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sábado, 23 de setembro de 2023

A gangorra e o vento - Alon Feuerwerker

Análise Política

O andamento das colaborações referentes ao 8 de janeiro exige alguma cautela na interpretação, mas as versões trazidas até agora não autorizam muito otimismo sobre provar o envolvimento institucional necessário para caracterizar uma tentativa concreta de golpe de Estado. Houve em toda a transição pós-eleitoral, e isso já se sabia, um desejo de virada de mesa. E houve os acontecimentos daquele domingo. A dificuldade, até agora, está em conectar os dois fatos.

Seria um golpe de Estado sem o Exército ou contra o Exército. Complicado.

Mas, como em toda investigação revestida de forte componente político, aguardar é prudente. Um exemplo é a Lava Jato, que levou anos para construir o arcabouço condenatório almejado pelos seus condutores. Ali, métodos heterodoxos buscaram redesenhar um disseminado sistema de caixa dois eleitoral, com elementos de corrupção política, como se fosse o inverso. Ao final, as forçações de barra acabaram facilitando o desabamento do castelo de areia.

E os que ontem caçavam hoje são caçados.

Mas seria também precipitado debitar o fim inglório da Lava Jato e seus personagens às heterodoxias. 
A Lava Jato morreu, e os líderes dela estão em retirada ou em fuga, porque mudou a correlação de forças políticas e sociais. Os equívocos de Jair Bolsonaro na presidência foram centrais para a divisão do bloco histórico que o elegera em 2018. Na gangorra da política, quando um dos lados desce, o outro sobe. 
Quem matou a Lava Jato não foi o Telegram.

Agora, o cenário guarda alguma semelhança com o período 2014-18.

A Lava Jato pôde avançar sem maior resistência porque o sistema de freios e contrapesos estava bem relativizado. Aqui e ali, vozes isoladas pediam a observância do devido processo legal e questionavam a terra arrasada empresarial, mas era só um registro. No mais, um alinhamento quase perfeito (quem não impulsionava, recolhia-se a uma conveniente passividade, muitas vezes em nome do “republicanismo") de vetores facilitou a vida de Curitiba.

Na teoria, numa democracia como a nossa, o sistema de freios e contrapesos garante por si próprio que todos os núcleos de poder sofram alguma limitação para prevalecer sobre os demais. Na prática, a experiência brasileira comprova mais uma vez que depende. 
Se Executivo, Legislativo, Judiciário, imprensa e sociedade civil estão alinhados, ainda que algum ou mais de um deles esteja neutralizado, o mecanismo engasga. 
E, no limite, uma hora deixa de funcionar.

Como resolver? Difícil. A exemplo da guerra, na política os exércitos avançam até alcançar os objetivos ou enfrentar resistência que imponha mudança de cenário. Esta pode resultar de dificuldades econômicas, mas regimes políticos sobrevivem a isso quando há coesão nos grupos dominantes. Coesão que sempre é imposta por uma mistura de coerção e consenso. Até aqui, o governo Luiz Inácio Lula da Silva vai bem na aplicação da primeira e na construção do segundo.

Onde está a dúvida? O lavajatismo e seu produto político-eleitoral, o bolsonarismo, talvez tenham acreditado que poderiam eliminar o petismo só por meio da coerção. Se ambos tivessem compreendido que sua hegemonia seria mais estável e duradoura caso trabalhassem para absorver no sistema um petismo minoritário, porém legitimador, é possível que não estivessem enredados nas atuais dificuldades. Mas o “se” não joga e jamais saberemos.

Hoje, o vento venta no sentido da criminalização da direita, como um dia ventou para criminalizar a esquerda. Qual será a resultante?

 Alon Feuerwerker, jornalista e analista político


domingo, 25 de abril de 2021

Nas firulas do processo, todos livres - Carlos Alberto Sardenberg

Sessão de análise, você diz: sonhei com fulano/a, e não foi um sonho erótico.

Danou-se. O/a analista já sabe: foi erótico. É clássico. Vários ministros do STF que votaram pela anulação das condenações de Lula, imediatamente acrescentaram: atenção, não vale para os demais casos.  Ou seja, vale. Ou pode valer, já que aqui o direito parece ser ainda mais subjetivo e fluído do que a análise psicanalítica, freudiana ou não.

Está na cara que todos os condenados com algum ponto de conexão com os casos de Lula – e praticamente todos têm – vão reclamar os mesmos julgamentos. Se a 13ª. Vara de Curitiba é incompetente para Lula, por que não seria para os demais membros da quadrilha denunciada pela Lava Jato e condenada em três instâncias? Pior ainda: pode surgir dessa última decisão do STF uma tremenda confusão, cujos beneficiários serão os réus – e seus advogados, claro.

Digamos que o processo de Lula tivesse começado na Justiça Federal de Brasília, como entendem alguns ministros. A defesa do ex-presidente poderia entrar com HC no Superior Tribunal de Justiça alegando que a competência não estava em Brasília. O STJ poderia, então, mandar o processo para … Curitiba. E por que dizemos isso? 
Porque o STJ entendeu, há anos, que a 13ª. Vara era a competente para os casos de Lula. Ou seja, se tivesse começado em Brasília, o STF teria argumentos para anular tudo e mandar para a capital do Paraná. Ou para São Paulo.

Reparem: crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, do tamanho que se viu, são praticados em diversos lugares ao mesmo tempo. O dinheiro foi roubado em contratos superfaturados com a Petrobras, cuja sede fica no Rio. Esse dinheiro circulou pelo sistema financeiro internacional e viajou pelo país inteiro, financiando desde triplex e sítio, que ficam em São Paulo, até campanhas eleitorais do PT em todos os estados, mas centralizadas em Brasília.

Ou seja, há argumentos para se sustentar a competência em muitos lugares. Tanto é assim que, para alguns ministros, o caso Lula deveria ficar em Curitiba, para outros, em Brasília ou em São Paulo. E tem quem ainda não saiba. Esse é um ambiente propício para os advogados da turma da Lava Jato avançarem no terreno que dominam: o das formalidades, dos detalhes técnicos secundários, das firulas processuais. Falam em devido processo legal. Na verdade, trata-se de evitar a discussão dos fatos objetivos se houve ou não corrupção e lavagem de dinheiro – para arrastar os processos indefinidamente.

