A começar da primeira-dama, cada um quer tirar um pedaço da proposta
Quando foi questionado pelo apresentador Danilo Gentili a respeito da
viabilidade da economia pretendida por Paulo Guedes com a reforma da
Previdência, de R$ 1 trilhão em dez anos, Jair Bolsonaro respondeu antes
com uma pausa, acompanhada de uma risada irônica. O que quer que
dissesse depois, estava dada a resposta. A proposta de emenda da reforma entrou na reta final de tramitação na
comissão especial da Câmara que analisa seu mérito. Depois de virar tema
de última hora da manifestação pró-governo do último domingo, a ideia é
que seja acelerada para chegar ao plenário ainda neste semestre.
A hora, portanto, é de todo mundo querer arrancar um pedaço do texto, de
modo a aliviar o sacrifício para esta ou aquela parcela da população. A começar pela família presidencial. Com orgulho incontido, Bolsonaro
disse nesta sexta-feira que a primeira-dama, Michelle, pediu, e ele
levou adiante, que os deficientes leves e moderados sejam tirados da
nova regra de pensão por morte, mais restritiva, proposta na reforma.
O impacto fiscal da retirada não é relevante. Mas é simbólico que o
presidente dê aval, antes de qualquer avaliação técnica, a um pedido
doméstico e o enderece diretamente ao Ministério da Economia, quando a
reforma já está nas mãos do Parlamento para ser emendada. Foram apresentadas mais de 270 emendas ao texto original do governo,
aquele cujo impacto foi previsto inicialmente em R$ 1 trilhão, e depois
revisto para R$ 1,2 trilhão. [Bolsonaro é vaidoso e ainda não se acostumou com o Poder;
nada impede que ele soubesse desde antes do pleito da primeira-dama, consultado o ministro Paulo Guedes, este concordado e Bolsonaro dado a resposta de público à primeira-dama.
Não devemos interpretar sempre os gestos do nosso presidente pelo lado de ser desinformado ou precipitado.]
Não se sabe quantas e quais dessas alterações serão incorporadas pelo
relator, Samuel Moreira (PSDB-SP), mas já é possível antecipar que itens
como o Benefício de Prestação Continuada e a aposentadoria rural devem
ser retirados da proposta, com impacto aí, sim, bastante expressivo
sobre o cômputo geral do impacto da reforma.
Outro dilema, de ordem mais política que imediatamente fiscal, se coloca
diante do relator: o de retirar ou não o artigo que estende
automaticamente a Estados e municípios as novas regras para os regimes
próprios de Previdência. Embora seja a solução que mais bem equaciona o
rombo fiscal dos entes federativos, a ideia é rechaçada por deputados e
senadores, que não querem ficar com o desgaste de aprovar medida
impopular para os servidores de suas bases eleitorais, poupando
governadores, prefeitos, deputados estaduais e vereadores de sua própria
cota de sacrifício.
Por fim, há o PL, expoente-raiz do auto-dissolvido Centrão, que
apresentou proposta alternativa lipoaspirando pela metade a reforma e
também sua economia, para algo como R$ 600 bilhões. É o projeto daqueles
que cultivam em privado o postulado tornado público por Paulinho da
Força: aprovar uma reforma que não seja robusta o suficiente para
garantir a reeleição de Bolsonaro.
Assim, entre pedidos domésticos e cálculos eleitorais, a reforma entra
em sua fase decisiva. O secretário especial da Previdência, Rogério
Marinho, mantém o discurso otimista. “A maioria da Casa introjetou a
necessidade da reforma e de que ela tenha um impacto fiscal relevante.
Claro que haverá uma adaptação, até porque este é o papel do Parlamento,
mas eventuais concessões serão compensadas de outra forma”, disse ele à
coluna.
Se no começo do ano a reforma era vista como o elixir para todos os
males do País, a estagnação mostrada pelos números mais recentes da
economia mostram que, mesmo com ela, a recuperação não será tão rápida
nem tão simples. Quanto mais ela for desidratada, no entanto, mais esse nó vai se
tornando difícil de desatar. Seria bom que, do presidente aos deputados,
todos se conscientizassem de que o momento não permite risos irônicos
nem cálculos cínicos de resultado eleitoral e se empenhassem em aprovar
uma reforma robusta e coerente.