A grande vantagem em relação ao passado recente é que agora já temos a moeda. Embora maltratado, o real está aí
A parte
animadora da história: Ilan Goldfajn, novo presidente do Banco Central,
cravou o compromisso de restabelecer o básico tripé de política
econômica, com meta de inflação, equilíbrio das contas públicas e taxa
de câmbio flutuante.
A parte triste: o país já havia se beneficiado dessa combinação de estabilidade e crescimento, até que Dilma Rousseff resolveu desmontar o tripé com sua nova matriz.
O Brasil levou 14 anos para sepultar a superinflação e o total caos das finanças públicas. Isso aconteceu desde a introdução do real (1994) e da série de reformas que sustentou a moeda — formando o tripé — até a conquista do grau de investimento, em abril de 2008. A Standard & Poor’s foi a primeira agência a conceder essa nota à economia brasileira, reconhecendo inclusive a maturidade política do país. Isso porque Lula, que se elegera pela oposição a FHC, havia mantido e até aprimorado o tripé no seu primeiro mandato.
Em setembro de 2015, a mesma S&P foi a primeira a retirar a nota e rebaixar o Brasil ao grau especulativo (ou junk, como dizem no mercado internacional). Lula começou o desmonte no seu segundo mandato, mas foi Dilma quem se dedicou meticulosamente à destruição das bases da estabilidade. Em menos de cinco anos, conseguiu botar abaixo um edifício que levara 14 anos para ficar mais ou menos pronto.
Assim, lá vamos nós de novo. As duas tarefas principais são as mesmas de 22 anos atrás: eliminar o déficit das contas públicas e voltar ao superávit primário para equilibrar e depois reduzir a dívida pública; e colocar a inflação na meta, agora de 4,5% ao ano. A terceira parte é garantir a taxa de câmbio (a cotação do dólar) mais flutuante do que manipulada pelo Banco Central.
A grande vantagem em relação ao passado recente é que agora já temos a moeda. Embora maltratado, o real está aí, pode ser reequilibrado, o que afasta a necessidade de uma complicada reforma monetária. Lembram-se da URV e da complexa troca do papel moeda? Pois é, disso não se precisa mais. Aliás, convém reparar: isso prova a força da construção anterior.
Outra vantagem é que o conjunto de regras de estabilidade fiscal também já está montado. Essas normas foram desrespeitadas na gestão Dilma — com as pedaladas e a contabilidade criativa ou simplesmente mentirosa —, mas continuam vigentes. É preciso aperfeiçoá-las e garantir que não possam ser dribladas. Para isso servirá a proposta já anunciada pela equipe econômica de estabelecer um teto para o gasto público: o valor do ano anterior mais a inflação. Em termos reais, o que importa, a despesa total ficará congelada.
O presidente Michel Temer disse que a proposta vai ao Congresso na semana que vem. Será importante passo — a depender, como todos os outros, do ambiente político.
A óbvia crise institucional pode atrapalhar e bloquear a política econômica. Isso todos sabemos. Mas também é verdade que um bom andamento na economia pode ajudar o governo a passar pelos impasses da política partidária.
Daí a importância das medidas que o Executivo pode tomar sem passar pelo Congresso. Além das mais óbvias — ações da Fazenda para controlar as contas e do BC para apontar a inflação para a meta —, o que mais ajudaria seria um bom programa privatizações e concessões. Com o governo quebrado, a única possibilidade de turbinar investimentos está no setor privado. A parte do governo nessa história será preparar vendas e licitações competitivas e atraentes para o capital nacional e estrangeiro.
Aliás, isso também já foi feito, no final dos anos 90 e início dos 2000. De novo aqui, é começar de novo. Moral da história: o triste é ter que fazer tudo de novo; o reconfortante, digamos assim, é saber que já foi feito uma vez e, pois, pode ser feito de novo.
VIDA DURA
Vejam como é complicada a vida do gestor de política econômica. Nos últimos dois dias, os mercados reagiram ao “efeito Ilan”. O discurso do novo presidente do BC animou o pessoal. Vai daí, a bolsa subiu, os juros caíram, e o dólar caiu. É sinal de confiança. E se dólar cair demais? Ajuda quem vai viajar — e até pode melhorar o Índice de Confiança do Consumidor — mas atrapalha as exportações, único setor que está em expansão.
Ilan Goldfajn disse que a taxa de câmbio deve ser flutuante. Inclusive na faixa dos três reais ou menos?
Será um primeiro teste para o novo BC. De todo modo, há fundos de investimentos — de ótimos gestores — que estão “vendidos em dólar contra o real”. Ou sejam, acham que o dólar cai e o real se valoriza.
