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quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Mutilação genital feminina e a loucura suicida do multiculturalismo

Os advogados de defesa de dois médicos de Michigan, naturais da Índia e uma de suas esposas, que foram indiciados pelo júri em 22 de abril e acusados de mutilar os órgãos genitais de duas meninas de sete anos, pretendem apresentar o argumento de liberdade religiosa na representação de seus clientes muçulmanos.

Os réus são membros da Dawoodi Bohra, uma seita islâmica de sua terra natal. Na esfera federal, sendo este o primeiro caso desde que a mutilação genital feminina (FGM em inglês) foi proibida em 1996, a defesa afirma que a prática é um ritual religioso e, portanto, deve ser protegido pela lei dos Estados Unidos.

A petição revela involuntariamente as falsas alegações feitas por proeminentes muçulmanos – como o estudioso/apresentador de TV iraniano/americano Reza Aslan e a ativista palestina/americana Linda Sarsour, que insistem que a FGM não é “uma prática islâmica”.

A mutilação genital feminina, também conhecida como circuncisão feminina, é o corte ou a remoção do clitóris e/ou da lábia, como forma de eliminar o desejo e o prazer sexual de uma menina, garantir que ela seja virgem até o casamento e permanecer fiel ao seu marido. De acordo com a Organização Mundial da Saúde:
A FGM não traz benefícios à saúde, além de causar danos às meninas e mulheres de diversas maneiras. A prática significa remover e lesar o saudável e normal tecido genital feminino, interferindo com as funções naturais dos corpos das meninas e das mulheres. De modo geral os riscos aumentam quanto maior for a severidade do procedimento.

Os procedimentos são realizados, na maioria das vezes, em meninas que estão entre a infância e a adolescência, ocasionalmente em mulheres adultas. Estima-se que haja mais de 3 milhões de meninas em risco de sofrerem a FGM por ano. Mais de 200 milhões de meninas e mulheres vivas hoje foram mutiladas em 30 países da África, Oriente Médio e Ásia, onde se concentra a FGM.

O influxo de imigrantes e refugiados dessas regiões do planeta para países ocidentais teve como consequência um aumento dramático e perigoso da FGM na Europa, Grã-Bretanha e Estados Unidos. De acordo com as estatísticas do Serviço Nacional de Saúde, pelo menos uma menina a cada hora está sujeita a este procedimento agonizante somente no Reino Unido – e já faz quase 30 anos que a prática lá é ilegal.

Concomitantemente, um Relatório da Comissão Europeia revelou que cerca de 500 mil mulheres na Europa foram submetidas à FGM, muitas outras correm o risco de serem forçadas a se submeterem a ela. Na Alemanha, por exemplo, foi inaugurada uma clínica em 2013 para fornecer tratamento físico e psicológico às vítimas do procedimento, cerca de 50 mil mulheres passaram pelo procedimento, sendo cerca de 20 mil em Berlim. Chamado de Desert Flower Center, o empreendimento foi encabeçado e financiado pela supermodelo/atriz natural da Somália Waris Dirie, proeminente ativista anti-FGM.

Em 15 de maio, na esteira do caso dos médicos da FGM em Michigan, a Câmara dos Deputados de Minnesota e o Senado de Michigan aprovaram uma legislação que estenderá aos estados as leis federais anti-FGM existentes aos pais de meninas que foram sujeitas ao ritual. Afinal de contas, são as mães e os pais que forçam as filhas a se submeterem ao ritual – como no caso da autora somali, Ayaan Hirsi Ali, foi a sua avó.

Em uma entrevista concedida ao Evening Standard, do Reino Unido em 2013, Hirsi Ali – ex-muçulmana que renegou sua fé e se tornou uma crítica que não faz rodeios quando se trata do Islã e da Lei Islâmica (Sharia), principalmente quando afeta as mulheres – explicou porque tem sido tão difícil processar membros da família envolvidos na FGM:
“Passei por isso aos cinco anos de idade e 10 anos mais tarde, mesmo 20 anos mais tarde, eu não teria testemunhado contra meus pais”, ressaltou ela. “É uma questão psicológica. As pessoas que estão fazendo isso são pais, mães, avós, tias. Nenhuma menininha vai mandá-los para a prisão. Como viver com uma culpa dessas?”