Reparem de novo: o STF não disse que triplex e sítio não foram dados a Lula, por empresas corrompidas com a Petrobras. Disse que o caso deveria ser reiniciado em Brasília, talvez em São Paulo, talvez . . .Tudo considerado, é, sim, toda a operação Lava Jato que pode ser desmontada – nas firulas processuais – como o foi a Castelo de Areia. E se, na próxima semana, o STF decidir pela suspeição de Sérgio Moro, o fim é certo.

Claro, os ministros dirão: só vale para Lula. Sim, claro, só para Lula, dirão, às gargalhadas, os advogados dos demais condenados, quando estiverem comemorando no grupo.

Oportuno ler em conjunto com: a culpa é do STF 

Coluna publicada em O Globo - Economia 24 de abril de 2021

 

sábado, 13 de março de 2021

Pária duas vezes - Carlos Alberto Sardenberg

Coluna publicada em O Globo - Economia 13 de março de 2021

Não custa lembrar. A Operação Castelo de Areia, de 2009, foi uma espécie de pré-Lava Jato. O alvo, uma empreiteira, a Camargo Correia, da qual quatro diretores foram presos no primeiro momento, pairando ameaças sobre outros membros da empresa e associados no governo do então presidente Lula. Mas logo apareceu um recurso junto ao Superior Tribunal de Justiça, que caiu com o magistrado Cesar Asfor Rocha. E ele simplesmente cancelou toda a operação, com base numa ridícula formalidade: as denúncias iniciais haviam partido de fontes anônimas.

Ridícula, para não dizer outra coisa, porque as denúncias recebidas anonimamente foram objeto de uma ampla investigação que encontrou, sim, grossa corrupção. Não foi mera coincidência que o ministro da Justiça na época era o advogado Marcio Thomas Bastos, uma espécie de grande chefe dos criminalistas especialistas em anular processos e adiar processos indefinidamente. Reparem, não se tratava, então, de provar a inocência dos réus, mas de melar o processo ou de reduzir crime a simples infrações. Como diziam os advogados no julgamento no Petrolão – não é corrupção, é simples caixa dois.

Por outro lado, não é própria polícia que incentiva as denúncias anônimas, no mundo todo?  Aliás, não resisto a contar uma historinha que se não é verdade, é bem ilustrativa. Diz que um empresário quebrado e envolvido em confusões procurou um famoso escritório e pediu: não me importo de perder todo meu dinheiro, só quero ficar com o nome limpo de novo. E ouviu do advogado: o senhor veio ao escritório errado; aqui nós salvamos o dinheiro e deixamos o nome sujo.

E o que aconteceu nesta semana, no caso Lula? Depois de mais de cinco anos de investigações, um caminhão de provas e condenações em primeira, segunda e terceira instâncias, aparece uma “incompetência”. Algo assim: pois é pessoal, desculpa aí, mas esses casos do Lula deveriam ser julgados em Brasília, não em Curitiba. Pode ter sido uma jogada do ministro Fachin livrar Lula, para salvar a Lava Jato – mas, pelo menos até aqui, deu muito errado
Decretou o Lula livre, prestes a ter todos seus crimes prescritos, e desacreditou a Lava Jato.

Tudo isso deu força ao ministro Gilmar Mendes na sua campanha para não apenas livrar Lula, mas anular toda a Lava Jato – e livrar assim todos os empresários e políticos amigos apanhados pela operação. Acrescente a intensa movimentação do presidente da Câmara, Artur Lira, ele próprio um denunciado, para aprovar leis que restringem o conceito de crimes do colarinho branco e protegem os eventuais apanhados, e pronto: está em curso avançado o movimento das elites para abafar o combate à corrupção. Ou, dito pelo avesso, movimento pró-impunidade.

Ou ainda: foi tudo uma miragem. 
A Petrobras, outras estatais e o governo não foram assaltados na era petista. 
A Odebrecht não pagou um tostão por fora. 
A delação de seus donos foi uma invenção. 
A Petrobras não recebeu dinheiro de volta. 
Os estádios da Copa saíram a preço de custo. 
E por aí vai. Dizem os garantistas: sim, corrupção, mas deveria ter sido provada pelo devido processo legal. Qual? 
Aquele das formalidades de anular toda uma operação porque a denúncia inicial foi anônima? 
Que dinheiro de caixa dois não é roubado?

A operação Lava Jato aprendeu com os processos de combate à corrupção desenvolvidos inicialmente nos Estados Unidos e depois absorvidos pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. O Brasil é signatário, por exemplo, do acordo de combate à lavagem de dinheiro, prática apanhada pela Lava Jato. Aliás, a OCDE, hoje em dia, leva em consideração dois temas básicos quando define políticas de crescimento sustentado: proteção ao meio ambiente e combate à corrupção.

O Brasil não se torna pária “apenas” por causa de Bolsonaro.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista 

 

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

STF confuso, Lula solto e suspeição de Moro: como pensa o presidente do TRF4, Victor Laus - Gazeta do Povo

Fernanda Trisotto

No final de novembro, a 8ª Turma do Tribunal Regional da 4.ª Região (TRF4) não apenas confirmou, como também aumentou a pena imposta ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo do sítio de Atibaia, a segunda condenação dele no âmbito da operação Lava Jato.  A decisão ocorreu pouco tempo após o Supremo Tribunal Federal (STF) revisar seu entendimento sobre a sequência da apresentação de alegações finais pelos acusados. Há quem diga que foi uma afronta em relação ao órgão superior. Mas não é o que pensa o presidente do TRF-4, o desembargador Victor Luiz dos Santos Laus.
 “Como o Supremo Tribunal Federal não havia delimitado a forma como seriam feitos esses julgamentos, os desembargadores agiram com absoluta autonomia e liberdade. Eu não vejo no que isso possa ser considerado como uma afronta, uma provocação ao Supremo Tribunal Federal”, declarou Victor Laus em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo. E mais: para Laus, essa “indecisão” do STF atrapalha o andamento do poder Judiciário como um todo, em que pese ser normal revisitar posições de tempos em tempos, na visão do juiz.

