Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER

terça-feira, 7 de junho de 2016

Salvar vidas é prioridade inegociável

Num quadro trágico, em que no país, em cinco anos, quase mil órgãos para transplantes foram perdidos, a FAB dá demonstrações de insensibilidade, priorizando voos para autoridades

No limite do que se pode definir como humanamente aceitável, mesmo que se chegue ao extremo de considerar que tudo é transigível, nessa construção, de resto exagerada, não entra o compromisso do ser humano com a vida — a própria e a do próximo. É um direito de todos os homens não passível de gradação, que se reveste de valor absoluto, inalienável, e que impõe a todos o dever de respeitá-lo em quaisquer circunstâncias. Ações que o firam ou omissões que o comprometam são condenáveis sob todos os aspectos.

Sob esse princípio, esforços da medicina para salvar vidas precisam ser valorizados e respeitados. Tal empenho, no entanto, faltou em não poucas oportunidades à FAB, quando solicitada a fornecer aviões para transportar órgãos que seriam usados em transplantes, procedimento médico que, em geral, demarca o limite entre a vida e a morte de pacientes que dele necessitam. 

O descaso tem números: em três anos, 153 corações, fígados, rins, pâncreas, pulmões e ossos foram perdidos devido a recusas da Força Aérea a ceder aeronaves para fazê-los chegar em tempo hábil à mesa de cirurgia. Analisados apenas pelo seu aspecto absoluto, estes dados se enquadram num painel em que a perda de órgãos é uma trágica realidade no país: de 2011 a 2015, a falta de transportes (em geral, e não apenas da FAB) para equipes médicas e órgãos já captados fez o sistema nacional de transplantes deixar de aproveitar 982 ofertas uma recusa de órgão a cada dois dias, devido a entraves logísticos.

É uma realidade cruel. Cada um desses órgãos representava a esperança de vida, de cura de alguma doença, de uma pessoa. Mas, no caso das recusas da FAB, há um aspecto que as torna ainda mais pungentes: nos mesmos dias em que deixaram em solo as ofertas salvadoras, aviões da Força Aérea fizeram 716 viagens de transporte de autoridades. Não há, no período, registro no sistema da Aeronáutica de recusas a pedidos de voos de membros da cúpula dos três Poderes, ao passo que, no caso das solicitações de ordem médica, as negativas aumentaram entre 2013 e 2015, de 52,7% a 77,5% dos pedidos feitos, revelou O GLOBO. À diferença do transporte de autoridades, não há legislação específica que obrigue a FAB a providenciar voos para conduzir órgãos. Também é preciso levar em conta dificuldades orçamentárias da Força, decorrentes da crise econômica do país, argumento da Aeronáutica para justificar as recusas. Mas, com vidas em jogo, manter-se inflexível leva a demonstrações de insensibilidade que poderiam — e deveriam — ser contornadas.

Menos mal que ontem, diante da repercussão da reportagem, o presidente interino, Michel Temer, anunciou que, por meio de decreto, a Aeronáutica ficará obrigada a manter um avião à disposição para equipes médicas e transporte de órgão. É uma iniciativa louvável, ainda que pontual. O país tem um sistema eficiente de transplantes, mas é preciso livrá-lo dos embaraços logísticos. O decreto precisa ser cumprido para valer.


Fonte: O Globo - Editorial


Nenhum comentário: