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segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Diante da subversão - O Globo

Demétrio Magnoli

Há um projeto subversivo em curso, de ruptura da ordem democrática

Hienas, Chile, militares, AI-5. O Plano A de Jair Bolsonaro não é, como geralmente se imagina, a busca da reeleição em 2022. O núcleo bolsonarista o presidente, seus filhos e os assessores olavistas — querem “ver a história se repetir”, nas palavras do rebento 03. Que ninguém se engane: há um projeto subversivo em curso, de ruptura da ordem democrática.
“Conversei com o ministro da Defesa sobre a possibilidade de ter movimentos como tivemos no passado, parecidos com o que está acontecendo no Chile. A gente se prepara para usar o artigo 142 da Constituição Federal, que é pela manutenção da lei e da ordem, caso eles venham a ser convocados por um dos três Poderes.” O Chile não é um espectro, mas um pretexto. Bolsonaro desenha os contornos de um plano golpista cujo ponto de partida seria a reinterpretação subversiva do texto constitucional.
[Excelente artigo; 
Cabe algumas considerações: 
o plano de ruptura democrática existe, só que não é do presidente Bolsonaro, e sim, da esquerda - que desde 1917 tenta, repetiu em 35, 64 e sempre fracassou e fracassará em mais esta tentativa - se ousar, tentar executar.
NINGUÉM tenta um 'plano de ruptura democrática' com fundamento na Constituição Federal, assim o que o presidente Bolsonaro cogita é de,  se forçado pelos golpistas,  usar os recursos que o artigo 142 da CF fornece - recursos que também estão disponíveis aos chefes dos demais Poderes da República.

Quem promoveu modificações na forma de emprego das FF AA, via  artigo 142 da CF, foi o ex-presidente FHC, em 99, via Lei Complementar 97, inclusive estabelecendo que o emprego das FF AA a pedido dos Poderes Judiciário e Legislativo deverá ser apresentado ao presidente da República, que decidirá em consonância com diretrizes estabelecidas pelo Chefe do Poder Executivo.]

A liberdade de manifestação pacífica é um dos pilares constitucionais da ordem democrática. O artigo 142 não constitui licença para derrubá-lo. Na hipótese de eclosões de violência em manifestações públicas, a lei permite o recurso à polícia, não aos soldados. Nos meses quentes que antecederam o impeachment, a extrema-direita evocava o artigo 142 para pregar uma “intervenção militar constitucional”. Hoje, o presidente atualiza aquele discurso, explicitando sua meta política.

No Chile, Sebastián Piñera convocou os militares para reprimir manifestantes, rompendo um tabu estabelecido no fim da ditadura de Augusto Pinochet. Tudo que conseguiu foi uma derrota humilhante. No fim, desculpou-se perante os cidadãos, suspendeu o toque de recolher, reformou seu governo e ofereceu um novo pacto social. Bolsonaro aposta no caos. De fato, está dizendo que, ao contrário de Piñera, provocaria um desenlace diferente: a história — de 1964, de 1973 — repetida.

Marco Aurélio Mello enxergou, no vídeo das hienas, uma “bobagem”, enquanto Celso de Mello preferiu rotulá-lo como um “atrevimento”. Na peça, porém, encontra-se a substância da “filosofia política” do Bruxo da Virgínia, o charlatão que orienta o núcleo bolsonarista. A narrativa de uma conspiração geral das “hienas” a ONU, o STF, a imprensa e os partidos, inclusive o PSL — contra o “leão” conduz à conclusão de que a vitória do Bem sobre o Mal exige a ruptura das regras do jogo. À luz das declarações sobre o Chile, não se deveria descartá-la como mera bravata destinada às redes sociais.

Merece exame a ensaiada coreografia da operação. Segundo a história oficial, um sujeito indeterminado postou o vídeo, que Bolsonaro removeu, desculpando-se com o STF. Na sequência, Carlos, o 02, atribuiu a postagem ao próprio presidente, enquanto Filipe Martins, o assessor internacional, reiterava seu conteúdo: “o establishment não gosta de se ver retratado, mas é o que ele é — um punhado de hienas”. Tradução: o “leão” expressava sua convicção profunda, alertando os seus para o perigo — mas, sitiado pelas “hienas”, foi obrigado a recuar. Moral da história: sem a ruptura, as “hienas” triunfarão.

O populismo nasce dentro da democracia, mas a envenena aos poucos, corroendo as instituições que a protegem, até instalar um “autoritarismo eletivo”. A dinâmica — tão clara na Rússia, na Turquia, na Hungria e na Venezuela — não se aplica ao bolsonaro-olavismo. Por aqui, a seita extremista que forma o núcleo do governo sonha com uma cisão radical: a “história repetida”.

“Ou o presidente age agora para fechar os partidos ligados ao Foro de São Paulo ou eles o derrubarão em seis meses”, tuitou o Bruxo da Virgínia, repetindo seu mantra sobre os “seis meses” derradeiros, que emerge semestralmente. Dias depois, o filhote 03 preconizou “um novo AI-5”. A célere erosão da popularidade do governo e as procrastinadas investigações sobre eventuais laços do clã presidencial com as milícias só reforçam o projeto golpista.
“Acho que vira a página”, sugeriu Hamilton Mourão. O vice simula não entender que essa “página” nunca vira. A subversão da democracia, a conclamação à anarquia militar, é o único e verdadeiro programa de governo de Bolsonaro.

 
Demetrio Magnoli, jornalista - Opinião - O Globo
 

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