Projeto de lei prevê até 17 salários e aumenta
benefícios a juízes
Texto em
análise no STF cria bônus por produtividade, dois salários extras nas férias e
20 tipos de indenizações
Uma
proposta para a nova Lei Orgânica da Magistratura (Loman), em análise do Supremo Tribunal
Federal, prevê
até 17 salários anuais e
assegura a todos os juízes brasileiros
20 benefícios que hoje só existem, dispersamente,
em tribunais estaduais. Depois de analisado pelo STF, o texto vai a votação no
Congresso. Caso seja aprovado em seu formato atual, a nova Loman vai multiplicar os já altos salários da categoria. Levantamento
de ÉPOCA revelou que as médias reais de rendimentos de juízes e
promotores estaduais ultrapassam o teto constitucional de R$ 33.763 e chegam a
R$ 41.802 e R$ 40.853 mensais, respectivamente. O que faz a diferença entre os subsídios básicos – que variam de R$ 24.818 mil a R$ 30.471 –
são justamente as gratificações, abonos e indenizações.
A nova lei estende esses benefícios a todos os juízes do país.
Por sua
natureza jurídica (ressarcir despesas
geradas por trabalho), as indenizações não estão
sujeitas ao limite estabelecido pela Constituição nem ao Imposto de
Renda. É a saída para ultrapassar
o teto legalmente e obter
reajustes sem depender do aumento do salário do STF, ao qual estão
vinculados pelo efeito em cascata do Judiciário. Aprovada, a nova Loman beneficiará os 16.400 magistrados estaduais
e federais do país. Em um segundo momento, membros de todos os Ministérios Públicos também terão direito aos
benefícios, por “simetria” da
função.
Enquanto
a lei atual permite dez indenizações, o novo texto da Loman garante
o direito a 21 benefícios. Também elimina uma
restrição da lei atual, de 1979, que veda a “concessão de adicionais ou vantagens pecuniárias não previstas na
presente lei”. Assim, cria a possibilidade de os magistrados receberem
outras vantagens, “inclusive aquelas
concedidas ao Ministério Público e aos servidores públicos que não sejam
excluídas pelo Regime Jurídico da Magistratura”.
A minuta do projeto, de
atribuição do STF, foi
elaborada por uma comissão composta pelos ministros Luiz Fux, Ricardo
Lewandowski e Gilmar Mendes e será debatida pelos 11 ministros do STF antes de
ser enviada ao Congresso Nacional – ainda não há previsão de datas.
Até 17 salários anuais
Entre
as mudanças está o aumento do valor do auxílio-moradia, dos R$ 4.377
atuais para 20% do subsídio – variando de R$ 4.963 a R$ 6.094 mensais, no caso dos desembargadores,
juízes de segunda instância.
A
nova Loman não altera outro ponto controverso, as férias de 60 dias gozadas
por todos os juízes do país. Além de manter o descanso, os magistrados ganharão um acréscimo pelo
período. Eles já recebem duas vezes por ano o abono de
um terço do salário pelas férias –
nos TJs do Paraná e do Espírito Santo é de 50%. Se aprovada a nova lei, passarão a ganhar um subsídio a mais cada
vez que repousarem. Isso lhes renderá um total de 15 salários por ano. Os
magistrados ganharão ainda outro período extra de descanso. O recesso forense, que atualmente dura
entre 14 e 18 dias – na maioria dos
tribunais – passará a ser de um mês,
de 20 e dezembro a 20 de janeiro.
Os
juízes poderão ainda, dependendo do desempenho, receber mais dois salários por
ano.
Trata-se de um “prêmio por produtividade”, destinado aos que atingirem a
meta de proferir mais sentenças do
que o número de processos recebidos. Com
isso, poderiam receber até 17 salários por ano.
