Há um mês sugeri espaço
que a presidente Dilma Rousseff renunciasse ao mandato. Levei, para não
variar, pancadas da subimprensa que não se compra, mas que se vende.
Também esse convite foi considerado manifestação da dita "mídia
monopolizada", que é como o PT classifica os jornalistas que têm o
hábito de escrever com os pés, e só os pés, no chão.
Na quarta-feira (5), o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil) e o
vice-presidente Michel Temer, coordenador político do governo,
anunciaram, a seu modo, que meu convite tinha sido em parte atendido.
Dilma já renunciou ao mandato, mas, por enquanto ao menos, não haverá a
formalização do ato abnegado. Ela continuará a ocupar o lugar físico
destinado ao presidente da República, embora já não esteja entre nós.
A fala de Temer é de uma eloquência inequívoca: "É preciso que alguém
tenha a capacidade de reunificar, reunir a todos, e fazer este apelo, e
eu estou tomando esta liberdade de fazer este pedido porque, caso
contrário, podemos entrar numa crise desagradável para o país". Deve-se
entender por "crise desagradável", na fala e modos eufemísticos do vice,
a ingovernabilidade ela mesma.
Não é prudente que se vá além do que as palavras de Temer significam na
sua mais explícita denotação. Reunificar, ou reunir a todos, é tarefa
que cabe ao governante –"liberdade", anuncia ele, que decidiu tomar
porque já não há ninguém no Planalto capaz de fazê-lo. E que se note,
para estupefação geral: a Lava Jato, exceção feita a alguns contratempos
no ritmo das obras –o que têm lá as suas vantagens, já que o dinheiro
acabou–, não criou até agora embaraços para Dilma.
Não consta que será Rodrigo Janot a criá-los. Ao contrário até. Na era
do catta-pretismo –em que o rábula de porta de cadeia ascende à condição
de rábula de porta de Ministério Público (papa mais fina e mais cara)–,
a governanta viu alguns adversários internos e externos cair na teia de
um arranjo narrativo que, em muitos aspectos, lhe é útil.
Para que Dilma tirasse, no entanto, alguma vantagem do petardo que
colheu Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, seria preciso ter
uma agenda, um projeto, uma proposta, um horizonte, um
qualquer-coisa-que-fosse que não sirva apenas para remendar os desastres
fabricados nos seus quatro primeiros anos de mandato e, em muitos
casos, nos oito que os antecederam. E, definitivamente, não há.
Também na quarta-feira, Mercadante fez um apelo à oposição, ensaiando
até um mea-culpa meio desajeitado –não é afinal, um terreno conhecido
pelo petismo; pelo ministro tampouco. Poderia ser a proposta de uma
"pax", hipótese em que os fortes de ambos os lados apresentam suas
condições e fazem suas ofertas. Mas não era nada disso. Ele só estava
pedindo arrego mesmo, com ar abúlico.
Numa hora como essa, Dilma poderia ser socorrida pelo PT, e caberia a
este a serenidade de falar em nome das instituições e da tolerância.
Viram, no entanto, o programa do partido no horário político nesta
quinta (6)? Ameaçou a população com o abismo e com o golpe, tratou
líderes da oposição como meliantes e ironizou o povo na rua. Foi, em
suma, hostil aos 71% que acham o governo ruim ou péssimo e aos 66% que
querem o impeachment, segundo o Datafolha.
Dilma tem de formalizar a renúncia. Enquanto é tempo.
Fonte: Coluna do Reinaldo Azevedo na Folha de São Paulo
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