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segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Ativismo judicial - STF – abuso e insegurança jurídica - Gazeta do Povo

Carlos Alberto Di Franco - VOZES

O momento atual do Brasil é de paixões exacerbadas: eleições que se aproximam, candidatos em campanhas sem limites, nervos à flor da pele. Pouca razão e excesso de emoção. É em momentos assim que se exige uma maior ponderação de todos. Também de nós, jornalistas. 
Hoje, mais do que nunca, é importante que se viva a virtude da prudência, no sentido tomista: a arte de, serenamente, coletar todos os dados da realidade que possam ser úteis para a sua compreensão.
 

                                               @Caradorno
 

Mas não podemos esquecer que as eleições passam, as paixões esfriam, as candidaturas e os mandatos também se esvaem. Todavia, há coisas que permanecem, e muitas vezes causam danos de difícil reparação para a vida de um país. Uma delas é a destruição da ordem jurídica que, no Brasil de hoje, é visível a olho nu, e infelizmente está sendo causada pela conduta de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que é – ou ao menos deveria ser – o principal responsável pela garantia do cumprimento e da estabilidade do ordenamento jurídico.

Várias decisões de ministros do STF (na maioria das vezes monocráticas), em vez de estabilizarem a ordem jurídica, destroem-na, atropelando direitos fundamentais

O que se vem observando, lamentavelmente, é exatamente o contrário: várias decisões de ministros do STF (na maioria das vezes monocráticas) que, em vez de estabilizarem a ordem jurídica, destroem-na, atropelando direitos fundamentais e, muitas vezes, também as instituições incumbidas da preservação e do cumprimento do Direito, juntamente com o Poder Judiciário, como é o Ministério Público. São precedentes perigosos, que acabam servindo de mau exemplo, e pouco a pouco se propagam para outros órgãos do Judiciário.

Veja Também:

É o que se vê com a instauração do assim denominado “inquérito das fake news” (posteriormente, de forma jocosa, chamado por Marco Aurélio Mello – ele mesmo ex-ministro do STF – de “inquérito do fim do mundo”). Esse inquérito foi instaurado em 2019, pelo então presidente da corte, o ministro Dias Toffoli. Depois da instauração, sem que se fizesse nenhum sorteio do ministro responsável pela condução do inquérito, ela foi atribuída ao ministro Alexandre de Moraes.

O que motivou a instauração desse inquérito foi a publicação de uma matéria da revista Crusoé, que trazia uma referência ao ministro Dias Toffoli durante apuração feita na Operação Lava Jato. A abertura do inquérito deu-se mediante uma interpretação bastante alargada do artigo 43 do Regimento Interno do próprio STF, que prevê a possibilidade de instauração de inquérito, em caso de infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, e se isso envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição.

Esse inquérito – que ainda tramita até hoje, já decorridos mais de três anos – tem permitido a tomada de uma série de medidas flagrantemente ilegais e inconstitucionais, contra pessoas que nem mesmo são julgadas no STF – o que, por si só, torna abusivas as medidas determinadas por seus ministros. 
Acrescente-se que não pode haver a acumulação das posições de vítima, investigador, acusador e julgador que profere a decisão final. Tal poder, inconstitucional e autoritário, tem ocorrido com uma frequência assustadora. 
Atualmente, em um evidente desvirtuamento da interpretação deste artigo 43 do Regimento Interno, tudo é trazido para o arbitrário inquérito: blogueiros, jornalistas, partidos políticos, “empresários bolsonaristas” etc. A liberdade de expressão, garantia maior da Constituição, foi para o ralo do autoritarismo judicial.
 
As decisões de Alexandre de Moraes ferem o princípio do juiz natural, previsto na Constituição Federal de 1988. 
Em poucas palavras, este princípio significa que todas as pessoas têm o direito de serem julgadas pelo tribunal estabelecido na Constituição e nas leis, que preveem expressamente quais são as matérias e quais são as pessoas que podem ser julgadas por um determinado magistrado. 
É importante registrar que um juiz que não tenha competência para julgar uma pessoa não pode determinar medidas cautelares e coercitivas contra ela (uma prisão preventiva, ou busca e apreensão, por exemplo). É isso, rigorosamente, o que está acontecendo.
 
Já se vão semanas desde que o STF, na figura do ministro Alexandre de Moraes, deu mais uma cartada em seu assalto às liberdades e garantias individuais ao ordenar uma série de medidas cautelares contra empresários, devido a conversas privadas entre eles em um grupo de WhatsApp
O fim do sigilo sobre os documentos relativos a essa operação apenas escancarou o que já se intuía: a ausência completa de base legal para medidas como busca e apreensão de celulares, quebra de sigilo bancário e telemático, suspensão de contas em mídias sociais e até bloqueio de contas bancárias.
 
Além disso, os advogados dos investigados no inquérito das fake news do STF e em alguns de seus desdobramentos, como os inquéritos dos “atos antidemocráticos” e das “mídias digitais”, completaram dois anos sem vistas e sem acesso à íntegra dos autos desses processos. 
Uma ilegalidade e flagrante desrespeito ao direito de defesa.

É hora de todos, também os ilustres ministros do STF, fazerem uma sincera autocrítica. Golpes não dependem apenas de tanques. Podem ser desfechados pelo medo, pela leniência e pela omissão.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos

Carlos Alberto Di Franco, colunista - Gazeta do Povo - VOZES  

 

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

STF x PGR: batalha jurídica interfere nas eleições



Enquanto o Tribunal Superior Eleitoral proíbe a utilização das imagens do Bicentenário da Independência na campanha do presidente Jair Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal segue contrariando a Procuradoria-Geral da República no inquérito que investiga empresários acusados de articular um golpe. 
Mais do que a falta de embasamento jurídico, as decisões se revelam verdadeiras ameaças à democracia.

