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domingo, 18 de janeiro de 2015

De Figueiredo@org para Dilma@gov

Outro dia, um puxa-saco disse que resolvi não subir no meu próprio pedestal. 

Coisa de puxa-saco, mas talvez tenha razão, porque sei que me deixei levar pelo temperamento

Senhora,
Não gosto do seu governo, como vosmecê não gosta do meu. Quando eu assumi a Presidência, em 1979, meus serviços de informações acompanhavam seus passos. A senhora tinha 32 anos, saíra da cadeia, passara pela Universidade de Campinas, perdera um emprego em Porto Alegre e continuava militando na esquerda.

O SNI dizia que estava metida com uma tal de Junta de Coordenação Revolucionária. Veja como são as coisas que nos contam, a ameaça dessa JCR, à qual estaria ligado também o Fernando Henrique Cardoso, era um delírio de meia dúzia de generais. Volto a escrever-lhe sobre nosso temperamento explosivo (só eu, a senhora e o maluco do Jânio Quadros tivemos essa característica).

Desta vez, falarei da explosão que tive nas 24 horas seguintes à manhã de quinta-feira, 14 de março de 1985. Daqui a pouco completam-se 30 anos desses acontecimentos, e acredito que essa memória tenha alguma utilidade para a senhora. Eu havia bloqueado a campanha de Paulo Maluf à minha sucessão, e Tancredo Neves elegera-se pelo voto indireto. Tomaria posse na manhã de sexta-feira, dia 15. Seria o primeiro presidente civil depois de cinco generais.

Eu sabia que o Tancredo estava doente. Ao final da manhã, soube que ele precisaria ser operado depois de tomar posse. As coisas se aceleraram, e, na noite de quinta-feira, ele foi levado às pressas, de pijama, para o Hospital de Base de Brasília. A quem eu entregaria a faixa na manhã seguinte? Ao José Sarney?  Nem morto, pois detestava-o. Poderia transferir o cargo ao meu vice, o Aureliano Chaves, mas aí a coisa ficava pior, pois detestava-o ainda mais. Depois eu soube que o Aureliano estava pronto para sair no braço comigo caso eu lhe fizesse alguma descortesia durante a cerimônia. Duvido.

Decidi que não entregaria faixa nenhuma. Ia-me embora do Palácio e saí pela porta lateral. Senhora, ouvi meu fígado e arruinei a lembrança que os brasileiros têm de mim.
Nenhum dos meus colaboradores chamou-me num canto para dizer que estava cometendo uma maluquice. Conto-lhe isso porque a senhora sabe quantas vezes lhe faltaram vozes para recolocá-la no caminho da razão. A gente explode, todo mundo fica calado, e depois ficamos com a conta.

Imagine que alguém tivesse corrido o risco de me desafiar. Talvez eu tivesse cedido. Disso resultaria a cena do quinto general entregando a faixa ao Sarney. Seria o indiscutível coroamento da abertura política. Fui o presidente que assinou a maior anistia da História nacional. Presidi com lisura a eleição direta dos governadores. Leonel Brizola ganhou no Rio; Franco Montoro, em São Paulo; e Tancredo, em Minas. Encerrei o ciclo de presidentes militares entregando o poder a um político que militava na oposição.

Quem fez isso? Em ponto menor, só o Floriano Peixoto em 1894, mas outro dia ele me disse que não tinha pelo Prudente de Morais o apreço que eu tinha pelo Tancredo.
Daqui a dois meses, todo mundo lembrará a posse do Sarney, o fim da ditadura e o general que saiu pela porta lateral do Palácio. É a vida, e eu não posso culpar ninguém pela minha decisão.

Outro dia, um puxa-saco disse que resolvi não subir no meu próprio pedestal. Coisa de puxa-saco, mas ele talvez tenha razão, porque eu sei que me deixei levar pelo temperamento.

Recomendo-me ao seu neto Gabriel e despeço-me.

João Baptista Figueiredo

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