções pela corregedoria do CNJ. Nada além disso. Difícil diante de tantas evidências e do tsunami de práticas ilícitas, depoimentos e julgamentos em diversas instâncias que atestaram a roubalheira, que aconteça um retrocesso na Lava Jato desconsiderando o trabalho realizado até aqui. 

No caso do ex-presidente Lula, por exemplo, que tem novo julgamento na semana que vem em um festival de recursos sem fim, não existe nada nas conversas do promotor e do então juiz que o absolva das acusações. Condenado em três instâncias, inclusive pelo STJ, ele conseguiu amplo direito a defesa e encontra-se com os devidos processos já julgados e instruídos. No mundo jurídico é tida como ingênua a ideia de agentes da lei não conversarem em determinado momento sobre diligências e o modus operandi para executá-las. A troca de informações, mensagens e dúvidas ocorre na verdade de maneira corriqueira. Uma proximidade que, a depender do teor do que for tratado, pode despertar suspeitas. Em países como EUA, Itália e Portugal, para citar alguns casos, a figura do “juiz de instrução”, que trabalha com as partes para consolidar provas, é aceitável e até incentivada. Desde que amparada por ampla publicidade dos assuntos abordados. Por aqui não. Mas seria um modelo a avaliar. No episódio envolvendo Moro, muitos acreditam que por ora não é possível falar em ilegalidade e sim em comportamento inadequado, longe de macular a virtuosa operação. 

Por essa vertente de argumentos são lembrados casos considerados mais escabrosos e menos defensáveis – que estão a reclamar explicações faz algum tempo. Dentre eles, as gravações envolvendo o ministro do Supremo Gilmar Mendes e o então investigado senador Aécio Neves, que procurava ajuda, ficaram na memória popular. Bem como a cervejada do então Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, devidamente aparamentado de óculos escuros para não ser notado, com o advogado do empresário Joesley Batista, que foi atrás do presidente Temer para gravá-lo em conversas comprometedoras. Não menos estranhas foram as seguidas visitas dos advogados de Lula ao então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para tratativas que despertaram desconfianças.

O que esses episódios demonstram no conjunto é uma frágil fronteira das relações, costumeiramente atravessada com o risco de se extrapolar papéis pelo caminho. Em todas as esferas, registre-se, do STF à PGR, passando pelos demais tribunais. Moro, o personagem da hora, como alvo da bandidagem de hackers, foi entregue à forra daqueles que o querem ver pelas costas: políticos, advogados, magistrados, um cem número de inimigos que foram afetados, se incomodaram ou invejam o tamanho de suas realizações no âmbito da Lava Jato.

 Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três


terça-feira, 11 de junho de 2019

O que está em jogo - É preciso esclarecer quem tinha interesse em saber das conversas entre os membros da Operação Lava-Jato.


Mais uma vez estamos diante de um debate político que envolve questões jurídicas e morais, nessa longa e penosa luta contra a corrupção, que é o que está em jogo.  Os trechos das conversas entre o procurador Deltan Dallagnol e o ex-juiz Sergio Moro, e entre os procuradores da Lava Jato, no sistema aplicativo de mensagens Telegram foram conseguidos através de uma ação ilegal, e não servem de prova em praticamente lugar nenhum do mundo civilizado.

Temos o exemplo da operação Satiagraha, anulada porque se descobriu que as investigações usaram grampos ilegais.  A partir daí, a consequência prática não existe. A questão maior é a repercussão política, para reforçar a ideia de que Lula foi injustiçado, embora nas conversas não exista nada que o absolva das acusações.  No Brasil, juízes e ministros dos tribunais superiores conversam com as partes, e opinam fora dos autos. Ministros do Supremo, como Joaquim Barbosa no exercício da função, não recebem as partes. Outros, como a ministra Cármen Lúcia, recebem sempre na presença de uma testemunha. E há os que conversam com as partes sem maiores preocupações.

No caso, o ex-presidente Lula já foi condenado em três instâncias, inclusive no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Essas são as instâncias que podem corrigir eventual desvio no processo de julgamento. E quem pode julgar Moro, se for o caso, é a Corregedoria da Vara de Curitiba ou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os procuradores serão investigados pelo Conselho Nacional do Ministério Público. É preciso esclarecer quem tinha interesse em saber das conversas entre os membros da Operação Lava-Jato, e como invadiu os celulares dos Procuradores da Lava-Jato. Essa é a parte política do imbróglio, que merece especial atenção. Não há dúvida de que os setores interessados no fim da Lava Jato são beneficiados.

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, teve um problema semelhante quando presidia o STF. Uma varredura em seu gabinete convenceu-o de que estava sendo grampeado, e ele não teve dúvidas.  Foi ao então presidente Lula para exigir, em nome do Poder Judiciário, uma investigação do caso, que, aliás, nunca foi esclarecido, nem o áudio do grampo apareceu. Mas a gravidade do ataque ao Judiciário o mobilizou.  O que aconteceu com os procuradores é diferente do vazamento de delações premiadas que vem incomodando tanto ao ministro Gilmar Mendes e a outros ministros do Supremo.  As conversas obtidas por hackers fazem parte de uma etapa mais grave, de invasão de privacidade.

