Por Vilma Gryzinski
As tensões étnicas, difíceis de entender para quem é de fora, são componente explosivo para governo interino que caiu no colo de uma senadora desconhecida
Quem é branco, quem é mestiço e quem é indígena na Bolívia?No Brasil, com o adicional do grande ramo africano, as fronteiras são mais fluídas e as proporções mais distribuídas. .
Mas não é difícil colocar a presidente interina boliviana, Jeanine Áñez, na nossa paisagem humana.
De traços evidentemente miscigenados, ela é uma mulher bonita de 52 anos com todos os acessórios de aprimoramento estético que se pode “comprar na clínica”, como brincam tantas adeptas que podem bancar os custos. Lentes perfeitamente alinhados, cabelos longos e aloirados, sobrancelhas impossivelmente arqueadas, entre outros atributos.
Fora a maquiagem extensa, incluindo cílios postiços no meio de uma crise que deixaria muita gente sem tempo nem cabeça sequer para se olhar no espelho.
Jennifer Lopez poderia interpretá-la, numa versão aumentada da realidade.
Na Bolívia, a presidente que assumiu no vácuo deixado pelo dominó de renúncias, terminando em Evo Morales, é uma “blanquita”.
E isso é uma das muitas encrencas que caíram no colo de Jeanine Áñez , senadora por Beni, o estado amazônico que faz fronteira com a Rondônia.
Até então, era conhecida por defender causas como o combate à violência contra a mulher. É também uma católica tradicional, não daquelas que dão crucifixo com foice e martelo para o papa como fez Evo com um deslumbrado Francisco. Levar uma Bíblia para prestar seu juramento presidencial, para um mandato precário mesmo em sua interinidade, foi considerado praticamente um ato fascista pela esquerda.
Catolicismo aceitável e até desejável, desse ponto de vista ideológico, é o que venera a Pachamama, como fez o argentino Francisco.
As tensões entre religião tal como era ensinada pela Igreja e os ritos indígenas, passando por todo o sincretismo intermediário, também indicam a oposição entre “blancos” e “índios”.
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CAUDILHOS BÁRBAROS
“El Chino”, como era chamado o engenheiro agrícola descendente de japoneses, explorou bem ressentimentos dos “cobrizos andinos” contra a elite branca. Tradução: o escritor que depois ganharia o Nobel de Literatura.
“Até há não muitos anos, parecia um axioma que o racismo era uma tara perigosa, que deveria ser combatida sem contemplações, porque as ideias de raças puras, ou de raças superiores e inferiores, haviam mostrado com o nazismo as apocalíptica consequência que esses estereótipos ideológicos podiam provocar”, escreveu Vargas Llosa.
“Mas, de um tempo para cá, graças a personagens como o venezuelano Hugo Chávez, o boliviano Evo Morales e a família Humala no Peru, o racismo ganhou de novo protagonismo e respeitabilidade, e fomentado e abençoado por um setor irresponsável da esquerda, se transformou num valor, num fator que serve para determinar a bondade e a maldade das pessoas, ou seja, sua correção ou incorreção política.”
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Empenhado em “salvar Paris”, cuja fama de centro mundial da elegância conhecia, embora não conseguisse localizar a Franca num mapa, inclusive porque não sabia ler, chamou um general para comandar uma tropa que pretendia enviar para ajudar os franceses. O general argumentou que seria impossível atravessar o Atlântico e ouviu: “Não seja burro, pegaremos um atalho”.
No começo de seu surreal governo, foi chamado para uma conversa no Palácio Quemado com um ex-presidente, Manuel Izidoro Belzú, que havia voltado para a Bolívia à frente de um movimento de resistência e retomado o controle de parte do país. Uma multidão favorável a Belzú começou a se juntar em frente ao palácio. Lá dento, Melgarejo já havia rapidamente despachado o rival para o além.
Diz a lenda que quando a multidão começou a dar vivas a Belzú, Melgarado levou o corpo ainda quente até o balcão do palácio e provocou: “Belzú está morto. Quem vive agora?”
“Viva Melgarejo”, respondeu o populacho.
Diz a lenda também que Melgarejo entregou o Acre ao Brasil, seduzido por um cavalo branco que ganhou do embaixador brasileiro.
É fake news histórica. Foi José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão de Rio Branco, o futuro patrono do Itamaraty, que negociou o acordo, precipitado pelos brasileiros que ocupavam o território amazônico e se rebelavam contra a autoridade boliviana.
O cavalo foi um presente dado depois do acordo, que envolveu pequenas concessões territoriais e pagamentos em dinheiro mais altos.
A perda do Acre para o Brasil e, principalmente, a do corredor territorial que dava uma saída ao Pacífico através do Chile ainda são traumas nacionais. Folcloricamente, para quem está de fora, mas como uma questão de honra nacional para quem está dentro, a Bolívia mantém uma Marinha e um comandante da Marinha, embora não tenha mar.
A AMANTE DO PRESIDENTE
Com sua história de golpismo crônico e de horrenda escravização dos aimaras, uma “tradição” que começou com o império inca e foi ressuscitada pelos colonizadores espanhóis, quando o apelo das montanhas de prata foi maior que os princípios morais e religiosos, a Bolívia tem complicadores diferentes dos brasileiros.
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