No final de novembro, a 8ª Turma do Tribunal Regional da 4.ª
Região (TRF4) não apenas confirmou, como também aumentou a pena imposta ao
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo do sítio de Atibaia, a
segunda condenação dele no âmbito da operação Lava Jato. A decisão ocorreu pouco tempo após o Supremo Tribunal
Federal (STF) revisar seu entendimento sobre a sequência da apresentação de
alegações finais pelos acusados. Há quem diga que foi uma afronta em relação ao
órgão superior. Mas não é o que pensa o presidente do TRF-4, o desembargador
Victor Luiz dos Santos Laus.
“Como o Supremo Tribunal Federal não havia delimitado a
forma como seriam feitos esses julgamentos, os desembargadores agiram com
absoluta autonomia e liberdade. Eu não vejo no que isso possa ser considerado
como uma afronta, uma provocação ao Supremo Tribunal Federal”, declarou Victor
Laus em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo. E mais: para Laus, essa “indecisão”
do STF atrapalha o andamento do poder Judiciário como um todo, em que pese ser
normal revisitar posições de tempos em tempos, na visão do juiz.
“É óbvio que quando o Supremo Tribunal Federal decide, a
expectativa é que a decisão dele sinalize, oriente, todas as outras instâncias.
Mas o que nós temos visto, e você há de convir comigo, é que as últimas
decisões do Supremo decidem, mas não decidem. A Corte chega a uma conclusão,
mas na hora de enunciar essa conclusão, na hora de proclamar, fica para um
segundo momento”, analisa.
O desembargador Victor Laus esteve na redação do jornal
nesta segunda-feira (9), e conversou sobre a atuação do TRF4 como revisor dos
processos da Lava Jato, o “modus operandi” da operação, o caso de plágio na
sentença da juíza Gabriela Hardt, a suspeição de Sergio Moro, o papel do STF e
outros temas. O TRF4 é o órgão revisor da Lava Jato.
Como o senhor avaliou
o resultado do último julgamento do caso do sítio de Atibaia, em que o
ex-presidente Lula é réu.
A 8ª turma não só confirmou a sentença, como aumentou
a pena. Qual sua avaliação?
Na realidade o nosso tribunal já tem uma longa experiência
na matéria criminal. Nós temos duas turmas do âmbito do tribunal que julgam a
matéria penal e desde pelo menos 2009 essas turmas julgam exclusivamente
processos criminais. Portanto, os desembargadores e juízes que integram essas
turmas são profissionais altamente experientes, na matéria criminal e esse
julgamento do dia 27, do sítio de Atibaia, na realidade vai nessa linha.
Era um caso, que de certa forma tinha a sua complexidade,
mas que teve pela frente três juízes acostumados a decidirem causas complexas,
causas de repercussão. Pelo que eu acompanhei, e eu só conheço pela imprensa
detalhes desse caso, na realidade o julgamento foi estritamente baseado naquilo
que o processo continha, e não pode ser diferente. O juiz quando forma sua
convicção, ele analisa os argumentos do Ministério Público, que em princípio
formula a acusação, ouve os argumentos que os advogados e a defesa apresentam,
no sentido de defender quem está sendo acusado, e nesse entrechoque de posições
o juiz analisa o conjunto de provas que existem nos autos e forma sua
convicção, no sentido de reconhecer a razão a um outro lado. Nesse caso em
particular, formou-se o juízo condenatório em função das pessoas que estavam
sendo acusadas, em razão de todas as provas que existiam nos autos.
Como o senhor vê a decisão da 8ª turma, de confirmação dessa
sentença, mesmo após o STF ter mudado o entendimento sobre a sequência da
apresentação de alegações finais pelos acusados?
Considera que houve um tipo de
enfrentamento por parte do TRF4 em relação ao órgão superior?
Na realidade, o Supremo Tribunal Federal havia tomado uma
decisão próximo a data desse julgamento, enfrentando um processo envolvendo uma
terceira pessoa. E nessa oportunidade, a maioria dos ministros entendeu que
deveria ser observado um outro procedimento, uma nova ordem de apresentação
dessas alegações finais. Mas, no final desse julgamento do Supremo Tribunal
Federal, o ministro presidente [Dias Toffoli] anunciou que seria feita uma
determinada modulação dos efeitos dessa decisão.
