“Ninguém vai tirar a legitimidade que o voto me deu”, bradou a
presidente da República numa solenidade de entrega de chaves de casas
populares nesta sexta-feira (7), em Roraima. Engano. Há na praça uma
pessoa capaz de transformar em problema aquela que havia sido eleita
como solução dos 54 milhões de brasileiros que lhe deram o voto em 2014.
Chama-se Dilma Rousseff a responsável pelos atentados cometidos contra a
legitimidade de Dilma Rousseff.
Assim como seu talento gerencial,
também a capacidade de liderança de Dilma é invisível a olho nu. Num
regime presidencialista, caberia a ela governar o processo de superação
das crises que sua inepcia criou. Mas Dilma, atordoada com seu próprio
legado, é desgovernada pelos acontecimentos. O Datafolha mais
recente expôs o alargamento do abismo que se abriu entre a Dilma da
reeleição e a Dilma que em sete meses de expediente dedica-se a produzir
o caos. O software da campanha, 100% feito de João Santana, era pirata.
O sistema operacional do segundo mandato roda o programa do PMDB na
política e o do PSDB na economia. Sem agenda, a placa da gerentona
ferveu. Um espirro de Michel Temer ou de Joaquim Levy pode levar ao tilt que travará a máquina.
Evocadas
por Dilma sempre que está em apuros, as urnas de 2014 deram um aviso
muito nítido. Após prevalecer sobre Aécio Neves por uma diferença de
pouco mais de 3 milhões de votos, a criatura de Lula presidiria um país
rachado ao meio. No discurso da vitória, a reeleita parecia ter captado a
mensagem: “Essa presidente está disposta ao diálogo, e esse é meu
primeiro compromisso no segundo mandato: o diálogo”, discursara na noite
da contagem dos votos.
Dilma acrescentara: “Em lugar de ampliar
divergências, de criar um fosso, tenho forte esperança que a energia
mobilizadora tenha preparado um bom terreno para a construção de pontes.
O calor liberado no fragor da disputa pode e deve agora ser
transformado em energia construtiva de um novo momento no Brasil.” Da
“energia” sobrou apenas o vapor. O “novo momento” tornou-se uma escala a
caminho do caos.
Hoje, Dilma não consegue dialogar nem com o
espelho. Ela se desentende com os aliados falando o idioma deles —a
linguagem do fisiologismo. Ao farejar a impopularidade da presidente, os
governistas já não se deixam seduzir por qualquer tilintar de verbas e
cargos. No Congresso, o preço do reconhecimento da legitimidade de
madame subiu. A cotação do apoio sincero está pela hora da morte.
Há
três dias, Dilma foi novamente humilhada na Câmara. Dessa vez,
atravessaram-lhe na traqueia a aprovação de uma “bomba fiscal”. O placar
foi eloquente: 445 X 16. Repetindo: 445 deputados votaram contra os
interesses do Planalto. Para aprovar a abertura de um processo de
impeachment são necessários apenas 342 votos. Dilma talvez devesse
fazer algumas perguntas aos seus botões. Por exemplo: quando começa o
caos? Eles decerto responderão: “O caos principia no instante em que a
bancada de deputados federais do PT vota em peso a favor do projeto que
sua presidente tachou de bomba fiscal.”
O que é o caos? E os
botões: “Não há melhor definição para o caos do que a conversão de Renan
Calheiros em herói da resistência contra as emboscadas de Eduardo
Cunha.”
Onde fica o caos? “Localiza-se em várias partes do mundo,
todas elas no Brasil”, dirão os botões. “No momento, divide-se entre o
Congresso Nacional, sob cujo teto coabitam 35 parlamentares suspeitos de
receber propinas, e os cárceres de Curitiba, que abrigam Odebrechts,
Vaccaris e outros azares.”
Quando lhe bate o desespero, Dilma
costuma fugir da realidade à maneira do avestruz. Enfia a cabeça nas
profundezas da sua autoestima e vira a página. Para trás. No discurso de
Roraima, ela retornou ao túnel do tempo: “…Quero dizer para vocês que
ao longo da vida eu passei muitos momentos difíceis. Eu sou uma pessoa
que aguento pressão. Aguento! […] Eu respeito a democracia do meu país.
Eu sei o que é viver numa ditadura.”
Deve-se louvar o apreço de
Dilma pela democracia. Nela, há remédios contra a falta de credibilidade
que faz definhar a legitimidade. Se parasse de conspirar contra si
mesma, Dilma poderia se dedicar a atividades menos dolorosas do que
ficar recordando a tortura dos tempos da ditadura. Quem sabe encontrasse
tempo para tarefas menores como, digamos, trabalhar.
Se preferir,
Dilma pode continuar penetrando no caos. Logo perceberá que a
legitimidade, quando desacompanhada da credibilidade, é como o amor do
Soneto de Fidelidade de Vinicius de Moraes: não chega a ser imortal,
posto que é chama. Mas é infinita enquanto dura.
Fonte: Blog do Josias de Souza
Nenhum comentário:
Postar um comentário