Sobre o Fora dos Autos
Um momento decisivo na História que você precisa entender. 
Decisões que ignoram o texto constitucional. 
E outras que tomam descaradamente o papel dos legisladores. 
Corruptos soltos por teses descabidas. Censura.

Nunca foi tão importante entender o que significa e quais as consequências do ativismo judicial. Este é um tema que vem passando sem a devida crítica pela maior parte da mídia no Brasil. 
Por isso, a Gazeta do Povo lançou o Fora dos Autos, uma iniciativa inédita no país para debater um tema que afeta todos os brasileiros.

Inscreva-se aqui: o que estamos oferecendo gratuitamente:

    Curso ministrado pela procuradora Thaméa Danelon, ex-chefe da Lava Jato em SP, que explica como funciona a mais alta corte do país.
    Por e-mail, notícias e artigos de colunistas da Gazeta que você precisa acompanhar para não esquecer da importância do combate à corrupção.
    Um e-book com editoriais da Gazeta do Povo sobre fatos jurídicos polêmicos, do perdão a Lula ao inquérito das fake news.

André Uliano - Procurador da República - Gazeta do Povo


quarta-feira, 14 de setembro de 2022

O Supremo não pode inventar leis - Alexandre Garcia

Os principais jornais do país deram a posse de Rosa Weber na Presidência do Supremo na primeira página. De uns anos para cá, a troca de presidente do Supremo tem virado notícia. No século passado, era limitada a uma nota em página interna.

Talvez tenha começado essa exposição, quando o presidente Marco Aurélio mandou instalar a TV Justiça, para divulgar os julgamentos em plenário. Cresceu quando Joaquim Barbosa assumiu a presidência e participou de memoráveis debates sobre o mensalão. Ele renunciou de repente e até hoje ninguém sabe por quê.

Ricardo Levandowski presidente do Supremo entrou para a História ao presidir o julgamento de Dilma Rousseff, quando foi rasgado ao meio o parágrafo único do artigo 52, ficando a condenada elegível e o povo de Minas teve que completar a condenação. [não elegendo a escarrada.]

Depois veio Cármen Lúcia, anunciando aos quatro ventos, no dia da posse, que "cala-boca já morreu". Mal imaginava que mais tarde um cala-boca forte partiria do Tribunal guardião das liberdades de pensamento e de expressão. 
Dias Toffoli marcou sua presidência criando um inquérito sem Ministério Público, com base num artigo do Regimento Interno, derrogado pela Constituição.
 
Ativismo
Depois veio Luiz Fux, cheio de boas intenções. No discurso de posse, reconhecia as críticas de "judicialização da política" e "ativismo judicial". Diagnosticou que o Supremo estava exposto "a um protagonismo deletério" — e conclamou seus pares "a darmos um basta na judicialização vulgar e epidêmica de temas e conflitos em que a decisão política deva reinar". Fux ficou dois anos na presidência vendo o protagonismo deletério só aumentar.

Agora entra Rosa Weber, reafirmando na posse que o Judiciário não age ex officio. Sendo assim, como irá conviver com um inquérito interno que desconhece o devido processo legal? E assume em tempos de quebra do sistema acusatório: a acusação, a Procuradoria Geral da República, não vê crime mas o ministro Alexandre de Moraes não arquiva o inquérito. O juiz continua polícia e promotor — algo impossível em Direito.

Rosa Weber é primeiro lugar no vestibular e em todo curso de Direito da Federal de Porto Alegre. 
Como vice de Fux, vinha revezando com ele o encargo de administrar o Supremo. 
Encargo que não representa autoridade sobre os demais ministros. São 11 cabeças, 11 supremos. Pode conclamar aos pares, como fez Fux, mas não pode obrigar.

Lembro do tempo em que ministros do Supremo mandavam para o arquivo as questiúnculas políticas que os partidos sem força no Legislativo enviavam ao Tribunal. Terá ela consciência dos desvios? No discurso de posse, o que fez foi defender a autonomia do Supremo, embora tenha mencionado "excessos de poder e comportamentos desviantes", mas sem se referir ao seu Tribunal.

O mais conveniente resgate para o Supremo seria o auto-resgate. Seria preciso dominar vaidades e egos. E aplacar a tentação de fazer leis, quando os legisladores decidem não fazer. Rosa Weber disse que o Judiciário dá a última palavra, até para conter as maiorias parlamentares. 
É bom lembrar que o Supremo não pode inventar leis,[o que inclui, sem limitar, o legislar por analogia em matéria penal.]  que não se os legisladores, com mandato popular, não quiserem legislar sobre o tema. E muito menos agir como superiores à própria Constituição.

Rosa Weber só terá um ano porque será aposentada em 2 de outubro do ano que vem. Um ano para aplicar as boas intenções dela em relação à democracia, às liberdades, ao direito e ao Judiciário. Ficará rósea a imagem do Supremo?

Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense 

LEIA TAMBÉM:

Deltan provoca Lula com PowerPoint: 'E se reclamar eu faço outro'

O PowerPoint ligava o petista a esquemas de corrupção não comprovados -  (crédito: Redes Sociais/Reprodução)

O PowerPoint ligava o petista a esquemas de corrupção - (crédito: Redes Sociais/Reprodução)

Confira o “novo” powerpoint de Dallagnol:

"Não entendi, faz um powerpoint".