Acontece que essa modulação até o determinado momento não
ocorreu. Enquanto não houver essa modulação, todos os tribunais do país podem
decidir como entender de direito e foi o que aconteceu no dia 27 [de novembro,
no TRF4]. Os desembargadores, a respeito dessa específica questão jurídica,
entenderam que não estava demonstrado o prejuízo para um dos acusados. Como
Supremo Tribunal Federal não havia delimitado a forma como seriam feitos esses
julgamentos, os desembargadores no dia 27 agiram com absoluta autonomia e
liberdade. Eu não vejo no que isso possa ser considerado como uma afronta, uma
provocação ao Supremo Tribunal Federal.
Antes de assumir a presidência do TRF4, o senhor atuou em
diversos julgamentos envolvendo processos da operação Lava Jato.
Em entrevista
ao jornal O Estado de S. Paulo, o senhor declarou que em cinco anos nunca ouviu
um advogado envolvido em casos da operação defendendo a inocência do cliente no
mérito.
Por que?
O que isso diz sobre o nosso sistema?
Ao longo desses anos na operação Lava Jato, o tribunal, no
caso a 8.ª turma, se debruçou com recursos chamados habeas corpus. Tiveram
outros recursos, mas na grande generalidade dos casos foram habeas corpus. E
habeas corpus é um instrumento jurídico que não permite uma defesa mais
aprofundada. Sem embargo disso, o habeas corpus permite uma defesa, por
exemplo, específica relativamente a você dizer que o seu cliente não tem
responsabilidade sobre aquilo de que ele está sendo acusado. Mas ao longo
desses quatro, cinco anos, esses habeas corpus nunca giraram em torno disso
especificamente. Sempre se detiveram em aspectos de forma das ações, nulidades,
arguições de impedimentos, ou seja, questões periféricas. O cerne da questão, o
âmago da questão, da responsabilidade de quem é acusado, nunca foi objeto de
contestação ao longo desses anos. Mais recentemente, sim, o tribunal está
julgando agora as apelações criminais.
Então, naturalmente apelação é um recurso em que a
controvérsia é examinada profundamente. Agora sim os advogados se viram,
digamos assim, obrigados a enfrentar também esses aspectos. Mas já poderia
tê-lo feito antes. Talvez tenha sido uma estratégia, eu não sei, eu não entro
nesse debate. Mas o fato é que, a grosso modo, nunca se disse que alguém teria
sido inocentemente, injustamente, acusado. Poderiam tê-lo feito então. Na
realidade, a operação Lava Jato se muniu de um conjunto de elementos, reuniu um
conjunto de evidências que provavelmente dissuadiu os advogados de usarem essa
tese.
Ou seja, isso demonstra que o trabalho de todos aqueles
profissionais que se envolveram na denominada força-tarefa – Receita Federal,
Controladoria-Geral da União, Advocacia da União, Ministério Público Federal,
Polícia Federal – foi um trabalho compartilhado de todas aquelas pessoas que
compõem o que eu chamo, e muita gente chama, de sistema de integridade. Isso
põe por terra a afirmação de que a operação Lava Jato queria prejudicar A ou B.
Não houve isso, nunca houve isso. Sempre foi um trabalho bem feito, sólido,
tanto sólido que nunca foi objeto de contestação mais aprofundada.
O senhor considera a Lava Jato um marco para o Judiciário
brasileiro?
Eu considero que a operação Lava Jato foi uma ruptura de
paradigma. Se nós consideramos que, até 2013, as outras operações policiais que
foram realizadas, e tiveram várias, sempre esbarraram em problemas que nos
tribunais superiores foram reconhecidos de modo a anulá-las – a Castelo de
Areia, Hidra e várias operações –, o que há de novo na operação Lava Jato?
Esses profissionais que falei há pouco, lá em 2013, conheciam essas decisões.
Em conhecendo o que se decidir, eles se prepararam. Eles olharam: ‘Olha mas não
podemos agir dessa forma porque isso os tribunais dizem que está errado. Nós
não podemos fazer isso, porque isso tribunais dizem que é insuficiente. Nós não
podemos fazer assim, porque isso os tribunais dizem que está errado. Vamos
consertar isso.’
E fizeram isso: foram afastando essas lacunas, essas falhas,
que eram reconhecidas, de modo que criaram uma forma de trabalho, um método de
trabalho. Eu não gosto de usar o juridiquês, mas em Direito nós chamamos modus
operandi: encontrar um método de trabalho que afastava todas essas
deficiências, que até então vitimavam e anulavam mais investigações. Essa é a receita do sucesso da operação Lava Jato. Eles
foram previdentes: se deram conta de tudo o que havia de errado até então,
procuraram evitar esses mesmos erros e fizeram um trabalho consequente. Tanto é
que nós estamos esses anos todos aí investigando fatos que não são do dia a
dia. São fatos de certa forma complexos, porque envolvem a maior empresa
petrolífera do país.