É óbvio que quando o Supremo Tribunal Federal decide, a expectativa é que a decisão dele sinalize, oriente, todas as outras instâncias. Mas o que nós temos visto, e você há de convir comigo, é que as últimas decisões do Supremo decidem, mas não decidem. A Corte chega a uma conclusão, mas na hora de enunciar essa conclusão, na hora de proclamar, fica para um segundo momento”, analisa.

O desembargador Victor Laus esteve na redação do jornal nesta segunda-feira (9), e conversou sobre a atuação do TRF4 como revisor dos processos da Lava Jato, o “modus operandi” da operação, o caso de plágio na sentença da juíza Gabriela Hardt, a suspeição de Sergio Moro, o papel do STF e outros temas. O TRF4 é o órgão revisor da Lava Jato. 

Como o senhor avaliou o resultado do último julgamento do caso do sítio de Atibaia, em que o ex-presidente Lula é réu. 
A 8ª turma não só confirmou a sentença, como aumentou a pena. Qual sua avaliação?
Na realidade o nosso tribunal já tem uma longa experiência na matéria criminal. Nós temos duas turmas do âmbito do tribunal que julgam a matéria penal e desde pelo menos 2009 essas turmas julgam exclusivamente processos criminais. Portanto, os desembargadores e juízes que integram essas turmas são profissionais altamente experientes, na matéria criminal e esse julgamento do dia 27, do sítio de Atibaia, na realidade vai nessa linha.

Era um caso, que de certa forma tinha a sua complexidade, mas que teve pela frente três juízes acostumados a decidirem causas complexas, causas de repercussão. Pelo que eu acompanhei, e eu só conheço pela imprensa detalhes desse caso, na realidade o julgamento foi estritamente baseado naquilo que o processo continha, e não pode ser diferente. O juiz quando forma sua convicção, ele analisa os argumentos do Ministério Público, que em princípio formula a acusação, ouve os argumentos que os advogados e a defesa apresentam, no sentido de defender quem está sendo acusado, e nesse entrechoque de posições o juiz analisa o conjunto de provas que existem nos autos e forma sua convicção, no sentido de reconhecer a razão a um outro lado. Nesse caso em particular, formou-se o juízo condenatório em função das pessoas que estavam sendo acusadas, em razão de todas as provas que existiam nos autos.

Como o senhor vê a decisão da 8ª turma, de confirmação dessa sentença, mesmo após o STF ter mudado o entendimento sobre a sequência da apresentação de alegações finais pelos acusados? 
Considera que houve um tipo de enfrentamento por parte do TRF4 em relação ao órgão superior?
 Na realidade, o Supremo Tribunal Federal havia tomado uma decisão próximo a data desse julgamento, enfrentando um processo envolvendo uma terceira pessoa. E nessa oportunidade, a maioria dos ministros entendeu que deveria ser observado um outro procedimento, uma nova ordem de apresentação dessas alegações finais. Mas, no final desse julgamento do Supremo Tribunal Federal, o ministro presidente [Dias Toffoli] anunciou que seria feita uma determinada modulação dos efeitos dessa decisão.

Acontece que essa modulação até o determinado momento não ocorreu. Enquanto não houver essa modulação, todos os tribunais do país podem decidir como entender de direito e foi o que aconteceu no dia 27 [de novembro, no TRF4]. Os desembargadores, a respeito dessa específica questão jurídica, entenderam que não estava demonstrado o prejuízo para um dos acusados. Como Supremo Tribunal Federal não havia delimitado a forma como seriam feitos esses julgamentos, os desembargadores no dia 27 agiram com absoluta autonomia e liberdade. Eu não vejo no que isso possa ser considerado como uma afronta, uma provocação ao Supremo Tribunal Federal.

Antes de assumir a presidência do TRF4, o senhor atuou em diversos julgamentos envolvendo processos da operação Lava Jato. 
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o senhor declarou que em cinco anos nunca ouviu um advogado envolvido em casos da operação defendendo a inocência do cliente no mérito. 
Por que? 
O que isso diz sobre o nosso sistema?
Ao longo desses anos na operação Lava Jato, o tribunal, no caso a 8.ª turma, se debruçou com recursos chamados habeas corpus. Tiveram outros recursos, mas na grande generalidade dos casos foram habeas corpus. E habeas corpus é um instrumento jurídico que não permite uma defesa mais aprofundada. Sem embargo disso, o habeas corpus permite uma defesa, por exemplo, específica relativamente a você dizer que o seu cliente não tem responsabilidade sobre aquilo de que ele está sendo acusado. Mas ao longo desses quatro, cinco anos, esses habeas corpus nunca giraram em torno disso especificamente. Sempre se detiveram em aspectos de forma das ações, nulidades, arguições de impedimentos, ou seja, questões periféricas. O cerne da questão, o âmago da questão, da responsabilidade de quem é acusado, nunca foi objeto de contestação ao longo desses anos. Mais recentemente, sim, o tribunal está julgando agora as apelações criminais.

Então, naturalmente apelação é um recurso em que a controvérsia é examinada profundamente. Agora sim os advogados se viram, digamos assim, obrigados a enfrentar também esses aspectos. Mas já poderia tê-lo feito antes. Talvez tenha sido uma estratégia, eu não sei, eu não entro nesse debate. Mas o fato é que, a grosso modo, nunca se disse que alguém teria sido inocentemente, injustamente, acusado. Poderiam tê-lo feito então. Na realidade, a operação Lava Jato se muniu de um conjunto de elementos, reuniu um conjunto de evidências que provavelmente dissuadiu os advogados de usarem essa tese.

Ou seja, isso demonstra que o trabalho de todos aqueles profissionais que se envolveram na denominada força-tarefa Receita Federal, Controladoria-Geral da União, Advocacia da União, Ministério Público Federal, Polícia Federal – foi um trabalho compartilhado de todas aquelas pessoas que compõem o que eu chamo, e muita gente chama, de sistema de integridade. Isso põe por terra a afirmação de que a operação Lava Jato queria prejudicar A ou B. Não houve isso, nunca houve isso. Sempre foi um trabalho bem feito, sólido, tanto sólido que nunca foi objeto de contestação mais aprofundada.