Bom, pediram tanto que aí está, o mais novo e atualizado powerpoint. E se reclamar eu faço outro...

Se você quer levar a Lava Jato pro Congresso Nacional, ajude a deixar esse powerpoint famoso também e vamos juntos de 1919 no dia 2 de outubro! pic.twitter.com/aHPMJduLOx

AQUI -  MATÉRIA COMPLETA

 

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Um algoz da economia: o ativismo judicial - Revista Oeste

Ubiratan Jorge Iorio

Ilustração: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Ilustração: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

Quando levamos uma xícara de café quente à boca, a precaução, ativada pela lembrança de alguma queimadura pretérita na língua, nos ensina a começar por um pequeno sorvo, para sentirmos se continuamos a beber ou esperamos um pouco. Antes de entrarmos em uma piscina, é sempre aconselhável checarmos a temperatura da água, para evitarmos sensações desagradáveis. Da mesma forma, a prudência nos recomenda colocarmos agasalhos na mala que vamos levar em uma viagem para a Serra Gaúcha.

Esse comportamento defensivo, quase sempre intuitivo, está presente na maior parte dos atos econômicos e manifesta-se tão mais fortemente quanto maior for a sua importância. Não precisamos de nenhuma cautela quando compramos um pãozinho, mas temos de tomar algum cuidado quando encomendamos uma adega pela internet, e necessitamos ter muita atenção antes de uma transação imobiliária. Todas as decisões relevantes, portanto, exigem cuidados em busca de menos incerteza e mais segurança.

À vista disso, riscos fazem parte da rotina das escolhas econômicas, e a teoria nos ensina que há três tipos de reações diante do perigo que representam, a saber: aversão, apego e neutralidade. Sabemos que a maioria dos indivíduos se enquadra na tipificação de avessos ao risco, o que significa que, para uma pessoa-padrão, buscar um mínimo de segurança para evitar ou minimizar riscos é um hábito tido como aconselhável.

A economia funciona pelas ações contínuas de bilhões de indivíduos tentando atingir objetivos específicos. Contudo, o fato de cada pessoa almejar fins exclusivamente seus e, portanto, diferentes daqueles perseguidos pelas demais não impede a existência de um núcleo de propósitos comuns, pois, se não fosse assim, viver em sociedade não faria muito sentido. O que caracteriza uma sociedade livre, aberta, virtuosa e próspera é, em muitos aspectos, a garantia dessa coexistência entre os objetivos de cada indivíduo e os fins comuns. Teoricamente, o que pode assegurar esse sincronismo é a lei, que existe para garantir regras fixas para o jogo e a segurança, com vistas a minimizar os riscos.

Cooperação social
Economia e Direito
são, portanto, indissociáveis, e não podemos nos esquecer de que uma das finalidades da lei é precisamente amparar as transações econômicas, especialmente decisões de investimento, que são escolhas de longo prazo e de grande relevância para o crescimento sustentado. Quando não há lei, ou quando sua função é pervertida, as atividades econômicas transformam-se em jogos de soma zero — ou seja, caracterizados por conflitos — e termina prevalecendo o caos social, ou, em linguagem menos rebuscada, a lei de Murici, aquela que manda a cooperação para a “cucuia” e ordena que cada um cuide apenas de si.

Infelizmente, temos assistido, no Brasil e em todo o mundo, a um fenômeno que até poucos anos atrás escapava à percepção da população, mas que atualmente é parte obrigatória em nossas conversas do dia a dia. Trata-se de uma ocorrência com repercussões importantes sobre o ordenamento social — vale dizer, econômico, político, jurídico e, em última instância, ético e moral — que, infelizmente, tem sido propositalmente omitida pelo grande “consórcio da desinformação” em que se transformou a imprensa tradicional. É a politização do Judiciário, de efeitos negativos sobre a democracia, a economia, a política e, portanto, a própria sociedade, porque, entre outras consequências maléficas, destrói a maioria das forças responsáveis pela cooperação social e pela estabilidade institucional.

A causa desse processo de politização é o relativismo moral niilista, que lançou uma deliberada nuvem cinzenta sobre a fronteira ética demarcatória entre o certo e o errado e que se espraiou a partir da segunda metade do século 19, durante o século 20 e continua bastante presente em todos os campos da ação humana. Do Direito à Economia, da Política à Sociologia, da Psicologia à Antropologia, das Artes à Cultura, fazendo emergir o fatal conceit, aquela pretensão fatal tão bem apontada por Hayek: a crença cega de que soluções políticas” são superiores às geradas de forma espontânea em cada um dos subsistemas que compõem as sociedades. É uma crendice perigosíssima, haja vista que gerou práticas e instituições que levaram aos grandes males do século passado, como o nazismo, o socialismo, o fascismo e o comunismo.

Os males do ativismo jurídico
No campo jurídico
, o relativismo de adornos marxistas armou-se com o escudo da Doutrina do Direito Alternativo ou Relativo ou Paralelo e com a espada perigosíssima do ativismo judicial. A pedra angular desses princípios é que, como a lei não esgota o Direito, os juízes devem assumir posturas “críticas” diante dela, o que os autoriza a deixarem de aplicá-la, caso considerem-na “injusta”. De fato, como nem todas as normas são justas, a lei não esgota o Direito, mas isso não é argumento para que juízes assumam as funções de deuses de togas e se postem acima delas, por mais nobres que possam ser as suas intenções. Na verdade, tal silogismo nada mais é do que um embuste ideológico disfarçado.