O problema maior, no entanto – que deve ser abordado juntamente com a legislação – abrange o multiculturalismo ocidental que enlouqueceu. Tomemos por exemplo a decisão por parte da editora da coluna Ciência e Saúde, Celia Dugger do New York Times, em abril, de parar de usar o termo “mutilação genital feminina”, alegando que ele está “culturalmente carregado”.
“Há um abismo entre os defensores ocidentais (e alguns africanos) que fazem campanha contra a prática e as pessoas que seguem o rito, eu senti que o linguajar utilizado ampliou ainda mais esse abismo”, salientou ela.

A FGM não é um crime menos estarrecedor do que o estupro ou a escravidão, no entanto as autoproclamadas feministas no Ocidenteincluindo muçulmanas como Linda Sarsour e ativistas não muçulmanas se engajam em uma cruzada contra a “islamofobia” – silenciam quando se trata de práticas bárbaras ou negam sua conexão com o Islã. Será que elas também apoiam a escravidão, outra prática respaldada pelo Islã, ainda praticada hoje na Arábia Saudita, Líbia, Mauritânia e Sudão, bem como pelo Estado Islâmico e pelo Boko Haram?

É por isso que a legislação anti-FGM, por mais crucial que seja, é insuficiente. Chegou a hora de estar vigilante não só contra praticantes e pais, mas também para expor e desacreditar qualquer um que tente proteger essa brutalidade.

Khadija Khan é jornalista e comentarista paquistanesa, atualmente radicada na Alemanha.
Publicado no site do Gatestone Institute https://pt.gatestoneinstitute.org
Tradução: Joseph Skilnik

domingo, 22 de novembro de 2015

O mundo encolheu


À parte as vítimas e os estragos que espalha pelo caminho, o terrorismo produz uma mensagem


Bamako não tem Torre Eiffel nem Louvre, Arco do Triunfo ou Praça da Bastilha. As luzes que funcionam na capital do Mali em nada evocam a joie de vivre associada à antiga metrópole. Um dos cartões-postais da cidade africana é um massudo Monumento da Paz — horrendo arco branco estilizado em forma de duas mãos que seguram um globo terrestre.

Na manhã desta sexta feira, uma semana após os atentados múltiplos em Paris, a enorme pomba branca que encima o monumento turístico de Bamako voltou a falhar. Com a irrupção armada de terroristas no hotel cosmopolita Radisson Blu de Bamako, o mundo pareceu ter encolhido ainda mais. Fossem outros os tempos, é possível, senão provável, que esse último atentado ficasse relegado ao noticiário menos nobre. Com pouco mais de cem mil visitantes estrangeiros por ano, o Mali tem presença quase clandestina em folhetos turísticos populares, enquanto a França, campeoníssima mundial no quesito, registra quase 85 milhões de visitantes/ano.

Apesar de já ter sido berço orgulhoso de uma civilização antiga, o Mali e suas 26 etnias foram tantas vezes atacados, conquistados, abandonados e reconquistados que incautos costumam passar ao largo. O último grande solavanco ocorrera em 2013, quando rebeldes tuaregues e radicais islâmicos afiliados à al-Qaeda assumiram o controle da metade norte do país. Batizaram de Azaad o território conquistado, declararam-no Estado independente e impuseram obediência absoluta à lei da sharia, banindo da vida a música, a televisão e outras infidelidades ocidentais. Só não estabeleceram o primeiro poder terrorista no coração da África porque o governo de Bamako pediu ajuda a Paris, e tropas francesas enxotaram os rebeldes.