Qual sua avaliação sobre a questão do suposto plágio na
sentença de primeira instância do sítio de Atibaia?
Essa expressão “copia e cola” está descontextualizada. O
público que estiver nos ouvindo, se eventualmente tiver feito mestrado,
doutorado ou algum trabalho acadêmico, sabe do que nós vamos falar. Na
realidade, é uma estratégia para todo profissional que trabalha com texto fazer
o que chamamos de fichamento. A medida em que você vai estudando, você vai
separando matérias, você vai fazer um fichamento para num dado momento reunir
todo esse material e elaborar seu texto.
No caso concreto, me parece que foi exatamente do que se
trata. Ou seja: a juíza Gabriela Hardt tinha uma estrutura de uma sentença, de
certa forma delineada no caso paradigma, e essa sentença havia sido feita pelo
então juiz Sergio Moro. Ela muito provavelmente tomando como paradigma essa estrutura
da sentença procurou adaptar a essa estrutura questões relativas àquele caso
que ela estava tratando. E por uma desatenção, creio eu, constou uma locução se
referindo ao apartamento, que seria o processo do tríplex, no processo em
julgamento, que era do sítio de Atibaia. Agora, daí se dizer por esse fato
absolutamente involuntário que houve uma cópia de uma sentença do doutor Moro
vai uma longa distância. Quem é professor sabe qual é a técnica de um bom
estudante. Ninguém larga do zero: a gente vai reunir elementos, num dado
momento a gente reúne e chega ao trabalho final.
Exatamente por isso, que você mencionou agora há pouco,
doutor Moro foi questionado por isso. Eu me lembro, uma vez, um advogado entrou
com um recurso questionando a rapidez com que o doutor Moro decidia, como se
houvesse um Direito a demorar para decidir. Mas o advogado se insurgia: “mas
como é que esse juiz julga tão rápido? Não é ele que julga, alguém faz a
sentença para ele”. Mas doutor Moro é doutor em Direito, ou seja, ele sabe como
se trabalha. Ele vinha pouco a pouco preparando sentença, ia tomando anotações
e num dado momento, esgotável a instrução criminal, ele tinha a sentença
pronta. Não demorava, diferente de outros juízes que não fazem isso, e quando
acaba a instrução largam do zero. Consequentemente vão demorar mais. É uma
técnica de trabalho, um método de trabalho, então não vejo nada de
extraordinário nisso.
Qual a sua opinião sobre o pedido de suspeição do ex-juiz
Sergio Moro, feito pela defesa do ex-presidente Lula, com base nos diálogos
divulgados pelo site The Intercept?
Eu já tive oportunidade de falar sobre isso. O Supremo
Tribunal Federal, no episódio de Joesley Batista, em que ele gravou o
presidente Michel Temer, no dia em que foi anunciado aquela gravação veio a
público dizer: “isso é irregular, isso é ilegal. Bota aquela fita no lixo
porque aquilo não vale nada”. Discutiu-se meses a fio a respeito daquela
gravação realizada por Joesley Batista.
O que é diferente entre o episódio Joesley Batista e o
episódio envolvendo esse site que vem divulgando essas notícias? Joesley
Batista estava conversando com o presidente Michel Temer, era um dos
interlocutores da conversa. Se eu e você estamos conversando e eu ligo meu
celular na função gravação, eu posso amanhã divulgar o áudio porque sou eu que
estou conversando com você. E você pode fazer o mesmo, porque nós dois estamos
conversando. Ou seja, os participantes da conversação podem mutualmente se
gravar e não há nada de ilegal nisso – é até uma defesa sua ou minha. No
episódio do Intercept, diferentemente, um terceiro grampeou as conversações que
se estabeleciam no aplicativo em questão. Nós sabemos que foi um terceiro que
fez isso aí. Isso se chama grampo e grampo, para nós, é ilegal – quem disse
isso foi o Supremo Tribunal Federal.
Então, na realidade, o Supremo tem um problema para
resolver:
como é que ele vai considerar essas mensagens obtidas pelo site
Intercept se elas partem de um grampo?
Em Direito, nós dissemos que prova nula
não gera prova válida. O que é nulo é nulo, tem que ser tornado sem efeito. Eu
diria a você que nós estamos diante de uma ilicitude e é bom que o Supremo
pense a respeito quando vier a decidir, porque caso ele opte por alterar a sua
jurisprudência, ele terá que resolver um grande problema. Amanhã, eu posso
gravar o seu celular sem a sua autorização e espalhar para quem quer que seja.