Não é por acaso que a politização do Judiciário pode ser encontrada tanto na Alemanha de Hitler quanto na antiga União Soviética e, ainda hoje, em todos os países que optaram por sistemas totalitários, como o socialismo. Uma rápida olhada para a América Latina atual dirime qualquer dúvida. O Brasil precisa neutralizar esse mal, pelo aperfeiçoamento das instituições, antes que seja tarde. É a nossa liberdade que está em jogo.

A política econômica do governo já garantiu, apenas com as privatizações, R$ 200 bilhões, bem como mais de R$ 800 bilhões de investimentos privados nos próximos anos

É assustador quando uma doutrina sustenta que um juiz está acima da lei e que pode submetê-la a suas preferências ideológicas ou partidárias, ou mesmo a seus instintos tirânicos. O principal pretexto é que seria dever do Direito realizar “transformações sociais”, uma vez que a lei seria produzida pelos que estão no poder e, portanto, refletiria os interesses de uma classe dominante, em detrimento dos “marginalizados”.  
Essa aberração repudia os princípios consagrados de neutralidade da lei e de imparcialidade do juiz: 
- a lei não seria neutra porque se originaria do poder dominante, e o juiz não deveria ser imparcial, porque seria seu dever julgar os fatos subjetivamente e posicionar-se tendo em vista os objetivos “sociais” — entenda-se, “revolucionários”. 
Isso lhe aumenta os poderes e lhe permite questionar e até mesmo repelir o conjunto de normas legais vigentes.
 O magistrado entra dessa forma diretamente na “luta de classes”, abandonando a postura de imparcialidade, que o “aprisionaria” dentro do estrito cumprimento da lei. Não é, portanto, de estranhar quando um magistrado alinhado a essa corrente atribui a si, com extrema arrogância, o papel de corretor de erros “históricos”, para justificar decisões que frequentemente agridem princípios morais elementares.[se considerando imbuído do supremo dever de empurrar a história e classificando como inimigo os que possam criar obstáculos a sua missão 'sagrada'.]

Direito supralegal

O ativismo judicial
manifesta uma visão política e ideológica do Direito, supralegal e inteiramente comprometida com o socialismo e com tendências tirânicas, incompatível com a garantia das liberdades individuais e da verdadeira democracia. Primeiro, porque, ao abraçar o conceito marxista de “lutas de classes”, retira do Direito o seu atributo de ciência normativa. Segundo, porque o juiz não pode substituir o legislador e nem o presidente. Terceiro, porque se uma determinada lei é “injusta”, o correto é que o Legislativo a revogue e não que um juiz a modifique a bel-prazer [ou a suspenda.]. Quarto, porque nada justifica a defesa de que juízes não precisam ser imparciais. Quinto, porque lhes confere poderes exorbitantes, dotando-os de um livre-arbítrio que pode ser despótico e calamitoso. Sexto, porque, como cada cabeça é uma sentença, abre as portas para jurisprudências contraditórias, ou seja, para aumentar a insegurança jurídica. Sétimo, porque agride o princípio do devido processo legal, ou seja, a garantia de que ninguém pode ser atingido em seus bens e direitos sem o competente processo que respeite princípios constitucionais diretivos, como o da legalidade, o da isonomia e o do contraditório.

É uma doutrina moldada para justificar a idiossincrasia da esquerda, tão bem identificada pelo filósofo Roger Scruton, que é julgar o sucesso de alguns pelo fracasso de outros, o que fornece sempre uma vítima a ser “resgatada”. Assim foi, no século 19, com o proletariado; nos anos 1960, com a juventude; depois, com as mulheres; e, sucessivamente, com os negros, os homossexuais, os índios, os animais, o planeta. 

Qual será o próximo refém a ser salvo por esses justiceiros sociais, sem que precisem atender a ditames processuais, prazos e normas, tudo em nome de uma aludida e sempre nebulosa “justiça social”?

Consequências econômicas do ativismo judicial
O ativismo exacerbado que podemos observar em várias decisões do STF,
cuja missão — sempre é de bom alvitre lembrar é zelar pela Constituição, diminui o espaço de atuação institucional dos demais Poderes. Também subverte a Suprema Corte, transformando-a inaceitavelmente na depositária única de todas as demandas da sociedade e, o que ainda é pior, na formuladora de todas as soluções. Adicionalmente, a formação técnica dos magistrados está muito longe de capacitá-los a exarar decisões econômicas, administrativas e políticas.
Há algum tempo o Brasil vem assistindo — atônito — a magistrados sem conhecimentos de economia e de gestão, sem a representatividade política que só o voto lhes poderia conferir e livres de responsabilidade no que concerne às alocações de recursos estabelecidas nos orçamentos, tomando decisões que competem constitucionalmente ao Legislativo e ao Executivo
Essa prática de intromissão nos demais Poderes, cada vez mais recorrente, tisna o papel insubstituível de bastião último da democracia, que só o Judiciário pode cumprir.
Os efeitos do ativismo judicial sobre a economia são desastrosos. E não se trata apenas de interferir indevidamente em privatizações, preços, alíquotas de impostos e outras atribuições de competência exclusiva do Ministério da Economia.  
Não se trata somente de aumentar o risco inerente às decisões econômicas importantes, como as de investimentos. 
Trata-se de espalhar insegurança jurídica generalizada e, portanto, maximizar riscos. 
Chamam a atenção muitos fatos que vêm se tornando corriqueiros, estranhos às verdadeiras práticas democráticas, aparentemente sem conexão com a economia, mas que podem produzir efeitos devastadores, comprometendo boa parte do enorme esforço que a equipe econômica vem fazendo para colocar o país no caminho da prosperidade.
 