O senhor considera a Lava Jato um marco para o Judiciário brasileiro?
Eu considero que a operação Lava Jato foi uma ruptura de paradigma. Se nós consideramos que, até 2013, as outras operações policiais que foram realizadas, e tiveram várias, sempre esbarraram em problemas que nos tribunais superiores foram reconhecidos de modo a anulá-las – a Castelo de Areia, Hidra e várias operações –, o que há de novo na operação Lava Jato? Esses profissionais que falei há pouco, lá em 2013, conheciam essas decisões. Em conhecendo o que se decidir, eles se prepararam. Eles olharam: ‘Olha mas não podemos agir dessa forma porque isso os tribunais dizem que está errado. Nós não podemos fazer isso, porque isso tribunais dizem que é insuficiente. Nós não podemos fazer assim, porque isso os tribunais dizem que está errado. Vamos consertar isso.’

E fizeram isso: foram afastando essas lacunas, essas falhas, que eram reconhecidas, de modo que criaram uma forma de trabalho, um método de trabalho. Eu não gosto de usar o juridiquês, mas em Direito nós chamamos modus operandi: encontrar um método de trabalho que afastava todas essas deficiências, que até então vitimavam e anulavam mais investigações. Essa é a receita do sucesso da operação Lava Jato. Eles foram previdentes: se deram conta de tudo o que havia de errado até então, procuraram evitar esses mesmos erros e fizeram um trabalho consequente. Tanto é que nós estamos esses anos todos aí investigando fatos que não são do dia a dia. São fatos de certa forma complexos, porque envolvem a maior empresa petrolífera do país.

Qual sua avaliação sobre a questão do suposto plágio na sentença de primeira instância do sítio de Atibaia?
Essa expressão “copia e cola” está descontextualizada. O público que estiver nos ouvindo, se eventualmente tiver feito mestrado, doutorado ou algum trabalho acadêmico, sabe do que nós vamos falar. Na realidade, é uma estratégia para todo profissional que trabalha com texto fazer o que chamamos de fichamento. A medida em que você vai estudando, você vai separando matérias, você vai fazer um fichamento para num dado momento reunir todo esse material e elaborar seu texto.

No caso concreto, me parece que foi exatamente do que se trata. Ou seja: a juíza Gabriela Hardt tinha uma estrutura de uma sentença, de certa forma delineada no caso paradigma, e essa sentença havia sido feita pelo então juiz Sergio Moro. Ela muito provavelmente tomando como paradigma essa estrutura da sentença procurou adaptar a essa estrutura questões relativas àquele caso que ela estava tratando. E por uma desatenção, creio eu, constou uma locução se referindo ao apartamento, que seria o processo do tríplex, no processo em julgamento, que era do sítio de Atibaia. Agora, daí se dizer por esse fato absolutamente involuntário que houve uma cópia de uma sentença do doutor Moro vai uma longa distância. Quem é professor sabe qual é a técnica de um bom estudante. Ninguém larga do zero: a gente vai reunir elementos, num dado momento a gente reúne e chega ao trabalho final.

Exatamente por isso, que você mencionou agora há pouco, doutor Moro foi questionado por isso. Eu me lembro, uma vez, um advogado entrou com um recurso questionando a rapidez com que o doutor Moro decidia, como se houvesse um Direito a demorar para decidir. Mas o advogado se insurgia: “mas como é que esse juiz julga tão rápido? Não é ele que julga, alguém faz a sentença para ele”. Mas doutor Moro é doutor em Direito, ou seja, ele sabe como se trabalha. Ele vinha pouco a pouco preparando sentença, ia tomando anotações e num dado momento, esgotável a instrução criminal, ele tinha a sentença pronta. Não demorava, diferente de outros juízes que não fazem isso, e quando acaba a instrução largam do zero. Consequentemente vão demorar mais. É uma técnica de trabalho, um método de trabalho, então não vejo nada de extraordinário nisso.

Qual a sua opinião sobre o pedido de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, feito pela defesa do ex-presidente Lula, com base nos diálogos divulgados pelo site The Intercept?
 Eu já tive oportunidade de falar sobre isso. O Supremo Tribunal Federal, no episódio de Joesley Batista, em que ele gravou o presidente Michel Temer, no dia em que foi anunciado aquela gravação veio a público dizer: “isso é irregular, isso é ilegal. Bota aquela fita no lixo porque aquilo não vale nada”. Discutiu-se meses a fio a respeito daquela gravação realizada por Joesley Batista.

O que é diferente entre o episódio Joesley Batista e o episódio envolvendo esse site que vem divulgando essas notícias? Joesley Batista estava conversando com o presidente Michel Temer, era um dos interlocutores da conversa. Se eu e você estamos conversando e eu ligo meu celular na função gravação, eu posso amanhã divulgar o áudio porque sou eu que estou conversando com você. E você pode fazer o mesmo, porque nós dois estamos conversando. Ou seja, os participantes da conversação podem mutualmente se gravar e não há nada de ilegal nisso – é até uma defesa sua ou minha. No episódio do Intercept, diferentemente, um terceiro grampeou as conversações que se estabeleciam no aplicativo em questão. Nós sabemos que foi um terceiro que fez isso aí. Isso se chama grampo e grampo, para nós, é ilegal – quem disse isso foi o Supremo Tribunal Federal.

Então, na realidade, o Supremo tem um problema para resolver:
como é que ele vai considerar essas mensagens obtidas pelo site Intercept se elas partem de um grampo? 
Em Direito, nós dissemos que prova nula não gera prova válida. O que é nulo é nulo, tem que ser tornado sem efeito. Eu diria a você que nós estamos diante de uma ilicitude e é bom que o Supremo pense a respeito quando vier a decidir, porque caso ele opte por alterar a sua jurisprudência, ele terá que resolver um grande problema. Amanhã, eu posso gravar o seu celular sem a sua autorização e espalhar para quem quer que seja. Mas, temos que respeitar a privacidade dos outros. Quando eu quero invadir a sua privacidade, eu tenho que pedir ao juiz para dar uma autorização. Nesse caso, o que houve foi um grampo e grampo, para mim, é ilegal.

