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segunda-feira, 6 de agosto de 2018

O presidente vai morrer



'O paciente' mostra que o homem mais poderoso do país sofreu a mesma esculhambação devotada aos cidadãos das enfermarias mais abaixo

O brasileiro é antes de tudo um frágil e, se ainda houver alguma dúvida sobre essa tragédia que nos é maldição, ela será confirmada quando estrear, em setembro, o filme “O paciente — O caso Tancredo Neves”. O político, é o que vai ser contado no cinema, foi morto pelos próprios médicos, numa prova de que não é só o Dr. Bumbum que assassina suas pobres coitadas. Os mais estrelados doutores da República fazem o mesmo. 

Rasgaram a barriga de Tancredo sete vezes em 37 dias. O bonequinho do GLOBO deverá se levantar para aplaudir. Se não o fizer será por fragilidade também. Há novos assassinos à espreita. O bonequinho — será desculpável — poderá ter medo de, em pé, se tornar alvo fácil para uma bala perdida.  O diretor Sérgio Rezende fez a autópsia daquela ópera bufa brasileira, a disputa de médicos vaidosos, outros ineptos, outros verdadeiros trapalhões, para ver qual dava o nó definitivo nas tripas do homem que, escolhido para ser presidente, acabou por não sê-lo. Para quem esqueceu, para quem acabou de chegar, rebobine-se a história. Depois de 21 anos de ditadura militar, Tancredo Neves (1910-1985) foi eleito pelo Congresso para governar o país. Não era o nome ideal, um personagem puxado demais para os conchavos do “centrão”. Era o que se podia para o momento. Ele traria de volta a democracia. Na madrugada do dia em que tomaria posse, este D. Sebastião mineiro foi internado às pressas em Brasília. Um erro médico atrás do outro, Tancredo morreu.

É um filme sobre a fragilidade de ser brasileiro. Mostra que o homem mais poderoso do país sofreu no Hospital de Base, endereço de referência dos políticos da capital, a mesma esculhambação devotada aos cidadãos das enfermarias mais abaixo. Ninguém está a salvo. Ricos ou pobres, somos todos condenados ao papel de a próxima vítima — pela injeção de silicone industrial, pelo desemprego, pelo habeas corpus de um juiz mal intencionado, pelo boleto de um plano de saúde que aumenta 20%, pela bicicleta em disparada na calçada, pelo ladrão de medalha, ou por alguma outra insanidade que, inventada esta noite, o GLOBO informará na edição de amanhã.

“O paciente” é um suspense distópico. Não dá esperança de que a cavalaria da Polícia Federal possa prender os canalhas. Todo mundo sabe que o mocinho morre no final. E ele não só morre, de um jeito mais cruel do que se imaginava, como deixa uma sugestão assustadora. No contexto em que o filme será lançado, às vésperas das eleições, o Brasil parece disposto a repetir seus crimes. Em 1985, Tancredo demorou a procurar os médicos porque, se internado, o vice José Sarney, colocado na chapa apenas para decorá-la e acenar aos militares, assumiria a presidência. Trinta e três anos depois o Brasil vai às urnas com a mesma lei. Pode eleger um vice, talvez futuro presidente, sobre o qual não se tem a menor noção. Um dos candidatos cotados era um certo príncipe da família Orleans e Bragança. Entrevistado, foi sincero: quer uma monarquia parlamentarista.

As lágrimas inevitáveis derramadas na plateia de “O paciente” não serão apenas pelo passado que nos encerra, mas pelo futuro que se ameaça repetir. Há quem queira até a volta da ditadura. Zero de esperança no ar. Tancredo vai morrer de novo e, no Brasil 2018, ninguém parece estar se sentindo muito melhor. Quando lhe rasgaram a barriga, até um básico fio absorvível Vicryl, para suturar a ferida, estava em falta. O filme reforça a percepção de que nada mudou. Falta tudo neste imenso Hospital de Base. As feridas continuam abertas e ninguém aparece com o fio certo para fazer a sutura e salvar o paciente. A sensação geral é que não tem solução. Ninguém sai vivo. A fragilidade dos internos cresce a cada tiroteio na esquina das enfermarias do Hospital Brasil e todos têm muito medo de serem atendidos pelo médico de plantão.

 

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