Auxílio-saúde pode chegar a R$ 9.141
mensais
De forma
geral, o novo texto da Loman multiplica os benefícios financeiros,
tornando-os universais aos juízes do país. A vantagem individualmente
mais vultosa é o “auxílio-saúde”. Por essa rubrica, cada magistrado
passará a embolsar mensalmente de R$ 2 mil a R$ 3 mil (o equivalente a 10% do subsídio); mais R$ 2 mil a R$ 3 mil para despesas de saúde do cônjuge e
metade disso para cada dependente. Ou seja, um juiz casado e com dois filhos do Rio de
Janeiro, onde o menor subsídio é de R$ 24.818, receberá por mês mais R$
7.445, pelo menos, além do salário – apenas sob a rubrica de gastos com
saúde. Não há, no entanto, necessidade
de comprovar nenhuma despesa médica.
Se for desembargador, casado com dois
filhos dependentes, o montante extra no
contracheque atingirá R$ 9.141 mensais. Além disso, os juízes farão jus ao “reembolso total por despesas médicas e
odontológicas não cobertas pelo plano de saúde”. Os TJs ainda passam a ser
obrigados a oferecer assistência médico-hospitalar aos membros no local de
trabalho, com médicos, paramédicos, farmacêuticos, psicólogos e dentistas.
O
polêmico auxílio-educação mensal, para os filhos de magistrados, será disseminado a todos os
tribunais brasileiros, variando de R$ 1.240 a R$ 1.523
por dependente, do nascimento até os 24 anos, se ainda estiver cursando
faculdade. Hoje, esse benefício só existe nos TJs e MPs do Rio de Janeiro e
Distrito Federal.
Pelo
projeto, todos os magistrados sem veículo oficial
também passam a ter direito a auxílio-transporte de 5% do subsídio (de R$ 1.240 a R$ 1.523). São a maioria. Na maior parte dos
tribunais estaduais e federais, apenas os desembargadores – ou em alguns casos,
os presidentes, vice-presidentes e corregedores – têm direito ao veículo
funcional. O benefício hoje recebido
somente no TJ-RJ e no MP-RJ será estendido a todos os juízes do país.
O auxílio-alimentação,
presente na maioria dos tribunais, variará de R$ 1.240 a R$ 1.523 (5% do subsídio), superior à média atual
de R$ 937 nos TJs e MPs nos estados. Somando-se
essas indenizações a que terão direito se a lei for aprovada, um magistrado recém-empossado (salário de R$ 24.818), casado e com dois filhos, receberá por mês
mais R$ 12.405, totalizando R$ 42.186 – 25% acima do teto constitucional dos funcionários públicos.
Todas as indenizações recebidas pelos juízes entram em valores líquidos, e não estão sujeitas ao teto constitucional
de R$ 33.763 nem a Imposto de Renda.
O
abono de permanência, pago a quem já tem tempo para se aposentar, mas
escolhe continuar trabalhando, será fixado em 5% do subsídio (de
R$ 1.240 a R$ 1.523), por ano de serviço, até o limite de 25% (de R$ 5.500 a R$ 7.617). No modelo
atual, o abono se restringe ao correspondente aos desembolsos com previdência,
que deixam de ser descontados, e raramente excede R$ 3.700 mensais.
Também passa a ser oficializado
na lei orgânica o pagamento de um terço (de R$ 8.272 a R$ 10.157) mensal
por acúmulo de jurisdição ou função administrativa de um colega
em férias ou licença, benefício já vigente em muitos estados. O mesmo
valor será destinado a magistrados designados para
localidades de difícil provimento, como um atrativo para áreas isoladas
ou inóspitas. Nesses e em outros casos
de transferência, eles contarão com ajuda de custo para mudança correspondente
a um a três salários – podendo chegar a R$ 91.413,
no caso de um desembargador, com dois
dependentes, por exemplo.
Além dos
auxílios já citados, quem fizer um curso
de capacitação engordará o contracheque em 10%, para instituições no Brasil e
20% no exterior. Ainda estão previstos diárias de 1/30 do subsídio nas
viagens nacionais (R$ 827, para quem
ganha R$ 24.818) e 1/15 nas internacionais (R$ 1.654), diária por prestação de serviços especiais (mutirões, treinamentos,
fiscalização de concursos); pagamento por
hora-aula em curso oficial de aperfeiçoamento ou participação em banca; e indenização de auxílio-mudança e transporte
para a família do magistrado que morrer até um ano após a transferência.