A Constituição é peremptória ao definir que provas ilegais são inadmissíveis em qualquer processo. O Código de Processo Penal diz que o juiz se torna suspeito, entre outras coisas, se “tiver aconselhado qualquer das partes”. O hoje ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro diz que não sugeriu nada. Apenas combinou com os Procuradores as etapas das operações que tinham que ser autorizadas por ele. Uma questão de logística.  Há uma corrente de criminalistas que entende que as provas ilegais podem ser usadas para defender o réu. Se elas demonstram a parcialidade do julgador, podem ajudar a soltar o condenado, que é o que querem para Lula. [nada fará voltar o tempo e anular os, até o momento, 14 meses e cinco dias de prisão que o celerado Lula já cumpriu e nem anulará as condenações posteriores que cairão sobre eles - já tem uma pendente.]

Mas é improvável que um criminalista aceite a tese contra seu cliente, se, por exemplo, houver uma gravação ilegal que prove sua culpa O Supremo, onde certamente chegará o caso, não pacificou ainda a jurisprudência. Tem decidido a favor da tese de que provas ilegais corrompem todo o processo, mas também, em alguns casos, aceita que elas possam ser usadas pela defesa, para corrigir uma eventual injustiça.  Em outro caso de grampo político, o de Joesley Batista na conversa com o ex-presidente Michel Temer, havia uma definição do STF. Qualquer das partes envolvidas pode gravar uma conversa sem a autorização da outra, o que não se confunde com a interceptação, que é o crime de que se trata.

Muitos juristas consideram que não há ilegalidade nas conversas, e o próprio “Intercept Brasil”, site que divulgou as conversas, diz que não há ilegalidade, mas imoralidade.  A questão moral é uma discussão mais ampla, difícil de se chegar a uma conclusão, pois cada ato se justifica moralmente, dependendo de que lado você está. Especialmente no combate à corrupção, em um país corroído por ela em todos os níveis institucionais.


Merval Pereira - O Globo


domingo, 8 de julho de 2018

As armas nas mãos delas - Acompanhamos dois dias de treinamento da 1ª turma de mulheres cadetes da Aman

Acompanhamos dois dias de treinamento da primeira turma de mulheres cadetes da Aman

A partir de agora, elas poderão chegar ao cargo mais alto do exército brasileiro

Inaugurada em 1944, em plena Segunda Guerra Mundial, a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende, preserva com orgulho suas tradições, algumas que remetem à Academia Real Militar, fundada no começo do século XIX. Uma delas acontece logo no primeiro passo dos cadetes dentro da instituição, com a abertura solene do “Portão Monumental”, realizada sempre pelo integrante mais jovem da turma. Este ano, no entanto, a cerimônia foi um pouco diferente: pela primeira vez, quem deu passagem para os colegas foi uma mulher, Emily Braz. Então com 17 anos, ela era a mais nova dos 443 cadetes que ingressaram na Aman em fevereiro de 2018. Entre eles, estavam 34 mulheres, as primeiras do país a poder seguir a carreira militar bélica. 


A cadete Tamara Diehl durante treinamento na Academia Militar das Agulhas Negras - Márcia Foletto / Agência O Globo


Com isso, elas passam a ter a chance de um dia alcançarem a patente mais alta da instituição (a de general de Exército, já que o título de marechal só existe em tempos de guerra) e, inclusive, de alcançarem o posto de Comandante do Exército, atualmente ocupado por Eduardo Villas Bôas. Emily sabe bem o peso disso. — Temos uma responsabilidade muito grande. Fazemos parte de um projeto, e tudo depende de nós para que ele dê certo — diz a cadete, enquanto participava de um treinamento de campo na Fazenda Boa Esperança, que fica dentro da área da Aman.

Na noite anterior, a turma do primeiro ano havia realizado uma instrução noturna, em que todos percorreram cerca de oito quilômetros a pé, com uma mochila que pesa cerca de 20 quilos e um capacete de quase dois quilos. Os últimos cadetes a completar a missão alcançaram o local de acampamento por volta de meia-noite e meia e se levantaram para a “alvorada” às 5h30, de onde seguiram para atividades como tiro de metralhadora calibre .50. Esse é apenas um — e nem de longe o mais puxado — de vários treinamentos que homens e mulheres precisam realizar até o fim do curso de quatro anos, que também inclui disciplinas teóricas como Geopolítica, Cibernética e Filosofia, em uma carga horária que soma nove mil horas.
— A mulher já faz parte do Exército há bastante tempo, mas em outras áreas. Agora, é a primeira vez que estamos formando uma oficial de carreira que vai para o combate. Nós as preparamos para os desafios que elas vão encarar quando chegarem aos corpos de tropa que vão liderar — explica o tenente-coronel Vitor Hugo Bergamaschi, comandante do curso básico da Aman.