Como o senhor avalia a recente decisão do STF que proíbe a prisão depois do julgamento de segunda instância?
 O Supremo Tribunal Federal havia decidido essa questão pela primeira vez em 2009. Em 2009, os ministros que compunham o Supremo na época entenderam que a prisão só poderia se dar após o último dos recursos possíveis. Em 2016, ele voltou a examinar o tema e nessa oportunidade, por sete votos a quatro, passou a entender que a prisão poderia se dar já a partir do julgamento de segunda instância. A questão estava superada, no intervalo de sete anos entre uma decisão e outra, estava superada. Em decorrência da decisão de 2016, o nosso tribunal, o TRF4, aprovou a denominada súmula 122. E, doravante, sempre que houvesse uma decisão em segundo grau, não sujeita a qualquer recurso com efeito suspensivo, se dava o cumprimento da pena. E vários tribunais agiram da mesma forma.

Agora no último julgamento, ou seja, dois anos e alguma coisa depois, quase três anos, o Supremo resolveu reabrir essa discussão. Perceba: não há nenhum problema que um juiz revise o seu ponto de vista. As pessoas evoluem, as pessoas alteram as suas compreensões. Mas, eu acredito que esse último julgamento, ele não estava maduro para acontecer. E a prova disso: o tribunal é composto por 11 ministros – cinco se mantiveram fiéis a decisão de 2009 e cinco fiéis a decisão de 2016. Como o tribunal é composto por 11 ministros, o presidente tinha que dar o voto de desempate. Teoricamente, quando você tem cinco para um lado, cinco para o outro, o desempate ou adere a uma posição ou outra, mas o presidente saiu por uma terceira via. O presidente disse assim: ‘não, essa questão não é de natureza constitucional. Isso é um problema do Congresso’. E daí começou a confusão.

Hoje, nós temos alguns deputados e senadores entendendo que tem que ser feito um projeto de lei para alterar o Código de Processo Penal, no artigo 283. E outros deputados e senadores entendendo que tem que ser feita uma proposta de emenda à Constituição para alterar o artigo 5.°. Durma-se com um barulho desse, não é? Essa questão está entregue pelo voto do ministro presidente do Supremo Tribunal Federal ao Congresso Nacional. Nós já recebemos habeas corpus da ministra Cármen Lúcia, por exemplo, mandando colocar em liberdade todos os presos que desde a aprovação da nossa súmula 122 estão cumprindo pena. Nós já demos cumprimento a essa decisão e isso está acontecendo em vários tribunais do país. O Congresso Nacional tem que tomar uma decisão: ou bem ele altera o Código de Processo Penal ou bem ele altera a Constituição. É esse o estado da arte, digamos assim.

O senhor acha que é esse o caminho mais correto ou definitivo, a via legislativa?
Na realidade, quem pode garantir que se o Congresso Nacional vier alterar o Código de Processo Penal não haverá um novo questionamento no Supremo e o tribunal novamente se divida como se dividiu? Porque o grande debate está, a meu juízo parece, no artigo 5º da Constituição, a devida interpretação a ser dada ao artigo quinto. E essa interpretação não pode ser feita isoladamente ao que prevê os artigos 102 e 105 da Constituição – são três artigos da Constituição. “Ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória”. O artigo não diz ninguém poderá ser preso, diz ninguém será culpado. O artigo 102 e o artigo 105, cada um respectivamente, estabelecem recurso extraordinário, é dirigido ao Supremo, recurso especial, é dirigido ao STJ, não se presta reexame de prova. Esse é o debate.

Se os tribunais superiores, ordinariamente, não reexaminam provas, a prova se esgota com a decisão de segundo grau. Se a prova se esgota com a decisão de segundo grau, é no segundo grau que se reconhece se alguém é culpado ou não. Então, esse é o grande debate. Ou seja: por que aguardar o último recurso se esses recursos não examinam prova? Me parece que pode o Congresso Nacional alterar o Código Processo Penal, mas, amanhã ou depois, nós poderíamos ter um quarto julgamento para novamente enfrentar essa questão. O bom seria que pacificasse.

Decisões da Justiça vêm sendo mais questionadas pela população e há um debate sobre a insegurança jurídica gerada por algumas delas. Qual sua opinião?
 É natural que, de tempo em tempo, as questões sejam reexaminadas. Não há nada de errado nisso. O que me parece importante é tentar entender o porquê isso acontece. Tem várias razões: razões sociológicas, antropológicas, filosóficas, tem várias questões. Mas, talvez, uma delas esteja em certa parte na nossa Constituição. A nossa Constituição é um diploma muito extenso. Em 1988, o ano da Assembleia Nacional Constituinte, os deputados e senadores que participaram daquela Assembleia chegaram à conclusão de que algumas questões deveriam ficar abertas, não poderiam ser fechadas. É por isso que se diz que a nossa Constituição é uma Constituição aberta.

Toda Constituição aberta, que não é clara em sua redação, abre uma grande margem de interpretação. E a interpretação da Constituição no nosso modelo é assegurada a todo e qualquer juiz desse país – desde o juiz mais novo, com um minuto de carreira, até o ministro do Supremo mais antigo. Todo e qualquer juiz nesse país pode decidir sobre a interpretação da Constituição.

É óbvio que quando o Supremo Tribunal Federal decide, a expectativa é que a decisão dele sinalize, oriente, todas as outras instâncias. Mas o que nós temos visto, e você há de convir comigo, é que as últimas decisões do Supremo decidem, mas não decidem. A Corte chega a uma conclusão, mas na hora de enunciar essa conclusão, na hora de proclamar, fica para um segundo momento. Ou seja, está havendo um debate muito grande dentro da própria Suprema Corte. Eu acredito que a hora que esse debate na Suprema Corte se pacificar, todo o poder Judiciário por tabela, vamos dizer assim, vai alcançar uma maior pacificação.

Na sua opinião, a pressão popular influencia o comportamento do Judiciário brasileiro?
Eu acredito que em função desse conteúdo acentuadamente vago da nossa Constituição, no Brasil se tornou corriqueiro se debater. Alguns chamam isso de polarização. Na realidade, existe um grande esgarçamento na sociedade, alguns chamam de discurso de ódio. As pessoas entram numa rede social, estabelecem discussões sem fim, que ninguém sabe como começou e nem como vai terminar de debater.