Apenas para dar um exemplo, a política econômica do governo já garantiu até hoje, apenas com as privatizações, R$ 200 bilhões (sendo R$ 78 bilhões apenas neste ano), bem como mais de R$ 800 bilhões de investimentos privados nos próximos anos.  
Agora, suponha que você reside no exterior, que resolveu investir R$ 100 bilhões no Brasil em cinco anos e que já ingressou com 10% desse montante, ou seja, por analogia, deu uma bicadinha na xícara, colocou a mão embaixo do chuveiro e reservou hotel em Bento Gonçalves. 
Então, um iluminado de toga decide investigar, instigado por um senador que — pasmem — está no comando da campanha do principal opositor do governo, as conversas privadas de empresários importantes. 
O que isso sinaliza para todos? 
Não é óbvio que está abertamente impondo riscos maiores, indicando que o café está “pelando”, ou que a piscina está fria demais ou que é melhor adiar sua viagem? 
Ora, por prudência, não é melhor então esperar para colocar os seus R$ 90 bilhões restantes no país? 
O mesmo raciocínio vale para residentes no Brasil. 
E os investimentos, e os empregos, e a economia, como ficam?

Há, ainda, um risco adicional, representado pelas eleições: dependendo de quem será o próximo presidente, nada garante que não vão roubar a sua xícara, o café, a água, a mala com os seus agasalhos e até os ladrilhos da piscina.  

O povo deu o seu recado no dia 7 de Setembro, ao manifestar-se contra o absurdo ativismo judicial vigente. Que seja ouvido. 

Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor. Instagram: @ubiratanjorgeiorio Twitter: @biraiorio

Leia também “Pensando em nossos descendentes”

Ubiratan Jorge Iorio, colunista - Revista Oeste

 

domingo, 21 de agosto de 2022

Por que Bolsonaro ignora todos os prazos de resposta ao STF e nada acontece - O Estado de S. Paulo

De 13 processos em andamento na Corte, presidente desrespeitou o limite de tempo em 11 ações e não se manifestou em duas delas

O presidente Jair Bolsonaro ignorou todos os prazos de pedidos de explicações dados a ele pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 13, dos 150 processos contra o governo que tramitam na Corte, os ministros deram entre cinco e 15 dias para manifestação da defesa. Levantamento do Estadão mostra que, na maioria das vezes, Bolsonaro descumpriu o limite de tempo. Também há casos em que ele ignorou a Corte.

De 13 pedidos de explicações, governo respondeu atrasado em onze e ignorou dois.
 De 13 pedidos de explicações, governo respondeu atrasado em onze e ignorou dois.  Foto: Dida Sampaio/Estadão
 
 Desde o início do mandato, Bolsonaro mantém uma relação conflituosa com os magistrados, a quem acusa de ativismo judicial
O presidente já ameaçou inúmeras vezes descumprir decisões da Suprema Corte. No caso dos pedidos de explicações, ele não é obrigado a responder. Segundo juristas, porém, isso significa que as ações serão julgadas sem que o chefe do Executivo tenha apresentado seus esclarecimentos.

Das 13 solicitações, 11 foram respondidas fora do prazo e duas foram ignoradas. Um dos casos segue sem resposta há mais de um mês após o fim do limite de tempo determinado.

Na última sexta-feira, a ministra Cármen Lúcia fez mais um pedido de explicações ao presidente. Deu cinco dias para ele expor os motivos da mudança do desfile de 7 de Setembro do centro do Rio para Copacabana. Ação proposta pela Rede sustenta que a alteração no local da parada militar teria motivação política. O prazo de resposta começa a contar quando a Presidência da República for notificada.

Não é raro ministros estenderem “prazos irrevogáveis para aguardar respostas de Bolsonaro. No dia 3 de dezembro do ano passado, a ministra Rosa Weber determinou que o presidente se manifestasse em até 15 dias sobre a acusação pela CPI da Covid do Senado de que praticou charlatanismo ao defender medicamentos sem eficácia para a covid-19.

Passados dois meses e 20 dias do prazo, o presidente não havia se manifestado. Em 23 de fevereiro deste ano, a ministra, então, estabeleceu novo “prazo improrrogável” para que Bolsonaro apresentasse sua versão. A resposta só veio, enfim, 19 dias depois do segundo limite de tempo.

Os prazos curtos visam atender o contraditório, garantir o diálogo institucional entre os Poderes, evitar decisões monocráticas sem a escuta do outro Poder.”

Wallace Corbo, professor de Direito Constitucional da FGV-Rio

LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Depois de ignorar a ministra, Bolsonaro respondeu que suas declarações públicas em defesa de tratamentos comprovadamente ineficazes para o tratamento da covid-19 foram feitas no “exercício da liberdade de expressão” e argumentou que “a opinião política eventualmente divergente não pode ser interpretada como fruto de ilícitos criminais”. Com base na explicação, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, pediu, em julho, o arquivamento do caso.

Bolsonaro também ignorou questionamentos do Supremo mais de uma vez. No início de junho, o ministro Dias Toffoli deu cinco dias para que o governo explicasse a ordem de reajuste de 15,5% nos preços dos planos de saúde, anunciada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O presidente nunca respondeu.

A ANS, também questionada, apresentou uma explicação da sua parte oito dias depois do prazo. O processo foi encaminhado para a Procuradoria-Geral da República apresentar parecer e deve retornar ao gabinete de Toffoli, que terá de tomar a decisão sem as justificativas do presidente.

Além dos 13 procedimentos em que houve solicitação de respostas, os demais processos no Supremo não avançaram e nem chegaram à fase de pedido de esclarecimentos ou mais informações.