Ele garante que o tratamento dado às mulheres é idêntico ao destinado aos homens. Mesmo em menor número, elas têm conseguido se destacar: na manhã daquele dia, a vez foi da cadete Tamara Diehl, de 18 anos, que recebeu uma menção positiva dos oficiais.
— Ontem, houve um obstáculo que não conseguia ultrapassar. Mas não desisti. Acho que mostrei a eles que eu realmente queria aquilo — diz Tamara, sobre o motivo do destaque.

Se o desempenho das mulheres tem impressionado positivamente os oficiais, ele não é tão inesperado assim. A entrada delas na Aman aconteceu após a realização de concurso público, em 2016, em que apenas 10% das vagas foram destinadas ao sexo feminino. Para chegar à academia, elas tiveram que superar 192 candidatas cada uma, contra uma relação candidato/vaga de 55 entre os homens. No momento em que visitamos a academia, uma das maiores promessas era a paranaense Milena Canestraro, de 20 anos, então a segunda mais bem colocada (entre ambos os sexos) da turma. Pentatleta, ela não é filha de militares, mas se viu atraída pela carreira após ingressar no Colégio Militar. É uma trajetória comum entre as cadetes: das 30 mulheres que permanecem no curso, 16 passaram pela instituição.
Nós somos o teste. Se não dermos certo, atrapalhamos todo o futuro das próximas gerações de mulheres que sonham em ser militares — diz Milena, sobre o pioneirismo da turma.

Além da necessidade de provarem a si mesmas, as cadetes também tiveram de lidar com a desconfiança dos rapazes. A ala reformada para o alojamento das meninas, nova em folha, chegou a despertar ciúmes num primeiro momento. — Muita gente olha diferente, subestima, mas elas estão lidando bem com isso, superando esses preconceitos e mostrando que são capazes — defende Filipi Lisboa, de 23 anos, colega delas na primeira turma mista.

Antes de ingressar na Aman, os aprovados no concurso de cadetes passam um ano na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), em Campinas. O ingresso das mulheres aconteceu por determinação da ex-presidente Dilma Rousseff, ainda em 2012. A lei sancionada deu cinco anos para a EsPCEx e a Aman se adequarem.
— As adaptações foram imensas e não incluíram apenas reformas na escola, mas mudanças na mentalidade — afirma o tenente-coronel Jean Lawand Júnior, comandante do Corpo de Alunos da EsPCEx. — Havia brincadeiras que fazíamos com os garotos que não poderíamos fazer com elas. Mas o impressionante é que elas eram as primeiras a não querer diferenciação. 

Lawand destaca que foram realizadas palestras entre alunos e oficiais para evitar casos de preconceito e assédio. Em caso de namoro entre eles, os cadetes devem informar o chefe de pelotão. E manifestações de afeto são proibidas dentro dos muros das instituições, seja entre cadetes ou oficiais. Carícias, só nas folgas.

Apesar do sucesso na integração, a inserção das mulheres no ensino bélico ainda é limitada. Quando chegam ao segundo ano, os cadetes escolhem a quais armas, quadros ou serviços pertencerão para o resto da carreira. Para elas haverá a opção de escolher entre os cursos de Intendência ou Material Bélico, ligados à logística do combate. A escolha de armas, como Infantaria e Cavalaria, ainda é restrita. Segundo o Exército, a decisão foi tomada após um estudo entre outros países que já tinham mulheres em suas forças.  — Preferimos um meio termo, para fazermos uma inserção mais leve e depois verificar como elas se portariam — conta Lawand.

Coautora de um estudo de dois anos sobre a presença das mulheres nas Forças Armadas, a pesquisadora do Instituto Igarapé Renata Giannini lembra que a atuação delas em todas as situações de combate já é permitida em diversos países, como Espanha, Suécia, Estados Unidos e Chile. A pesquisadora também comenta a inserção das mulheres em um cenário em que o Exército retorna ao centro do debate público, diante da intervenção federal no Rio de Janeiro:
— Historicamente, a entrada das mulheres no Exército se relaciona com a tentativa de melhorar a imagem da instituição. Foi da mesma forma no período da redemocratização, quando elas foram autorizadas a ingressar nos chamados corpos profissionais.
Para Lawand, a inserção de mulheres no quadro de combatentes pode beneficiar o relacionamento com civis: — O Exército americano já faz isso muito bem, ao empregá-las para lidar com a população. Digo isso não só em operações em favelas, mas em grandes eventos também.

Seja como for, a tijucana Maria Luísa Medella, de 22 anos, festeja ter nascido na época certa. Ela estava no sexto período da faculdade de Direito quando ficou sabendo que poderia ingressar na Aman. Não hesitou em largar o curso.  — Vejo tantas mulheres mais velhas que queriam ter tido essa oportunidade e não tiveram. Privilegiadas pode ser, sim, uma palavra para nos descrever.

O Globo