As pessoas debaterem faz parte, é do dia a dia. As pessoas irem para rua reivindicar é uma expressão da cidadania. É bom, isso é bom. Mas seria melhor se as pessoas fossem para rua com um objetivo. Porque, senão, fica uma manifestação sem rumo e com o tempo isso enfraquece essa manifestação. As pessoas cansam.

O brasileiro é um cidadão que com o tempo ele se desinteressa por algumas coisas, ele tem fases: hoje eu vou focar nisso, amanhã eu vou focar naquilo. E de galho em galho, as pessoas vão mudando e a vida segue. Mas, quando se envolve uma manifestação, uma expressão da cidadania, isso é uma coisa importante. Eu penso que essas reivindicações têm que ter foco, objetivo. E para isso, você tem que ter um debate prévio.

Na realidade, nós temos que aprimorar o funcionamento das instituições de modo que as pessoas tenham essa oportunidade do debate prévio, porque senão fica debater por debater. Ou seja: colégio, universidades, família, sociedade, empresas, política... A política não precisa ser necessariamente execrada, a política é boa, por isso que faz parte da sociedade, constrói a sociedade. Temos que apostar em bons políticos. O sistema está passando por um processo de reoxigenação, então quando se fala também no Judiciário é porque o Judiciário também tem a sua mea culpa.

O discurso jurídico, o nosso jargão jurídico é muito fechado, é muito hermético. É um juridiquês. Nós, juízes, temos que aprender a nos comunicar para a sociedade. Nós temos que falar de uma forma que as pessoas entendam sobre o que nós estamos falando. A partir do momento em que o Judiciário fizer isso, que a política fizer isso, que a empresa fizer isso, que na academia, na universidade, os professores fizerem isso as pessoas vão entender melhor as coisas e daí o diálogo vai fluir. Discordar do outro nunca foi um problema. Mas você tem que saber do que você está discordando e porque você está discordando.

Gazeta do Povo, República - Vídeo da entrevista



sábado, 19 de outubro de 2019

Procurador diz que País voltará a ser o paraíso da impunidade se a prisão em 2ª Instância acabar

“A impunidade dos poderosos vai se intensificar”

Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, o procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol diz que, se o STF acabar com a prisão a partir da condenação em segunda instância, o Brasil voltará a ser o paraíso dos corruptos

Nos últimos cinco meses, Deltan Dallagnol, coordenador da força tarefa da Lava Jato, teve a vida virada do avesso. Depois de ser reconhecido, ao lado do ex-juiz Sergio Moro, como um dos responsáveis pelas investigações que levaram 150 pessoas poderosas para a cadeia por corrupção – entre elas o ex-presidente Lula –, o jovem procurador da República, de 39 anos, passou a ter seu trabalho questionado após a invasão de seu Telegram por um grupo de hackers que roubaram mensagens de suas conversas com o atual ministro da Justiça e outros colegas. A divulgação dos diálogos pelo site The Intercept colocaram em dúvida algumas de suas ações. Para ele, no entanto, ficou demonstrado que não houve nada de irregular nos procedimentos: “Nenhum inocente foi condenado”. [não pode ser olvidado:  - os hackers invadiram o Telegram do procurador Dallagnol e roubaram o seu conteúdo;
- não foi provado que as mensagens divulgadas pelo 'intercePTação' sejam autênticas - não houve cadeia de custódia nem perícia, assim, até que se prove eventual, e improvável, autenticidade, tais conversas são apenas lixo.]

O procurador entende ter sido “vítima de fofocas”, como ele classifica a chamada vaza jato, e que agora o pior já passou. Em razão disso, decidiu conceder uma longa entrevista exclusiva à ISTOÉ, na qual aproveitou para expressar suas apreensões quanto ao futuro da Lava Jato. O procurador entende que a operação está em xeque e que o STF está prestes a tomar uma decisão que pode provocar retrocessos no combate à corrupção: o fim da condenação após julgamento em segunda instância. “A decisão do STF sobre o tema definirá se queremos ou não voltar a ser o paraíso da impunidade de poderosos”. O procurador acredita que se o condenado puder apelar até a última instância para somente então ir preso, o Supremo estará colocando em liberdade milhares de corruptos, homicidas, traficantes e estupradores. “Somente na Lava Jato serão soltos 38 presos”. Entre eles, o ex-presidente Lula.

Provas ilícitas
Além dessa iniciativa, outras medidas no âmbito do STF ameaçam a continuidade da Lava Jato, de acordo com o procurador. A decisão do presidente do STF, Dias Toffoli, de suspender as investigações de ações baseadas em dados do Coaf, e que favoreceram o senador Flávio Bolsonaro, seria uma dessas. Para Dallagnol, a lei neste caso foi contrariada. Outra ação do STF que pode abalar a operação, em sua visão, é o julgamento do tribunal do pedido de suspeição do ex-juiz Sergio Moro por ter condenado o ex-presidente Lula no tríplex movido por pretensas “motivações políticas”, de acordo com os advogados do petista. Eles pedem a anulação da sentença. Dallagnol lamentou que o ministro Gilmar Mendes tenha admitido usar os diálogos do ex-juiz com procuradores para contribuir com a tese da anulação do julgamento. “A Constituição proíbe o uso de provas ilícitas”, criticou o procurador.

Dallagnol diz enxergar nesses movimentos uma espécie de ofensiva destinada a inviabilizar a operação, como ocorreu no passado com a Castelo de Areia e a Satiagraha, anuladas pela Justiça, “apesar das provas materiais dos crimes”. Ele não tem dúvida de que a vaza jato fez parte de processo semelhante. Apesar dos ataques sofridos, Dallagnol aposta que a Lava Jato resistirá. Somente este ano, de acordo com seu levantamento, foram executadas  nove das 72 fases da operação até aqui realizadas desde 2014. Também no mesmo período firmou dezenas de acordos com criminosos para a recuperação de R$ 2 bilhões em dinheiro desviado da Petrobras. Ele reconhece, porém, estar com fôlego mais curto depois de cinco anos à frente da operação e admite: pode deixar a chefia da força tarefa nos próximos meses. Deltan estuda aceitar o cargo de procurador regional da República no Paraná:“Estou refletindo sobre o assunto”.

