Especialista
em Previdência com mais de uma centena de livros publicados e ainda
produzindo aos 79 anos, o advogado Wladimir Novaes Martinez diz que as
mudanças na pensão por morte do INSS são importantes para conter os
gastos previdenciários, mas insuficientes.
"Deveria acabar a aposentadoria por tempo de contribuição." Ele defende
que a exigência para a aposentadoria seja uma combinação de idade e
tempo de contribuição, em que a soma de ambos seja igual a 85, para a
mulher, ou 95, para o homem –a chamada fórmula 95.
Criado por ele em 1992, o índice retornou à discussão no Congresso, mas
com alterações que só aumentam o deficit da Previdência. Uma emenda à
medida provisória que alterou as regras da pensão estabelece que, se o
trabalhador atingir tal índice, poderia se aposentar sem a incidência do
fator. A fórmula de Martinez mantém o fator previdenciário e seria uma
medida para o adiamento do pedido de benefício, como ele explica nesta
entrevista à Folha.
Folha - A mudança nas regras da pensão por morte resolve o problema no caixa da Previdência?
Wladimir Novas Martinez -
Não, a economia será pequena. A Previdência precisaria de R$ 40
bilhões, R$ 60 bilhões. A economia que se terá com as mudanças baixou de
R$ 20 bilhões para R$ 16 bilhões, porque já houve um acordo no
Congresso. A medida foi correta, seguindo parâmetros internacionais, mas
deve causar alguma mudança na sociedade.
Como?
Há uma expectativa, nos casamentos em que um dos
cônjuges não trabalha, de que se ele morrer, deixará uma pensão para o
sustento da família. Não estou falando só de um Brasil antigo, isso
ainda existe. Não podemos pensar unicamente em São Paulo; pelo interior a
coisa muda de figura, tem muita gente vivendo assim. O que vai fazer
uma mulher que nunca trabalhou e que terá a pensão só por três anos?
Antes ela era doméstica, ou seja, do lar, e agora vai ser o quê?
Empregada doméstica? É uma ideia meio antiga, mas que não pode ser
ignorada. Pouca gente tratou disso.
Então não deveriam ter mexido na pensão?
A medida foi correta,
nossa pensão era uma maluquice. Só que o governo deveria ter discutido
antes, feito audiência pública. A MP, por exemplo, não acaba com a
pensão para quem casar de novo. Deveria ter acabado. Também não foi
colocado a coisa da dependência econômica. Se o cônjuge não era
economicamente dependente do trabalhador que morreu, não tem porque
receber pensão.
O governo também não mexeu na aposentadoria.
O governo não tem
coragem de acabar com a aposentadoria por tempo de contribuição, que é
um absurdo, outra maluquice, por causa dos efeitos políticos e
partidários. Aí criou o fator previdenciário, e agora falam da fórmula
95, que eu criei em 1992. Se uma pessoa começou a contribuir com 14
anos, como era possível anos atrás, com quantos anos vai se aposentar? E
quem vai pagar a aposentadoria dele esses anos todos? O país não tem
capacidade de criar riqueza para ter esse benefício.
Ou seja, sem limitador de idade, a aposentadoria por tempo de contribuição é concedida muito cedo.
Isso.
E o brasileiro está vivendo mais. Eu tenho 79 anos. Vinte anos atrás,
todo mundo morria com 70 anos. Tem um custo para manter essas
aposentadorias, e o empresariado não está disposto a manter isso, tem a
concorrência internacional, precisa vencer a China. Então como não tem
dinheiro, não tem como pagar por este benefício. Houve uma tentativa de
se diminuir a aposentadoria precoce com o fator previdenciário, que
entrou em vigor em 1999, mas não melhorou nada.
Da forma como é hoje, então, há dois problemas? O o aposentado
reclama do valor recebido, baixo devido ao fator previdenciário. Já o
governo tem um custo alto porque esse aposentado vai receber por
bastante tempo?
Claro. Uma aposentadoria aos 53 anos é muito
precoce. No mundo inteiro não é assim, as pessoas se aposentam com 65
anos. Na França, já passou para 67 anos.
Mas há resistência contra medidas que adiem a aposentadoria, e o trabalhador pede o benefício assim que tem direito a ele.
Ninguém
fala o porquê de o trabalhador continuar se aposentando cedo. Quem tem
previdência complementar pode se aposentar cedo, porque terá
complementação de renda. Quem não tem fundo precisa se aposentar mais
tarde para receber um valor maior. O problema é que o trabalhador mais
velho começa a ter mais gastos -com cuidados médicos, novos tecnologias
que não existiam antes, novos produtos etc.- e vê a aposentadoria como
um complemento de renda. Se aposenta e continua trabalhando.
Em
países desenvolvidos, quem se aposenta para de trabalhar porque o que
recebe mantém o padrão de vida. E mesmo que o benefício seja menor que o
salário, o Estado oferece muita coisa para o aposentado, como
tratamento médico gratuito.
Não há uma forma de se garantir isso?
Claro que há, mas desde
que houvesse uma preocupação das pessoas e do Estado em carrear
recursos. Os autônomos, por exemplo, não contribuem à Previdência sobre o
total de sua remuneração, ou pelo teto da Previdência? Dou uma aula
sobre direito previdenciário para advogados, e há cem pessoas na sala.
Quando pergunto quem paga o INSS, só 40 levantam a mão. Destes, 35
contribuem sobre o salário mínimo. Os cinco que pagam mais que o piso
são os mais velhos, que precisam elevar a contribuição para fins de
aposentadoria. Os autônomos, os empresários, estão fugindo da
previdência pública e estão entrando na previdência complementar.
Qual seria a idade-limite para conceder o benefício sem prejudicar as contas?
Com
tendência a subir nos próximos anos, 65 anos para o homem e 60 anos
para a mulher, com aposentadoria integral. E subir para 66 daqui dois
anos, para 67 daqui a quatro e assim por diante, e ir aumentando
enquanto a expectativa de vida aumentar. E se a expectativa de vida
diminuir, o que pode acontecer, você diminui a essa idade mínima.
O sr. propõe a fórmula 85/95 para elevar a idade ao se aposentar, e
que voltou à discussão com as mudanças na pensão. Só que os deputados
discutem a fórmula 85/95 sem acabar com o modelo atual, mantendo a opção
do trabalhador continuar se aposentando cedo. A única alteração é a
garantia da aposentadoria integral caso a soma 85/95 fosse atingida.
E
não resolve nada, porque possibilita a aposentadoria de quem não
atingir o índice. Na minha proposta não há tempo mínimo de contribuição.
Mas para ter direito à aposentadoria é preciso ter soma 85, para
mulher, e 95, para homem. Uma pessoa que começou a trabalhar formalmente
aos 16 anos, terá 40 anos de contribuição aos 56 anos de idade e já
poderá se aposentar. Vai receber por bastante tempo do INSS, mas também
contribuiu por bastante tempo. Outro que começou a contribuir aos 35
anos, atingirá a fórmula aos 65 anos. Terá contribuído por apenas 30
anos, menos que o outro, mas vai receber do INSS por menos tempo. Você
pode variar a idade e o tempo de contribuição, o importante é que se
chegue ao índice.
Quem começou a contribuir cedo e vai se aposentar
logo, que leve ao INSS um tempo maior de contribuição. O pressuposto
dessa fórmula é não causar prejuízo para o sistema. Eu criei a fórmula
em 1992 e sugeri isso ao Ministério da Previdência em 2003. Como a
expectativa de vida aumentou, já estou pensando em fórmula 95/105, em
vez de 95, mas isso ainda é uma ideia.