Enxotaram, porém não eliminaram, e a revanche ficou na incubadora — é vasto o vivedouro de bandidagem, terrorismo e tráfico de armas em que se transformou a região do Sahel desde a derrubada do ditador líbio Muamar Kadafi. A mera listagem dos grupos terroristas em atividade na região e dos subgrupos com capacidade operacional e lideranças conhecidas ocuparia parte deste espaço. Ademais, as filiações dessa miríade de células com organizações de porte como o Estado Islâmico (EI), al-Qaeda ou Boko Haram são cambiantes. Daí ser temerário apontar desde já uma lógica entre os atentados dos últimos dias.

Para os serviços de inteligência mundiais, ainda mais arriscado é distinguir bazófia de perigo real nas recentes ameaças terroristas disseminadas nas redes sociais. O poder do terror reside justamente nisso: fazer crer que ele é capaz do impossível. Como já se escreveu aqui em ocasião anterior, ao contrário de outros “ismos” como marxismo, budismo ou nacionalismo, o terrorismo não está atrelado a um corpo de crenças ou sistema de ideias. Definido como ato de violência organizada contra civis, cabe a pergunta paralela: ele é da família dos meios ou dos fins?

Para o pesquisador francês François-Bernard Huyghe, o terrorismo é a exceção e o exemplo. À parte as vítimas e os estragos que espalha pelo caminho, o terrorismo produz uma mensagem. É a propaganda através do ato, ou a pedagogia através do assassinato. No fundo, a bomba caseira que explodiu na ruela medieval por onde passava Napoleão no Natal de 1800 tinha elementos semelhantes aos de um atentado de hoje numa rua de Paris ou Bamako. A diferença abissal é que lá atrás não havia mídia. Hoje há mídia social. E como já prenunciara Marshall McLuhan, o guru fashion dos anos 60, depois de acompanhar a primeira cobertura mundial de um atentado (o massacre de atletas israelenses nos Jogos de Munique em 1972), “o satélite vai espalhar a paranoia terrorista mundo afora e aperfeiçoar os atos de violência”.

Desde o atentado às Torres Gêmeas em 2001, a paranoia está instalada. Deixou de ser paranoia. É pânico, medo. “Temos medo de entrar num avião. Temos medo de determinados países. Determinadas religiões. Temos medo de navios cargueiros, cartas e pacotes, comidas importadas. No fundo, temos medo de tudo que está à nossa volta”, já constatara tempos atrás o primeiro-ministro da Malásia, Mahathir bin Mohamad.

Hoje, por força da situação de alto risco, governos colaboram involuntariamente com o terror ao fabricarem o medo preventivo. A fronteira entre criar pânico e proteger a população é crítica e complexa. Em 2003, o Ministério do Interior britânico teve de recolher às pressas um documento de 35 páginas, meia hora após sua distribuição, pois o alerta falava em agentes da al-Qaeda se infiltrando em cidades da Inglaterra através de botes e trens, com armas nucleares caseiras e gás venenoso. Outro documento divulgado pelo governo da época mencionava planos terroristas de ataque aéreo contra o Castelo de Windsor, da rainha da Inglaterra. Nos Estados Unidos, o ar de túneis e galerias de metrô já chegou a ser testado para detectar eventual contaminação. O leite e alimentos frescos, também.

A irlandesa Louise Richardson, ex- professora de Harvard e recém-indicada vice-presidente da Universidade de Oxford, deu uma contribuição relevante ao debate com o estudo “O que querem os terroristas: compreendendo o inimigo, contendo a ameaça”, publicado em 2006. Rejeitando a noção generalizada de que “compreender e explicar o terrorismo significa simpatizar com sua causa”, ela trabalhou em cima de um leque de características que atribui ao terrorismo. Algumas delas:
— ter inspiração política e visar à população civil;
— ter por imperativo a violência física (o ciberterrorismo seria apenas acessório);
— suas vítimas não serem as mesmas que a audiência pretendida;
— ter por propósito a disseminação da mensagem, não a derrota do inimigo;
— terroristas são mais fracos do que seus inimigos, por isso recorrem ao terror;
— exceções à parte, atentados são praticados por grupos, não por estados.