O que o senhor acha do fim da condenação em segunda instância, decisão que o STF pode tomar nos próximos dias?
A decisão definirá se queremos ou não voltar a ser o paraíso da impunidade de poderosos. Já a discussão jurídica diz respeito à interpretação do princípio da presunção da inocência no Brasil. De um lado, há quem lhe dê uma conotação absoluta e, assim, exija o julgamento do último recurso possível antes da prisão. De outro lado, está quem defende que nenhum princípio constitucional é absoluto. Assim, a presunção da inocência deve ser compatibilizada com a eficiência da Justiça. No mesmo sentido, a leitura histórica do princípio é de que foi criado para garantir que a prisão ocorra após um julgamento em que o ônus da prova é da acusação.

[em que pese nossa notória ignorância jurídica não acreditamos que o STF declare  a suspeição do então juiz Sergio Moro - a argumentação dos rábulas  que defendem o presidiário Lula de que Moro negociou a condenação de Lula em troca do cargo de ministro, não prospera, as datas não ajudam o arguído pelos defensores do presidiário petista;

- o STF costuma ter uns acessos de imprevisibilidade, notadamente pelo fato de alguns ministros em certos momentos se sentem realmente SUPREMOS, quando apenas integram a Corte Suprema (aquela no sábio entendimento de Rui Barbosa é a que tem direito de errar por último = o único julgador SUPREMO, ONIPRESENTE, ONISCIENTE, ETERNO e JUSTO é DEUS.) e tomam decisões que produzem um ponto fora da curva;

- os diálogos publicados pelo intercePTação são lixo em termos de prova e o Supremo para aceitá-los terá que rasgar a Constituição = a clareza do texto constitucional que proíbe o uso de provas ilicitas é solar.

O STF não vai buscar o confronto defendendo posições que afrontam à Carta Magna, ao POVO  e a diversas instituições apenas para soltar bandidos condenados ou impedir que outros sejam presos.]

Há ministros que defendem que o réu deve aguardar a última instância para ir preso.
Vários países que acolhem a presunção de inocência permitem que a prisão ocorra após a primeira ou segunda instância. No Brasil, são as duas primeiras instâncias as únicas que examinam fatos e provas, de modo que não faria sentido aguardar as duas subsequentes para a prisão. Outra questão relevante é a necessidade de preservar a estabilidade e segurança jurídica dos precedentes do Supremo – há apenas três anos a Corte autorizou a prisão em segunda instância.
(...)


A posição de Gilmar Mendes contraria o histórico de decisões dos tribunais



O STF deve julgar em breve também o pedido do ex-presidente Lula para a anulação da sua condenação no caso do tríplex, alegando a suspeição do ex-juiz Sergio Moro. O que o senhor acha disso?
Hoje, a condenação não é mais do ex-juiz Sergio Moro, mas de três desembargadores e quatro ministros do STJ, os quais, de forma unânime, confirmaram a condenação. Cinco desses sete julgadores foram nomeados pelo próprio ex-presidente Lula ou por sua sucessora, a ex-presidente Dilma. Ao longo do processo, o juiz seguiu o mesmo padrão dos demais casos e isso o levou a negar vários pedidos do MP e a deferir diversos da defesa, o que corrobora sua imparcialidade. O julgamento está solidamente embasado nos fatos, nas provas e na lei. Além disso, dados que levantamos mostram que a duração do processo e as penas aplicadas ao ex-presidente estão dentro da média dos demais casos da operação. O ex-presidente recebeu o mesmo tratamento dos demais réus da Lava Jato.

 O senhor pediu para que o ex-presidente Lula cumpra o resto da pena do tríplex em prisão domiciliar, mas ele não quer ir para casa com tornozeleira. Ele pode se recusar a deixar a cadeia?
O pedido foi feito pelos procuradores da força-tarefa da Lava Jato, que integro, para que a lei seja cumprida. O estado não pode exercer seu poder para além do que a lei permite, o que caracterizaria excesso de poder. Ninguém pode ficar preso em um regime mais grave do que a lei determina. O ex-presidente deve cumprir pena como qualquer preso, nem menos, nem mais.

(...)

A Lava Jato acabou?
A Lava Jato é um grande trabalho institucional em que estão envolvidos centenas de servidores públicos. E esse trabalho continua em pleno vapor. Em 2019, já oferecemos mais denúncias do que em quatro dos cinco anos da operação e o ano ainda não acabou. Neste ano, foram feitas nove fases da Lava Jato e os acordos realizados com criminosos já ultrapassaram R$ 2 bilhões de reais. Ainda há muito por fazer no ano que vem, se as leis e as decisões superiores permitirem. 

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Nos últimos cinco meses, o senhor foi vitima de ataque de hackers que roubaram mensagens do seu Telegram e as repassaram ao site The Intercept. Qual lição o senhor tirou do caso?
Que valeu a pena tudo que investimos para dar transparência ao nosso trabalho nos últimos cinco anos. O embasamento de cada investigação nos fatos, nas provas e na lei, a publicidade dos processos e o amplo escrutínio da Lava Jato feito pela sociedade e pela Justiça permitiram que a população desenvolvesse uma confiança muito grande no trabalho, o qual resistiu aos ataques.
Apesar dos diálogos envolvendo o senhor e o ex-juiz Sergio Moro não terem revelado nenhuma ação criminosa, o senhor reconhece como verdadeiras as conversas?
Está claro que mensagens foram roubadas por um hacker com largo histórico criminal. Além disso, é impossível recordar de milhares de conversas em cinco anos e não temos mais as mensagens originais para comparação. Muito antes de qualquer divulgação, recebemos orientação para encerrar a conta no Telegram, o que apagou as mensagens, a fim de proteger investigações sigilosas. Até lembramos de temas tratados, mas as acusações de ilegalidades não procedem. Vemos claramente a descontextualização ou deturpação das mensagens, que foram colocadas sob a visão dos advogados dos réus. Se fôssemos seguir o que os advogados dos réus defendem, pediríamos a anulação dos processos, a absolvição de todos os réus e a devolução do dinheiro recuperado.

