Série do Correio aborda abusos físicos, psicológicos e sexuais sofridos, o impacto na vida desse público e falhas na rede de proteção
Sem voz, sem defesa, sem acesso à plenitude dos seus direitos, a
parcela da população que deveria ser mais cuidada e protegida sofre
violações cotidianamente. Vulneráveis, crianças e adolescentes são alvo
de todos os tipos de violência. Espancamentos, torturas, humilhações,
abusos sexuais, negligência. Os sofrimentos são múltiplos, assim como os
algozes, que vão da família ao Estado.
O drama
de tantos meninos e meninas passa ao largo das preocupações de grande
parte da sociedade. Não há uma mobilização maciça em prol da proteção
deles. O poder público, por sua vez, falha na prevenção às violações e
na redução de danos. Desrespeita a própria Constituição, que determina
“absoluta prioridade” aos direitos de crianças, adolescentes e jovens,
inclusive o de viverem a salvo de “exploração, violência, crueldade e
opressão”.
Leis
de proteção, por sinal, não faltam, mas a aplicação integral delas
revela-se uma utopia. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tem
quase três décadas de existência e ainda enfrenta resistências para ser
cumprido à risca. Mesma situação da Lei Menino Bernardo, incluída no
ECA, que estabelece o direito de crianças e adolescentes serem cuidados e
educados sem o uso de castigos físicos e de tratamento cruel. Criada
há cinco anos, quase não tem divulgação. Muita gente nem sabe que mesmo
agressões consideradas “leves” — como palmadas e beliscões — são
proibidas.
(...)
Os
abusos físicos, psicológicos e sexuais sofridos por crianças e
adolescentes, o impacto na vida deles e falhas na rede de proteção são
temas da série Infância, um grito de socorro, que o Correio
inicia nesta segunda-feira (9/9), com recorte para o DF. Nesta primeira
reportagem, autoridades policiais, judiciais e especialistas abordam
uma das práticas mais nefastas e arraigadas no país: as agressões
físicas e psicológicas.
(...)
Na Delegacia de Proteção à Criança
e ao Adolescente (DPCA), as ocorrências não param. Os agressores são,
principalmente, do núcleo familiar — mãe, pai, avós, padrasto, madrasta.
Um dos casos que chamaram a atenção dos agentes foi o de dois irmãos,
de 4 e 5 anos, que chegaram ao local com as mãos inchadas e em carne
viva. Lesões provocadas pela própria mãe. Ela esquentava uma colher no
fogo e os fazia segurar. Aos policiais, disse que os castigava para
discipliná-los, pois faziam muita bagunça.
O drama é maior para as
meninas, segundo Ana Cristina Santiago. “Muitas apanham porque não
levaram o sapato do pai, não arrumaram a cama, não lavaram a louça. São
garotas de 6, 7 anos.”
(...)
Em maio deste ano, duas atrocidades abalaram o DF. Uma delas foi o
violento espancamento de quatro crianças, de 1, 3, 7 e 9 anos, em
Planaltina de Goiás. A menina de 7 anos morreu. Os covardes foram a tia,
17, e o namorado dela, 19. O próprio casal contou à polícia que as
agressões aos irmãos ocorriam com frequência. Dois dias depois, houve
outra barbárie, desta vez em Samambaia. Rhuan Maycon, 9 anos, foi esfaqueado até a morte, enquanto dormia, pela mãe, Rosana Auri, e pela
companheira dela, Kacyla Priscyla. As duas degolaram a criança ainda
viva e esquartejaram o corpo. A investigação mostrou que o assassinato
foi o ápice do horror que Rhuan enfrentava. Ele sofria constantes
maus-tratos e teve o pênis decepado, numa cirurgia caseira, um ano antes
da morte.
(...)
“Assustador”
Gama
cita dados do Datasus, de 2017, com registros de 126.230 casos de
violência contra crianças e adolescente. “Desses, 10% são crianças
abaixo de 4 anos. É assustador”, ressalta. “E isso é subnotificado.
Segundo a Academia Americana de Pediatria, para cada caso registrado,
ocorrem de 15 a 20 que não são conhecidos.”
Dos
casos registrados, 72.498 ocorreram na casa da vítima. As mães foram
algozes em 34.495 deles, e o pai, em 25.962. “A violência contra a
criança é repetitiva e domiciliar”, frisa. “As sequelas são física e
psicológicas. Eles vão crescer com uma série de problemas, vão ficar
violentos, porque a sociedade, em nenhum momento, os ajudou a sair
disso.”
Na opinião dele, o caminho da mudança
passa pelo conhecimento da gravidade do problema e pela punição dos
abusadores. “Quando um agressor é punido, impacta na diminuição da
violência. O problema é que o agressor nem sempre é preso”, lamenta. Ele
defende que juízes, promotores e advogados tenham, em sua formação,
estudos voltados para esse mal. “Em contrapartida, eles podem nos
orientar sobre como fazer relatórios mais robustos, que ajudem nas
sentenças.”
O especialista lamenta a falta de
campanhas mais efetivas de combate à crueldade. “O problema é o
desconhecimento. Nossa tendência é nos esquivarmos, porque é de doer
mesmo, mas temos de sair da zona de conforto. Os números são alarmantes e
não se fala nisso”, critica.
Correio Braziliense, leia MATÉRIA COMPLETA
Correio Braziliense, leia MATÉRIA COMPLETA
Nenhum comentário:
Postar um comentário