“Uniformização” de benefícios
O
juiz federal Saulo Bahia, membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), afirma que a lei orgânica de 1979 está “completamente defasada”, e a
nova Loman apenas “uniformiza” os
benefícios dispersos nos Estados. “O que ocorre hoje na magistratura é a ausência de uniformidade; os TJs
estabelecem as verbas de modo não-uniforme. Com a regulação, a Loman se
padroniza de forma transparente e estabelece limites. A magistratura é
nacional, a remuneração não deve discrepar, como ocorre hoje. O texto
estabelece o que deve ser pago”, disse a ÉPOCA.
O
presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), João Ricardo dos
Santos Costa, afirmou que o texto não foi elaborado pela entidade nem contém
propostas dela. Ele afirma que várias outras carreiras
recebem benefícios específicos, da mesma maneira que os magistrados. Ele
defende a “valorização dos subsídios,
para preservar uma carreira sólida e estável”.
Joaquim
Falcão, ex-conselheiro do CNJ e diretor da Faculdade de Direito da FGV,
considera haver excessos. Para ele, os
magistrados “precisam
de prerrogativas – como independência – para exercer sua função, não de
privilégios”. “Pagar auxílio-escola para
o filho não é prerrogativa, é uma apropriação privada e individual da
prerrogativa do cargo. O cargo é público, a prerrogativa é pública e o privilégio
é uma apropriação individual”, diz
Falcão. “Não creio que o Judiciário como
um todo será favorável a um projeto dessa natureza. Sou otimista. Sobretudo
confio nos juízes mais jovens. Está nascendo uma geração nova de juízes mais
jovem e mais com mulheres. Isso fará a diferença e terá um impacto a
médio-prazo e cada vez mais digital”, afirmou Falcão. Em sua opinião, “o que a Loman deveria propor é mandato para
o STF e desembargador: 12 anos para ministro do STF e tribunais superiores e
máximo de 25 anos nos TJs. A vitaliciedade até os 70 cria politização interna
dos tribunais com mandato de dois anos de presidência. Uma assume e executa o
orçamento feito por outra”.
Bahia
discorda de que a magistratura seja privilegiada na comparação a outras carreiras
de Estado, como a diplomacia e auditores
fiscais e procuradores da fazenda nacional, cujos rendimentos totais são de
cerca de R$ 22.500 no fim da atividade profissional. “Sempre se pode especular no sentido de que cada categoria tem suas
vantagens. Os militares também têm por seu regime funcional, auditores fiscais
têm, é preciso analisar de forma contextualizada. É preciso o CNJ criar
limites, uniformizar e garantir a simetria com o Ministério Público.”
Uma vez
aprovada a Loman, os membros do MP devem também
se beneficiar dos mesmos benefícios, por equivalência. Para a presidente
da Conamp (Associação Nacional dos
Membros do Ministério Público), Norma Cavalcanti, o texto é excelente. “É um sonho! Você imagina o ideal, busca o
ideal para a carreira, devemos sempre buscar. Mas tudo é muito difícil de
passar”, disse.
O
presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda (Sinprofaz), Heráclio Camargo, considera que as indenizações garantidas
para os juízes criam castas de privilegiados na administração pública. “Eventualmente, pode haver uma ou outra
verba indenizatória, desde que tenha embasamento, plausibilidade,
razoabilidade. Não concordamos com penduricalhos que não sejam publicamente
justificáveis”, disse Heráclio. “É um
trabalho importantíssimo, nobre, mas precisam prestar contas à sociedade. Não é
possível criarmos castas de privilegiados que se autoconcedem penduricalhos
injustificáveis em um país tão injusto”, disse o presidente do Sinprofaz.
Fonte: Revista Época
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