Valor Econômico
Chances de emenda à Constituição reinstituir prisão após condenação à segunda instância são pequenas
Pela terceira vez em uma década, o Supremo Tribunal Federal mudou sua
posição sobre a possibilidade de um réu ser preso após condenação em
segunda instância. Os ministros do STF, após o escândalo do mensalão e o
sucesso da Operação Lava-Jato, oscilaram de acordo com os ventos
políticos. Ao avanço da Lava-Jato correspondeu a decisão de fevereiro de
2016, que alterava outra de 2009, permitindo o cumprimento da pena a
partir do julgamento em segunda instância, reafirmada em pelo menos mais
um julgamento. Os desvios do script legal da Lava-Jato, apontados pelo
The Intercept, ajudaram a produzir nova reviravolta, em direção à
posição anterior, de a prisão só ocorrer esgotados todos os recursos -
que no sistema judicial brasileiro são muitos.
A questão ganhou maior relevância porque entre os presos que poderiam
ser beneficiados pela medida estava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. A decisão sobre o tema acabou seguindo o timing político da
Corte. O presidente Dias Toffoli a colocou em julgamento apenas depois
que Lula já podia deixar a prisão e cumprir a pena em regime
semi-aberto. Lula usou seu faro político ao não aceitar a progressão
para o regime semi-aberto e esperar a possibilidade, que afinal veio, de
poder recorrer da decisão livremente. [o condenado petista continua condenado, com seus crimes sobre suas costas, sentença validada pelo STJ.
E também impossibilitado de ser candidato, devido a Lei da Ficha Limpa, que proíbe a candidatura de criminosos condenados por órgão colegiado.]
O artigo 283 do Código de Processo Penal sempre foi claro a respeito da
prisão apenas em última instância, o que podia ou não estar de acordo
com a Constituição, compatibilidade a que os ministros aplicaram toda a
sabedoria hermenêutica para afirmar que não havia, e depois, que havia. A
forma definitiva de tirar as dúvidas, disse Dias Toffoli no fim do
julgamento de quinta-feira, era que o Congresso deixasse explícito que a
prisão se tornaria possível após a segunda instância.
No Senado, há uma proposta de emenda constitucional nesse sentido,
esposada por parlamentares do PSL. As chances políticas dela prosperar,
porém, são inversamente proporcionais à possibilidade de dezenas de
políticos envolvidos no petrolão e outros casos de corrupção serem
condenados. Na Câmara dos Deputados, tudo indica que ela não passa. No
Senado, há algum espaço para isso. O entendimento atual do STF é o da volta a um passado que em boa medida
protege criminosos do colarinho branco. A necessária mudança em direção a
padrões mais rígidos parece ter sido enterrada a curto prazo pela
reação do Supremo contra os procuradores da Lava-Jato e seus expedientes
heterodoxos e pela atitude de autoproteção dos políticos.
O resultado imediato dessa novela é que o governo de Jair Bolsonaro que,
por falta de oposição, criara uma dentro de seu próprio partido, o PSL,
agora terá de combater um adversário popular e hábil que não pôde
enfrentar nas urnas em 2018. Lula, por sua vez, terá contra si o governo
de um político de direita agressivo, que chegou ao Planalto exatamente
pela desmoralização que os escândalos de corrupção causaram ao PT, e que
pretende ir até aonde for possível para impedir Lula de recriar para a
esquerda uma perspectiva de poder.
Há indícios de que a polarização será retomada, mas também de que essa
página da história pode ser virada. As manifestações contra a decisão do
STF, em São Paulo, exibiram críticas aos filhos de Bolsonaro,
refletindo um racha já existente no PSL e nas forças da direita. E Lula
terá de enfrentar grande rejeição e mostrar-se interessado em agrupar a
esquerda em torno do PT, quando o movimento contrário parecia
prevalecer. Por obra de Lula, o PT não abriu mão até hoje da primazia da
condução da disputa pelo Planalto, deixando na sombra o PSB, Ciro Gomes
e Psol.
A disputa presidencial é muito prematura e não se definirá logo. Com
Lula na raia da esquerda e Bolsonaro na da direita, sobra para o centro
político a bandeira do “novo”, que Bolsonaro na verdade não poderia
empunhar. Os caminhos se estreitaram para Ciro Gomes e João Doria, mas
há trilhas para novatos como Luciano Huck. O estado da economia vai
decantar possibilidades.
Lula escolheu como alvo a política econômica em um momento em que ela
começa a dar resultados mais visíveis, no crescimento e no emprego, sem
que os programas sociais tenham sido dizimados, como o PT previa.
Colocar todos os males nas costas de Guedes só colará se a economia
continuar patinando. Foi a imponente ruína legada por Dilma Rousseff que
trouxe consigo os males que Lula aponta. O PT não tem outro discurso.
As linhas políticas terão de ser redesenhadas.
Editorial - Valor Econômico
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