Além dos 13 procedimentos em que houve solicitação de respostas, os demais processos no Supremo não avançaram e nem chegaram à fase de pedido de esclarecimentos ou mais informações.  Foto: Wilton Junior/Estadão

O presidente adotou o mesmo comportamento quando foi cobrado a explicar ataques a adversários políticos. Foi notificado por críticas ao então governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB). Só respondeu 17 dias após o prazo. Quando o alvo foi a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), Bolsonaro tinha 15 dias para se justificar. Manifestou-se seis dias após o prazo.

 Além de não cumprir os prazos da Justiça, Bolsonaro, quando se manifestou, deu respostas evasivas na maioria dos casos. Em junho, o ministro André Mendonça estabeleceu prazo de dez dias para que o governo explicasse o sigilo imposto aos registros de visitantes do Palácio do Planalto e a outros atos do governo.

As respostas da Presidência chegaram cinco dias após o prazo determinado e repetiram dados veiculados pela imprensa, como o número de vezes em que os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos estiveram na sede do governo.

Como revelou o Estadão, os dois foram os pivôs do gabinete paralelo montado no Ministério da Educação (MEC) na gestão do então ministro Milton Ribeiro. Segundo relatos de prefeitos, os pastores cobravam propina em troca da intermediação com o ministro de recursos para educação. O caso segue em aberto com investigações na Polícia Federal, mas o Executivo conseguiu contornar o STF.

Além dos 13 procedimentos em que houve solicitação de respostas, os demais processos no Supremo não avançaram e nem chegaram à fase de pedido de esclarecimentos ou mais informações.

O professor de Direito Constitucional Wallace Corbo, da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio), disse que o presidente pode ignorar os pedidos de explicação do Supremo, mas isso tem consequência: a Justiça terá de decidir sem saber o que o Executivo tem a dizer. Além de, segundo ele, expor a falta de deferência do presidente em relação à Corte.

 Em O Estadão, continue lendo

LEIA TAMBÉM:   Moraes dá 7 dias para Bolsonaro se manifestar sobre pedido do PDT para barrar candidatura. 

[partideco não tem votos, não tem representatividade, não tem programa de governo e quer usar o Poder Judiciário para aparecer.  Será mais um fracasso.]

 [Em nossa opinião, certas ordens são emitidas sem que a autoridade que as emite disponha de um 'plano B' para o caso de sua determinação ser ignorada. Tal tipo de ordem pode ser impunemente ignorada.
Aqui vai um exemplo claro: o ministro Moraes, um dos ministros mais rigorosos do TSE, determinou que o presidente Bolsonaro comparecesse a uma delegacia da PF para depor em um inquérito. 
O presidente Bolsonaro ignorou a ordem, que foi reiterada pelo ministro no mesmo dia, sendo a reiteração também ignorada.
Nada aconteceu. Ao que entendemos, Bolsonaro é a maior autoridade da República, sendo Chefe  de um dos Poderes da República, portanto, não pode ser subordinado a um outro poder, especialmente, em decisão monocrática.]

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

STF e a pescaria probatória contra Bolsonaro - VOZES

 André Uliano

O presidente Jair Bolsonaro trouxe a público uma investigação da Polícia Federal sobre um ataque hacker sofrido pelo Tribunal Superior Eleitoral em 2018.  
O TSE já se manifestou afirmando que esse ataque não influenciou em nada o resultado das eleições e que isso não serve para comprovar que o sistema eletrônico de votação é frágil. 
Por outro lado esse é o principal argumento de Bolsonaro contra o tribunal e quando questiona o funcionamento das urnas eletrônicas
O procurador-geral da República, Augusto Aras, já pediu o arquivamento do caso, mas o ministro Alexandre de Moraes tem insistido na continuidade da investigação pela Polícia Federal. 
 
STF e a pescaria probatória contra Bolsonaro
 

Sobre o Fora dos Autos
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André Uliano
Procurador da República. Mestre em Economia e pós-graduado em Direito. Professor de Direito Constitucional. Apaixonado por humanidades.

 

sábado, 6 de agosto de 2022

Ativismo judicial - Supremas tautologias - Gazeta do Povo

Guilherme de Carvalho

 

Foi, como argumentamos em nossa coluna anterior, obra do STF a invenção do casamento “heteroafetivo” e, por conseguinte, sua versão “homoafetiva”; ao menos o foi enquanto figura jurídica efetiva. Essa alquimia jurídico-conceitual vinha sendo desenvolvida havia muito pelos assessores jurídicos do campo afetivo brasileiro e, por sua vez, é o reflexo de uma verdadeira transformação da intimidade e da afetividade moderna.

A tese básica dos revisionistas é a de que o casamento e a família se transformaram, irremediavelmente, em instituições afetivas, baseadas no laço sentimental do afeto num sentido positivo, de carinho, identificação e cuidado emocional mútuo, e tendo como razão e propósito de sua existência a felicidade emocional de seus membros individuais. Juristas como Maria Berenice Dias e Ricardo Calderón descreverão esse modelo como o paradigma eudemonista” da família.

Nosso argumento, que temos desdobrado aqui há algumas semanas, é o de que toda essa operação foi, de um ponto de vista ético e social, uma farsa.

“Nenhum compromisso assumem”
Em oposição ao paradigma afetivo-emotivista e à sua tentativa de reconstruir o imaginário social quanto à família e ao matrimônio, é plausível sustentar que a concepção clássica dessas instituições deve ser mantida paralela e simultaneamente com a concepção afetivo-emotivista, sendo que elas descrevem formas distintas de agregação social, diferenciadas do ponto de vista de suas finalidades e, por isso, de suas dinâmicas internas; e o fato de elas serem confundidas deve ser considerado não um aumento, mas uma perda de capacidade explanatória para a ciência e a prática do Direito.