Até hoje um dos paradoxos clássicos do terror consistia em proliferar em todos os cantos, não triunfar em lugar algum e renascer sempre. Nem mesmo a autoproclamação física e territorial do Estado Islâmico e seu corolário de matanças em escala planetária altera esse paradoxo. Apenas o exacerbam.

Como ficou patente no atentado de Bamako, é mais fácil enxotar terroristas de um território conquistado do que eliminar suas raízes.

Por: Dorrit Harazim,  jornalista - O Globo

domingo, 8 de março de 2015

Líder do Boko Haram jura lealdade ao califado do Estado Islâmico - DECAPITAÇÃO EM MASSA

O áudio, cuja voz pode ser do próprio Shekau, foi divulgado no Twitter do Boko Haram

O líder do grupo islâmico nigeriano Boko Haram, Abubakar Shekau, jurou lealdade ao grupo Estado Islâmico (EI), revela uma mensagem de áudio divulgada neste sábado. "Anunciamos nossa lealdade ao califa dos muçulmanos, Ibrahim", diz uma voz na mensagem, em referência ao líder do EI, Abu Bakr al Bagdadi.

Rebeldes do grupo islamita Boko Haram mataram 68 pessoas, incluindo crianças, em um massacre na aldeia nigeriana de Njaba (nordeste), informaram nesta quinta-feira testemunhas e membros de grupos de autodefesa.

"Participei na contagem de corpos. Sessenta e oito pessoas morreram", declarou Muminu Haruna, de 42 anos, que disse ter escapado de outro ataque do Boko Haram na terça-feira. 

 
VÍDEO: DECAPITAÇÃO - CENAS FORTES

 

domingo, 1 de fevereiro de 2015

É preciso evitar a intolerância religiosa no Brasil

País da convivência íntima entre casa-grande e senzala tem registrado episódios de perseguições que não condizem com tradição 

O radicalismo religioso está na raiz de boa parte das más notícias que, infelizmente, abriram 2015. O mundo se chocou no primeiro mês do ano com o atentado ao “Charlie Hebdo”, em Paris; a execução de reféns do Estado Islâmico; e a destruição da cidade de Baga, na Nigéria — mais uma ação do Boko Haram, na qual teriam morrido duas mil pessoas. São casos de extrema violência que brasileiros repudiam da mesma forma que americanos e europeus. [apesar do nosso repúdio ao terrorismo - inclusive nos orgulhamos de ter combatido tal praga no Brasil, na década de 70 - não entendemos justo comparar os mortos pelo Estado Islâmico e Boko Haram aos do Charlie Hebdo. Mesmo não considerando correto o assassinato de jornalistas do semanário francês, ressaltamos que estes fizeram a escolha ao exercitar humor desrespeitoso a uma religião que tem entre seus seguidores fanáticos.
Já as vítimas do Boko Haram e Estado Islâmico são inocentes  que não escolheram praticar atos que poderiam causar reações violentas. Optaram por desrespeitar a fé dos outros, mesmo sabedores que tal comportamento poderia despertar reações violentas.]

No caso brasileiro, no entanto, a reação vem junto com a percepção de que é pequena a possibilidade de que conflitos de fundo religioso venham a causar estragos da mesma dimensão. E, de fato, no Brasil, as inaceitáveis manifestações de intolerância não resultaram em tragédias comparáveis ao que acontece pelo mundo. Mas convém não confiar no histórico nacional de acomodação de diferenças, do qual o sincretismo religioso é exemplo. O país da convivência íntima entre casa-grande e senzala tem registrado episódios de perseguições a segmentos religiosos que não condizem com a tradição de manter os conflitos dentro do limite administrável. 