A ver.
Fonte: Carlos Alberto Sardenberg é jornalista - http://www.sardenberg.com.br/
A parte triste: o país já havia se beneficiado dessa combinação de estabilidade e crescimento, até que Dilma Rousseff resolveu desmontar o tripé com sua nova matriz.
O Brasil levou 14 anos para sepultar a superinflação e o total caos das finanças públicas. Isso aconteceu desde a introdução do real (1994) e da série de reformas que sustentou a moeda — formando o tripé — até a conquista do grau de investimento, em abril de 2008. A Standard & Poor’s foi a primeira agência a conceder essa nota à economia brasileira, reconhecendo inclusive a maturidade política do país. Isso porque Lula, que se elegera pela oposição a FHC, havia mantido e até aprimorado o tripé no seu primeiro mandato.
Em setembro de 2015, a mesma S&P foi a primeira a retirar a nota e rebaixar o Brasil ao grau especulativo (ou junk, como dizem no mercado internacional). Lula começou o desmonte no seu segundo mandato, mas foi Dilma quem se dedicou meticulosamente à destruição das bases da estabilidade. Em menos de cinco anos, conseguiu botar abaixo um edifício que levara 14 anos para ficar mais ou menos pronto.
Assim, lá vamos nós de novo. As duas tarefas principais são as mesmas de 22 anos atrás: eliminar o déficit das contas públicas e voltar ao superávit primário para equilibrar e depois reduzir a dívida pública; e colocar a inflação na meta, agora de 4,5% ao ano. A terceira parte é garantir a taxa de câmbio (a cotação do dólar) mais flutuante do que manipulada pelo Banco Central.
A grande vantagem em relação ao passado recente é que agora já temos a moeda. Embora maltratado, o real está aí, pode ser reequilibrado, o que afasta a necessidade de uma complicada reforma monetária. Lembram-se da URV e da complexa troca do papel moeda? Pois é, disso não se precisa mais. Aliás, convém reparar: isso prova a força da construção anterior.
Outra vantagem é que o conjunto de regras de estabilidade fiscal também já está montado. Essas normas foram desrespeitadas na gestão Dilma — com as pedaladas e a contabilidade criativa ou simplesmente mentirosa —, mas continuam vigentes. É preciso aperfeiçoá-las e garantir que não possam ser dribladas. Para isso servirá a proposta já anunciada pela equipe econômica de estabelecer um teto para o gasto público: o valor do ano anterior mais a inflação. Em termos reais, o que importa, a despesa total ficará congelada.
O presidente Michel Temer disse que a proposta vai ao Congresso na semana que vem. Será importante passo — a depender, como todos os outros, do ambiente político.
A óbvia crise institucional pode atrapalhar e bloquear a política econômica. Isso todos sabemos. Mas também é verdade que um bom andamento na economia pode ajudar o governo a passar pelos impasses da política partidária.
Daí a importância das medidas que o Executivo pode tomar sem passar pelo Congresso. Além das mais óbvias — ações da Fazenda para controlar as contas e do BC para apontar a inflação para a meta —, o que mais ajudaria seria um bom programa privatizações e concessões. Com o governo quebrado, a única possibilidade de turbinar investimentos está no setor privado. A parte do governo nessa história será preparar vendas e licitações competitivas e atraentes para o capital nacional e estrangeiro.
Aliás, isso também já foi feito, no final dos anos 90 e início dos 2000. De novo aqui, é começar de novo. Moral da história: o triste é ter que fazer tudo de novo; o reconfortante, digamos assim, é saber que já foi feito uma vez e, pois, pode ser feito de novo.
VIDA DURA
Vejam como é complicada a vida do gestor de política econômica. Nos últimos dois dias, os mercados reagiram ao “efeito Ilan”. O discurso do novo presidente do BC animou o pessoal. Vai daí, a bolsa subiu, os juros caíram, e o dólar caiu. É sinal de confiança. E se dólar cair demais? Ajuda quem vai viajar — e até pode melhorar o Índice de Confiança do Consumidor — mas atrapalha as exportações, único setor que está em expansão.
Ilan Goldfajn disse que a taxa de câmbio deve ser flutuante. Inclusive na faixa dos três reais ou menos?
Será um primeiro teste para o novo BC. De todo modo, há fundos de investimentos — de ótimos gestores — que estão “vendidos em dólar contra o real”. Ou sejam, acham que o dólar cai e o real se valoriza.
A ver.
Fonte: Carlos Alberto Sardenberg é jornalista - http://www.sardenberg.com.br/
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