Havia muito os assessores jurídicos do campo afetivo brasileiro vinham desenvolvendo uma alquimia jurídico-conceitual que, por sua vez, é o reflexo de uma verdadeira transformação da intimidade e da afetividade moderna

Segundo a concepção tradicional, o casamento pode ser descrito como “uma comunidade de amor moral entre um marido e uma esposa, por toda a vida, sobre o fundamento de um vínculo sexual-orgânico durável” (assim o define L. Kalsbeek). Na mesma direção, o jurista holandês Herman Dooyeweerd descreve a função fundante biológica como o ponto de partida natural do casamento: uma união sexual institucional com propósitos reprodutivos. Mas isso não é tudo: essa união é estabelecida de modo permanente, por meio de um compromisso de amor entre marido e mulher, guiado e qualificado por uma dimensão da existência que transcende não apenas a biologia, mas a própria afetividade: a esfera “moral” ou a esfera do “cuidado benevolente”. Essa perspectiva, que não reduz o matrimônio à afetividade, é um exemplo da posição classificada como visão conjugal do casamento, segundo o debate contemporâneo.

Dooyeweerd exemplifica o pensamento jurídico europeu e protestante nesse campo; mas, se passarmos ao campo jusnaturalista e católico, encontraremos algo bastante similar. Em O que é o Casamento? (What is Marriage? Man and Woman: a Defense, de 2012), texto que rapidamente tornou-se um clássico recente sobre o tema, Sherif Girgis, Ryan Anderson e Robert P. George apresentaram uma leitura bastante perspicaz da natureza do conflito contemporâneo, baseada em uma famosa série de artigos publicados por eles na Harvard Law Review.

Segundo os autores, o que agora vemos nos EUA e no mundo ocidental não é a “metamorfose” do instituto social, mas o conflito entre dois modelos opostos de matrimônio (e de família): o modelo abrangente ou conjugal, que podemos também chamar holístico; e o modelo revisionista, com sua concepção afetivo-emotivista, ou eudemonística-emotivista, que chamamos aqui “afetiva” para seguir o uso comum. Na visão revisionista, afirmam Girgis, Anderson e George, o casamento é

“[...] a união de duas pessoas comprometidas com uma parceria romântica e com a vida doméstica: essencialmente uma união emocional, meramente reforçada por quaisquer atividades sexuais ao redor das quais os parceiros concordem. Tais uniões românticas são vistas como valiosas tanto quanto as emoções durem.”

Mas, para expressar o que se passa na mente dos revisionistas, nada melhor do que suas próprias palavras. Para ilustrar a concepção afetivo-emotivista do matrimônio, cito a jurista Maria Berenice Dias, em um artigo popular, “Casamento: nem direitos, nem deveres, só afeto”:

“Quem sabe é de se apropriar do conceito de Savatier à ‘união livre’, até porque a liberdade enseja a forma mais pura para a mantença de um relacionamento afetivo, no qual não há fidelidade, obediência, assistência obrigatória. Tudo isso, dado por amor, não deve durar senão enquanto puder durar esse amor. Os amantes nenhum compromisso assumem para o futuro; a independência de ambos é sagrada. Nas páginas de sua vida nada se escreve com tinta indelével.”

Não podemos deixar de notar, aqui, a cândida reprodução, pela jurista, da lógica interna abúlica e ambivalente do paradigma da autenticidade emocional. Abulia, o conceito introduzido pela socióloga Eva Illouz para descrever a hesitação e a fuga de compromisso, que se tornou uma patologia social generalizada a partir da revolução sexual e da desregulamentação dos mercados afetivos, descreve um hábito moral da sociedade de hiperconsumo – um vício. E a nossa jurista se esforça, talvez sem o saber, para submeter o direito de família a essa patologia social. O pequeno trecho acima deixa patente a inadequação da tese afetivista como chave organizadora do Direito de Família.

A estrutura da relação conjugal
Radicalmente diferente é a concepção conjugal de casamento. Podemos apontar ao menos três dimensões constitutivas dessa união holística ou conjugal: 1. uma base natural, na ontologia funcional reprodutiva, 2. uma dinâmica afetiva complementar ou estereoscópica, associada ao encontro interpessoal caracterizado pela diferença mútua e irredutível de gênero (que enraíza a experiência de alteridade moral numa base psíquica) e 3. um foco normativo “moral”, conectado à constituição de um espaço de formação humana e, portanto, um foco meta-emocional.

Segundo a concepção tradicional, o casamento pode ser descrito como “uma comunidade de amor moral entre um marido e uma esposa, por toda a vida, sobre o fundamento de um vínculo sexual-orgânico durável”

(...)

“Base da sociedade”?
E é assim que o casamento conjugal pode se tornar uma célula espiritual para a sociedade. Contextos aos quais se pode atribuir confiabilidade moral conferem condições ótimas para a geração e a formação de crianças.

Reza a nossa Carta Magna, no artigo 226, que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. A Constituição não nos dá os porquês, mas eles ainda são tacitamente assumidos pelos brasileiros comuns, por conta de sua racionalidade intrínseca, que os escoceses chamariam de common sense. O fato é que a família – incluindo-se nela o casamento e a parentalidade natural – ordena ou desordena a vida social de formas que nenhuma outra instituição pode fazer.