A intolerância já tentou censurar até manifestações culturais que são forte elemento da identidade nacional. Recentemente, um grupo de músicos da Estação Primeira de Mangueira, em atitude aplaudida nas redes sociais, recusou-se a atender ao pedido de uma emissora de TV para omitir a palavra orixás ao cantar o samba-enredo. [não podemos confundir religião com manifestação cultural, especialmente para divulgar seitas como se fossem cultura.] Ora, como dissociar as religiões afro-brasileiras do ritmo que é marca da brasilidade? Era uma mãe de santo, a lendária Tia Ciata, que abrigava as reuniões de sambistas em sua casa na Praça Onze no início do século passado, quando eles eram perseguidos pela polícia. Na origem, componentes de bateria tocavam atabaques em terreiros de candomblé. Não há como, de uma hora para outra, simplesmente ignorar herança tão forte.

A sociedade se mobiliza para evitar o pior. Representantes de diversas crenças organizam juntos passeatas na orla exigindo respeito a todas as religiões e dando o exemplo de que, diferenças à parte, é possível agir em conjunto. Reunidos na ABI para tratar do assunto, na semana passada, líderes espirituais cobraram do governo a criação de um Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Representantes da comunidade muçulmana participam do movimento com especial interesse. Depois do atentado ao “Charlie Hebdo”, eles estão preocupados com a associação de sua crença à violência e a possibilidade de as fiéis sofrerem hostilidades nas ruas por serem facilmente identificadas por causa do véu.

Estão certos em cobrar providências enquanto a intolerância não alimenta tragédias. Se na questão da água tivesse havido ação preventiva do governo e da sociedade, o drama da seca não teria chegado a tal ponto. Vale a lição.

Fonte: Editorial - O Globo
 

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A morte de 17 franceses vale mais que a de 2.000 nigerianos? A liberdade de imprensa é absoluta?



Trataremos de assuntos extremamente delicados e controversos onde a esfera racional por variados instantes cede espaço para que a esfera da emoção se faça prevalecer. Até para nós, estudiosos do direito, há inelutável dificuldade para se emprestar uma análise cognitiva que se mostre satisfativa. O artigo divide-se em duas temáticas distintas, mas complementares.

Neste momento é que os métodos de Alexy e Dworkin parecem falhos, quando inferimos a necessidade de sopesarmos, ponderarmos bens tuteláveis de tão expressivo valor e realidades, mas o direito não pode se acabrunhar e deve viabilizar uma decisão interpretativa que na maior medida possível mostre-se aproximada da justiça e da equidade.  Pelo menos 400 pessoas morreram na Nigéria em um novo ataque supostamente cometido pela seita radical islâmica Boko Haram no estado de Borno, no norte da Nigéria nos primeiros meses de 2014. Você que leu esta notícia hoje, lembra de tê-la visto nos noticiários? Lembra-se, por quantos dias? Com que perplexidade?

Pois no final da 2ª quinzena de janeiro de 2015 (dia 12), a Organização Humanitária Anistia Internacional calcula que cerca de 2.000 pessoas foram chacinadas pela mesma seita de extremistas islâmicos que teriam assumido o controle de Baga e arredores há 15 dias. Pergunto: Você leitor, teve conhecimento deste fato? Quantas vezes já ouviram ou leram nos noticiários? O mundo está reunindo-se em alguma marcha histórica que reunirá 3,7 milhões de pessoas pelas vidas dos Nigerianos massacrados?

Em outro hemisfério, com outra visibilidade, com outra perspectiva de “comoção mundial”, desta vez na França, 17 mortos, entre eles as 12 pessoas que morreram em um atentado contra a sede do jornal "Charlie Hebdo", este a mais de uma semana tomou conta dos noticiários do mundo, que participou de uma marcha histórica que reuniu grande parte dos principais representantes de Estados e de Governos de todo o ocidente em um verdadeiro “tsunami humano” que tomou conta das ruas de Paris.

Neste momento, sem qualquer grão de hipocrisia, mas de certa forma impactado pelas perspectivas humanas de valor, perguntemos: Franceses valem mais que nigerianos? A morte de dezessete franceses causa maior revolta, repulsa e comoção que a morte de 2000 nigerianos? A morte de brancos europeus é mais dolorosa que a morte de negros africanos?