Mas, temos que respeitar a privacidade dos outros. Quando eu quero invadir a
sua privacidade, eu tenho que pedir ao juiz para dar uma autorização. Nesse caso,
o que houve foi um grampo e grampo, para mim, é ilegal.
Como o senhor avalia a recente decisão do STF que proíbe a
prisão depois do julgamento de segunda instância?
O Supremo Tribunal Federal havia decidido essa questão pela
primeira vez em 2009. Em 2009, os ministros que compunham o Supremo na época
entenderam que a prisão só poderia se dar após o último dos recursos possíveis.
Em 2016, ele voltou a examinar o tema e nessa oportunidade, por sete votos a
quatro, passou a entender que a prisão poderia se dar já a partir do julgamento
de segunda instância. A questão estava superada, no intervalo de sete anos
entre uma decisão e outra, estava superada. Em decorrência da decisão de 2016,
o nosso tribunal, o TRF4, aprovou a denominada súmula 122. E, doravante, sempre
que houvesse uma decisão em segundo grau, não sujeita a qualquer recurso com
efeito suspensivo, se dava o cumprimento da pena. E vários tribunais agiram da
mesma forma.
Agora no último julgamento, ou seja, dois anos e alguma
coisa depois, quase três anos, o Supremo resolveu reabrir essa discussão.
Perceba: não há nenhum problema que um juiz revise o seu ponto de vista. As
pessoas evoluem, as pessoas alteram as suas compreensões. Mas, eu acredito que
esse último julgamento, ele não estava maduro para acontecer. E a prova disso:
o tribunal é composto por 11 ministros – cinco se mantiveram fiéis a decisão de
2009 e cinco fiéis a decisão de 2016. Como o tribunal é composto por 11
ministros, o presidente tinha que dar o voto de desempate. Teoricamente, quando
você tem cinco para um lado, cinco para o outro, o desempate ou adere a uma
posição ou outra, mas o presidente saiu por uma terceira via. O presidente
disse assim: ‘não, essa questão não é de natureza constitucional. Isso é um
problema do Congresso’. E daí começou a confusão.
Hoje, nós temos alguns deputados e senadores entendendo que
tem que ser feito um projeto de lei para alterar o Código de Processo Penal, no
artigo 283. E outros deputados e senadores entendendo que tem que ser feita uma
proposta de emenda à Constituição para alterar o artigo 5.°. Durma-se com um
barulho desse, não é? Essa questão está entregue pelo voto do ministro
presidente do Supremo Tribunal Federal ao Congresso Nacional. Nós já recebemos
habeas corpus da ministra Cármen Lúcia, por exemplo, mandando colocar em
liberdade todos os presos que desde a aprovação da nossa súmula 122 estão
cumprindo pena. Nós já demos cumprimento a essa decisão e isso está acontecendo
em vários tribunais do país. O Congresso Nacional tem que tomar uma decisão: ou
bem ele altera o Código de Processo Penal ou bem ele altera a Constituição. É
esse o estado da arte, digamos assim.
O senhor acha que é esse o caminho mais correto ou
definitivo, a via legislativa?
Na realidade, quem pode garantir que se o Congresso Nacional
vier alterar o Código de Processo Penal não haverá um novo questionamento no
Supremo e o tribunal novamente se divida como se dividiu? Porque o grande
debate está, a meu juízo parece, no artigo 5º da Constituição, a devida
interpretação a ser dada ao artigo quinto. E essa interpretação não pode ser
feita isoladamente ao que prevê os artigos 102 e 105 da Constituição – são três
artigos da Constituição. “Ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito
em julgado de uma sentença penal condenatória”. O artigo não diz ninguém poderá
ser preso, diz ninguém será culpado. O artigo 102 e o artigo 105, cada um
respectivamente, estabelecem recurso extraordinário, é dirigido ao Supremo,
recurso especial, é dirigido ao STJ, não se presta reexame de prova. Esse é o
debate.
Se os tribunais superiores, ordinariamente, não reexaminam
provas, a prova se esgota com a decisão de segundo grau. Se a prova se esgota
com a decisão de segundo grau, é no segundo grau que se reconhece se alguém é
culpado ou não. Então, esse é o grande debate. Ou seja: por que aguardar o
último recurso se esses recursos não examinam prova? Me parece que pode o
Congresso Nacional alterar o Código Processo Penal, mas, amanhã ou depois, nós
poderíamos ter um quarto julgamento para novamente enfrentar essa questão. O
bom seria que pacificasse.