O senhor acha que houve uma inversão total de valores, em que os criminosos viraram vítimas e os procuradores culpados?
Há uma campanha de vilanização do trabalho legítimo e legal das instituições responsáveis pela persecução penal. No passado, já vimos isso ocorrer em operações como a Castelo de Areia e a Satiagraha, em que tivemos autoridades atacadas com o intuito de desmerecer todo o trabalho investigativo e possibilitar a anulação das operações, apesar do amplo acervo de provas materiais dos crimes. Estamos vivendo o mesmo processo. Agora, atacam o Ministério Público e a Justiça Federal. Cria-se uma acusação genérica de supostos excessos, quando o que cabe é perguntar: qual decisão ou condenação foi equivocada? A onda difamatória é aproveitada por quem tem por intuito anular as condenações, ignorando as provas.

O ministro Gilmar Mendes defende a utilização dos diálogos roubados do seu Telegram nos processos contra o senhor e o ministro Moro. O que o senhor acha disso?
A Constituição proíbe o uso de provas ilícitas.

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Em IstoÉ, MATÉRIA COMPLETA

 

 

terça-feira, 9 de julho de 2019

Chefe da PF do PR descarta perícia em celulares da Lava Jato e não vê crime





O delegado da PF (Polícia Federal) Luciano Flores assumiu o comando da superintendência da corporação no Paraná em fevereiro deste ano com a missão de dar continuidade à Lava Jato. Menos de seis meses depois, acompanha um inquérito que apura a suposta invasão de telefones celulares de membros da força-tarefa da operação e suas conversas com o ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça e chefe de Flores.

A invasão investigada pela PF seria a fonte do vazamento de mensagens privadas entre os membros do MPF (Ministério Público Federal) e Moro. Reveladas pelo The Intercept Brasil, elas indicam que o então juiz, que deveria ser imparcial no julgamento dos casos da Lava Jato, deu conselhos e sugestões àqueles que processavam investigados. Flores, entretanto, não viu abusos ou excessos nos diálogos divulgados até então. Em rápida entrevista concedida ao UOL, ontem, o delegado disse que a troca de mensagens entre juízes, procuradores, advogados ou mesmo policiais é comum e, por vezes, importante para o trabalho de investigadores.

"Quando tem um caso que demande uma determinada prioridade, até para respeitar o princípio da oportunidade da colheita da prova, eu acredito que é necessário", afirmou. Flores ressaltou ainda que os diálogos divulgados foram obtidos de forma ilegal. Por isso, mesmo que fossem irregulares, a PF não poderia investigar se os envolvidos nele realmente cometeram um crime ou ilícito. Reportagem divulgada pelo UOL no sábado mostrou que juristas criticam o fato de a PF não investigar o conteúdo das conversas entre membros da Lava Jato. Segundo especialistas, o Código de Processo Penal determina que a investigação de "fatos e circunstâncias" seria obrigatória, ainda que nenhum crime seja descoberto ao final.

Flores rebate: "Em se tratando de prova ilícita, a gente não pode iniciar uma investigação que supostamente envolveria mensagens entre vítimas, juízes ou procuradores, e aí, com base nesta prova ilícita, tentar apurar se o conteúdo é verdadeiro para tentar incriminar as vítimas". 

Confira os principais trechos da entrevista.
 UOL - Como a PF acompanha o vazamento das conversas de membros da Lava Jato? 
Luciano Flores - Foram instaurados inquéritos para apurar a invasão criminosa de telefones de procuradores e juízes que atuaram na Lava Jato. A PF vem desenvolvendo investigações neste sentido. Com o fim de apurar os crimes correspondentes à invasão, a interceptação telefônica ou de mensagens eletrônicas das vítimas, que são, na maioria, os procuradores que atuaram na Lava Jato.

A PF está apurando também o conteúdo das mensagens, já que juristas apontam que elas podem tratar de ilegalidades?
Isso não é objeto da investigação até porque [as mensagens divulgadas] se trata de prova ilícita. Em se tratando de prova ilícita, a gente não pode iniciar uma investigação que supostamente envolveria mensagens entre vítimas, juízes ou procuradores, e aí, com base nesta prova ilícita, tentar apurar se o conteúdo é verdadeiro para tentar incriminar as vítimas. Isso, no direito brasileiro, não é admitido.  

A PF não investiga o caso por considerar as mensagens uma prova ilegal? 
No direito brasileiro, a prova ilícita, que é o produto de uma interceptação telefônica Como já foi dito por tribunais nas operações Castelo de Areia [2009] e Satiagraha [2008], se isso acontecer, toda a investigação é anulada.

O fato de os procuradores não entregarem seus celulares para perícia não atrapalha a investigação?
Não há necessidade de perícia. A invasão dos celulares não se deu via aparelho, mas foi no sistema do Telegram [aplicativo de mensagens]. Fazer uma perícia nos telefones seria um trabalho improdutivo.

A comunicação informal entre polícia, MP e juiz é corriqueira?
É comum não só na área criminal como na área cível. Assim como os advogados, que fazem uma petição ao juiz, eu acredito que os membros do MPF e a própria PF, quando tem um caso que demande uma determina prioridade, até para respeitar o princípio da oportunidade da colheita da prova, manifeste isso.

Manifestação via mensagem de celular?
Manifestação via mensagem e email ou via qualquer sistema que fica registrado o pedido. Até oficializa melhor do que uma conversa telefônica, por exemplo. Ou mesmo uma conversa pessoal, a qual não é gravada. Quando os contatos se dão por mensagem de texto, por exemplo, isso fica registrado. Isso é mais transparente que uma conversa pessoal.

A PF usa mensagens para fazer pedidos a juízes? 
Não posso afirmar que acontece via mensagens de celular, mas às vezes é necessário, no meio de uma diligência, fazer um pedido e encaminhá-lo pelo meio disponível à Justiça. No caso da Justiça Federal do Paraná, há e-proc [sistema de processo eletrônico]. As nossas petições podem ser feitas no local da busca no próprio processo eletrônico.

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/07/09/chefe-da-pf-do-pr-descarta-pericia-em-celulares-da-lava-jato-e-nao-ve-crime.htm

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