A caldeira de pressão social explodiu no minúsculo município de
Pacaraima – “onde o vento faz a curva”, no dito costumeiro de moradores
da região ao se referir a localidades extremas. Era previsível,
inevitável. Uma crise, por assim dizer, anunciada. Na manhã do sábado,
18, após um assalto ao comércio da cidade, cometido – pelo que tudo
indica – por um imigrante venezuelano, cerca de duas mil pessoas
iniciaram o protesto que descambou para a violência, quebra-quebra e
ataques generalizados com requintes de xenofobia. Os refugiados da terra
do ditador Nicolás Maduro sofreram agressões, tiveram seus abrigos nas
praças e ruas destruídos, pertences queimados e foram literalmente
escorraçados da cidade. Cerca de 1.200 deles cruzaram a fronteira de
volta ao país de origem. Humilhados, despojados de bens, documentos ou
opção, ficaram novamente largados à própria sorte, sem eira nem beira. O
desastre humanitário do povo venezuelano assume proporções gigantescas.
Não há o que comer ou o que vestir, nenhum recurso para a subsistência.
Muitos estão doentes, desesperados e fogem em busca de alternativas. A
pequena Pacaraima, no coração de Roraima, com pouco mais de dez mil
habitantes, recebeu quase o dobro da população nesse êxodo.
Foram 50 mil
imigrantes para o Estado. No total dos que atravessaram rumo ao Brasil
nos últimos três anos, fugindo do regime autoritário, o número alcança
impressionantes 120 mil pessoas – sem qualquer planejamento de alocação,
estratégia de assistência ou controle sanitário por parte das
autoridades. O pacato vilarejo de Pacaraima não tinha mesmo como
comportar tamanho desembarque de desassistidos e, com sua estrutura
física e econômica exaurida, irrompeu em tumultos e selvageria contra os
estrangeiros. Em determinado momento, esse microcosmo habitacional
representou o nítido e verdadeiro retrato da falência do Estado
brasileiro, que vem se mostrando incapaz de promover o equilíbrio social
da Federação e de prover demandas elementares – como essa de uma
adequada integração de asilados (legais ou não) por aqui. O poder
público, em todas as suas esferas – Executivo, Legislativo e Judiciário –
falhou mais uma vez e de forma gritante. Não faltaram avisos, apelos. A
governadora do Estado de Roraima, Suely Campos, em campanha pela
reeleição, chegou a pedir ao Supremo Tribunal a medida extrema e
populista do fechamento da fronteira. [pergunta: ajudar aos necessitados estrangeiro ou não) é DEVER, inclusive estabelecido pelo próprio JESUS CRISTO;
Mas, se no afã de ajudar aos necessitados estrangeiros, as condições de ajudar aos necessitados brasileiros desaparecem. O que fazer?
Infelizmente, qualquer tentativa de ajudar a um necessitado estrangeiro vai resultar, no mínimo, na piora de condições de um necessitado brasileiro.
As condições econômicas do Brasil não permite generosidade, exceto, sacrificando um necessitado brasileiro.
Não é xenofobia, é fato.]
Não conseguiu, nem poderia. Mas
diante da negativa, nada mais foi feito. Nem pelo Planalto. O problema
do êxodo precisa ser encarado na sua real dimensão e complexidade. Não é
possível simplesmente receber, de maneira indiscriminada e sem qualquer
suporte ou planejamento, tamanha procura por abrigo. Em uma região com a
infraestrutura precária, alto desemprego e longe de ostentar condições
operacionais mínimas para fazer frente à chegada dos venezuelanos,
qualquer desentendimento vira calamidade. E foi o que aconteceu. Há
nesse desastre anunciado – e vergonhoso para a diplomacia nacional
perante a América Latina e o mundo – lições elementares. A mais evidente
delas, que vale em diversas ocasiões: é melhor prevenir do que
remediar. Não adianta fechar os olhos ao problema e achar que ele vai se
resolver sozinho, por osmose.
Autoridades locais tentaram atenuar a
situação com medidas improvisadas. Não adiantou. Só agora Brasília faz
uma ação mais efetiva. Congressistas, militares e assessores do
presidente Temer resolveram finalmente se debruçar sobre o assunto.
Enviaram uma tropa de choque temporária de 120 homens do Exército com o
objetivo de conter os ânimos. Avaliam redistribuir o contingente de
imigrantes para outros estados e criar opções de atividade que garantam à
maioria deles algum meio de sobrevivência.[distribuir os imigrantes para outros estados vai apenas espalhar o problema e até mesmo revoltar os milhões de brasileiros que estão à mingua e que terão dificuldades de aceitar que estrangeiros tomem seus empregos e sejam abrigados em melhores condições do que eles que são brasileiros.
Vão constatar que é melhor ser estrangeiro no Brasil do que ser brasileiro em nosso próprio solo.] Não é, decerto, o
suficiente. Um impacto ainda maior devido ao processo se verificou no
campo da saúde. Epidemias de sarampo e malária, trazidas por essa
população que veio de fora, já invadiu o País e se alastrou. Um programa
de orientação de vacinação e avaliação médica dos imigrantes precisa
estar em permanente prontidão. A baixa formação dos que cruzam a
fronteira também é um impeditivo ao ingresso adequado no mercado de
trabalho – que anda em queda por conta da crise. Brasileiros temem e
resistem à ideia de gastos extraordinários do Tesouro para esse fim
devido ao déficit público. São questões que vão muito além do problema
humanitário e para as quais ainda faltam respostas. Nem mesmo os
candidatos a presidente parecem ter qualquer alternativa para lidar com o
tema. O conflito é crescente, perigoso e está a exigir saídas efetivas o
quanto antes. Com responsabilidade, critério e diálogo.
Carlos José Marques, diretor editorial Editora Três/IstoÉ
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