Estas perguntas deixamos com o fim de provocar uma autorreflexão de nossas representações neste mundo, de nossas diferenças, importâncias e prioridades. Mensuremos nosso potencial para produzirmos hipocrisias em nossas relações humanas e o valor que atribuímos aos humanos, negros, brancos, amarelos ou da cor de pelé que representemos aos olhos do mundo. Será que somos capazes de conscientemente tarifarmos a vida humana pela cor, Estado, fé religiosa ou cultura que representamos?

Já articulamos a respeito deste trágico e lamentável acontecimento ocorrido em território francês, artigo publicado em diversos meios: “A hostil relação entre o terrorismo e as liberdades de expressão democráticas: algumas inferências pontuais”. No artigo tivemos a oportunidade de assentar por outras palavras, que liberdade só é possível de ser atribuída se acompanhada de responsabilidade. Liberdade irresponsável é anarquia e não Estado Democrático de Direito. Assim, devemos assentar que liberdade é um valor relativo e não absoluto, e por isso deve ser sopesado com outros valores que estejam em conflito, para extrairmos o máximo de cada um evitando-se o aniquilamento do outro, aí incluindo-se a liberdade de expressão. Esta, uma visão neoconstitucionalista que ilumina a ciência do Direito Constitucional contemporâneo.

Ao analisarmos boa parcela das charges do jornal "Charlie Hebdo", que teve 12 de seus chargistas brutalmente assassinados, percebemos que muitas destas charges não cumprem o seu papel de promover uma ironia política de bom gosto, ao contrário, muitas delas são grosseiras, de menor potencial criativo e apenas promovem de forma tosca uma violência emocional absolutamente desnecessária.

Aqui não se quer defender a reação absolutamente desproporcional dos extremistas islâmicos, ao contrário, desta reação há que se ter o maior repúdio. Aqui se assenta que, a liberdade de expressão “à priori” é de fato livre, (com o perdão da redundância), mas quando tomada pelo excesso capaz de promover dano sem fundamento razoável em qualquer de suas formas, deve sim, ser responsabilizada na medida de seu excesso. Censura jamais, responsabilidade sempre, que entendamos seus limites.

Talvez, se no passado o Estado Francês houvesse responsabilizado o jornal "Charlie Hebdo" por seus excessos costumeiros absolutamente despropositados e de gosto duvidoso, este absurdo promovido pelos extremistas não houvesse sido praticado, apenas a título de mera suposição, conjeturando. Não estamos aqui culpando como responsável direto o Estado francês por uma reação tão desproporcional de uma fé extremista, mas pode de certa forma haver contribuído para o resultado absolutamente lamentável que prosperou.

Lembremos para finalizar que, para cultura Muçulmana, precipuamente aos extremistas muçulmanos, a vida e a morte possuem outros significados que os atribuídos no seio das culturas ocidentais, em boa parte catequizada pela fé Cristã. Aos muçulmanos (significado: aqueles que se submetem a Alá), o Islã prevalecerá sobre a terra, os extremistas acreditam que a realização da profecia do Islã e seu domínio sobre todo o mundo, como descrito no Corão, é para os nossos dias. Cada vitória de um extremista Muçulmano convence milhões de muçulmanos moderados a se tornarem extremistas. Matar e morrer por Alá, para os extremistas do Islã, é sinal de um poder absoluto que passam a ostentar para um posterior descanso no paraíso do além-vida.

Cultura absolutamente estranha e doentia aos olhos do ocidente, mas que está incrustada na cultura religiosa dos mais ortodoxos do Islã, que recebem já durante nos primeiros anos da infância uma verdadeira lavagem cerebral de uma doutrina desviada do que pregam os bons praticantes do Islã. Nesta absoluta discrepância do entendimento de vida e morte que carregamos e que os extremistas muçulmanos carregam, que deveríamos, se não por respeito ao que nos parece absolutamente doentio e desviado da boa fé, por questão de segurança dos não praticantes do Islã, abdicarmos de satirizar o que para eles é intocável. Senão por respeito, por inteligência.

Fonte: Leonardo Sarmento - Professor constitucionalista   •   Rio de Janeiro (RJ)   JUS BRASIL