Decisões da Justiça vêm sendo mais questionadas pela
população e há um debate sobre a insegurança jurídica gerada por algumas delas.
Qual sua opinião?
É natural que, de tempo em tempo, as questões sejam
reexaminadas. Não há nada de errado nisso. O que me parece importante é tentar
entender o porquê isso acontece. Tem várias razões: razões sociológicas,
antropológicas, filosóficas, tem várias questões. Mas, talvez, uma delas esteja
em certa parte na nossa Constituição. A nossa Constituição é um diploma muito
extenso. Em 1988, o ano da Assembleia Nacional Constituinte, os deputados e
senadores que participaram daquela Assembleia chegaram à conclusão de que algumas
questões deveriam ficar abertas, não poderiam ser fechadas. É por isso que se
diz que a nossa Constituição é uma Constituição aberta.
Toda Constituição aberta, que não é clara em sua redação,
abre uma grande margem de interpretação. E a interpretação da Constituição no
nosso modelo é assegurada a todo e qualquer juiz desse país – desde o juiz mais
novo, com um minuto de carreira, até o ministro do Supremo mais antigo. Todo e
qualquer juiz nesse país pode decidir sobre a interpretação da Constituição.
É óbvio que quando o Supremo Tribunal Federal decide, a
expectativa é que a decisão dele sinalize, oriente, todas as outras instâncias.
Mas o que nós temos visto, e você há de convir comigo, é que as últimas
decisões do Supremo decidem, mas não decidem. A Corte chega a uma conclusão,
mas na hora de enunciar essa conclusão, na hora de proclamar, fica para um
segundo momento. Ou seja, está havendo um debate muito grande dentro da própria
Suprema Corte. Eu acredito que a hora que esse debate na Suprema Corte se
pacificar, todo o poder Judiciário por tabela, vamos dizer assim, vai alcançar
uma maior pacificação.
Na sua opinião, a pressão popular influencia o comportamento
do Judiciário brasileiro?
Eu acredito que em função desse conteúdo acentuadamente vago
da nossa Constituição, no Brasil se tornou corriqueiro se debater. Alguns
chamam isso de polarização. Na realidade, existe um grande esgarçamento na
sociedade, alguns chamam de discurso de ódio. As pessoas entram numa rede
social, estabelecem discussões sem fim, que ninguém sabe como começou e nem
como vai terminar de debater.
As pessoas debaterem faz parte, é do dia a dia. As pessoas
irem para rua reivindicar é uma expressão da cidadania. É bom, isso é bom. Mas
seria melhor se as pessoas fossem para rua com um objetivo. Porque, senão, fica
uma manifestação sem rumo e com o tempo isso enfraquece essa manifestação. As
pessoas cansam.
O brasileiro é um cidadão que com o tempo ele se
desinteressa por algumas coisas, ele tem fases: hoje eu vou focar nisso, amanhã
eu vou focar naquilo. E de galho em galho, as pessoas vão mudando e a vida
segue. Mas, quando se envolve uma manifestação, uma expressão da cidadania,
isso é uma coisa importante. Eu penso que essas reivindicações têm que ter
foco, objetivo. E para isso, você tem que ter um debate prévio.
Na realidade, nós temos que aprimorar o funcionamento das
instituições de modo que as pessoas tenham essa oportunidade do debate prévio,
porque senão fica debater por debater. Ou seja: colégio, universidades, família,
sociedade, empresas, política... A política não precisa ser necessariamente
execrada, a política é boa, por isso que faz parte da sociedade, constrói a
sociedade. Temos que apostar em bons políticos. O sistema está passando por um
processo de reoxigenação, então quando se fala também no Judiciário é porque o
Judiciário também tem a sua mea culpa.
O discurso jurídico, o nosso jargão jurídico é muito
fechado, é muito hermético. É um juridiquês. Nós, juízes, temos que aprender a
nos comunicar para a sociedade. Nós temos que falar de uma forma que as pessoas
entendam sobre o que nós estamos falando. A partir do momento em que o
Judiciário fizer isso, que a política fizer isso, que a empresa fizer isso, que
na academia, na universidade, os professores fizerem isso as pessoas vão
entender melhor as coisas e daí o diálogo vai fluir. Discordar do outro nunca
foi um problema. Mas você tem que saber do que você está discordando e porque
você está discordando.