“A confiança no fundeamento existencial da realidade num sentido emocional, e de certa forma também no cognitivo, se funda na crença na confiabilidade das pessoas, adquirida nas primeiras experiências da criança [...] a confiança básica liga de maneira decisiva a auto-identidade à apreciação dos outros.”
“O estabelecimento da confiança básica é a condição de elaboração tanto da auto-identidade quanto da identidade de outras pessoas e objetos.”

Por natureza, portanto, uma família não pode ser organizada por vínculos puramente afetivo-emocionais, sendo necessário o cultivo intencional de estruturas morais e a mantença de promessas independentes da volubilidade sentimental. A construção de uma situação de alta confiabilidade desde a tenra infância até a adolescência é imprescindível; de modo que a legitimação de um modelo de matrimônio e de família cujo eixo é afetivo-emocional e não moral, com expectativa de incluir crianças, é uma contradição em termos.

Legislando em vez de julgar, o STF e inúmeros agentes de nosso Judiciário têm confirmado, de certo modo, o que diz a nossa Constituição. Afinal, se a família e o casamento formam as bases da sociedade, será preciso destruí-los para construir o seu mundo melhor. O problema é que esse mundo melhor não pode ser derivado da nossa Constituição de 1998. A não ser por meio de feitiços linguísticos e alquimias conceituais.

Supremas tautologias
A compreensão apropriada do casamento lança luz sobre as antinomias básicas do movimento dos “direitos afetivos” e sobre os votos no STF acima considerados. As invectivas do ministro Ayres Britto, por exemplo, em seu voto fatídico lido em 4 de maio de 2011, segundo as quais as uniões afetivas marcas pela “perdurabilidade” merecem reconhecimento, são efetivamente vazias de significado; são farsas históricas, independentemente das intenções do ministro.

Pois é fato público e notório suas palavras não demonstrarem qualquer percepção crítica de que, com respeito a tais uniões, nada pode ser dito quanto à sua estabilidade, “perdurabilidade” ou confiabilidade, além da asserção perfeitamente tautológica de que elas durarão enquanto durarem noção confessada de modo muito direto pela jurista Maria Berenice Dias. Ignorando o fenômeno da abulia generalizada, resultante da configuração moral emotivista e da lógica do capitalismo de hiperconsumo, o STF não apenas indevidamente legislou, mas legislou sobre uma ficção social. E essa tautologia cumpre a função de ocultar o discurso e a prática social real, que originou toda a discussão. Trata-se de uma fabulosa embromação jurídica.

Legislando em vez de julgar, o STF e inúmeros agentes de nosso Judiciário têm confirmado, de certo modo, o que diz a nossa Constituição. Afinal, se a família e o casamento formam as bases da sociedade, será preciso destruí-los para construir o seu mundo melhor

A redefinição da união conjugal para acomodar as relações homoeróticas nesses termos é o golpe final em uma progressiva liquefação afetivo-emocional das proteções jurídicas do casamento e da família, que já vinha se processando havia muito tempo no imaginário moral brasileiro.

Pode-se retrucar, sem dúvida, que muitos casais heteroafetivos e homoafetivos vêm se esforçando para praticar o compromisso matrimonial e obter a perdurabilidade fantasiada pelo ministro Ayres Britto em seu voto histórico; quando isso ocorre, no entanto, o que temos é ainda a emulação, a mimese do casamento conjugal, e não mais a união afetiva preconizada pelos juristas afetivistas e que originalmente pressionou a nossa jurisprudência. Nesse caso, admite-se a normatividade da visão conjugal, mas de modo tortuoso, inconfesso e trapacento.

Cadáveres no armário
A despeito da retórica, a tese afetivista se cala sistematicamente quanto ao sofrimento inerente à alegada “liberdade do amor” e oculta um cadáver: a insegurança ontológica e, com ela, a insegurança comunitária generalizada, como foi indicado por Eva Illouz em Why Love Hurts:

“... o que foi perdido na experiência moderna do sofrimento romântico é a segurança ontológica que deriva da organização do cortejo amoroso em uma ecologia moral de escolha, compromisso e ritual e do enraizamento do autovalor no tecido social da comunidade. A insegurança ontológica que acompanha o sofrimento romântico é desigualmente distribuída.”

No entanto, esse fenômeno não pode ser ignorado; o descarte funcional de seres humanos nos mais variados contextos é parte integrante da lógica do capitalismo, e o descarte generalizado de bens, cada vez mais programados para a rápida refugação, atinge o mundo das relações familiares devido à interpenetração de campo econômico e campo afetivo. E aqui Gilles Lipovetsky, em A Felicidade Paradoxal, é irreparável:

“É assim que, no coração do planeta do bem-estar, aumenta o sentimento de ser inútil no mundo, de ter sido ‘usado’ e depois ‘jogado fora”, de ter falhado em tudo.”

Os argumentos apresentados acima são suficientes para reforçar nosso ponto aqui e no artigo anterior desta coluna: de que o casamento abrangente, ou conjugal, ou holístico, não é uma união essencialmente “heteroafetiva”, segundo postulado por Dias e pelo STF, exceto como definição estritamente metonímica.


Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
 

Guilherme de Carvalho, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

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sábado, 30 de julho de 2022

Chris Tonietto e o ativismo judicial contra a liberdade de expressão - Gazeta do Povo - Editorial

Editorial

IMUNIDADE PARLAMENTAR 

A caixa de Pandora do desprezo por liberdades e garantias constitucionais, uma vez aberta, mostra-se cada vez mais difícil de fechar. O exemplo mais recente é o da condenação judicial, em primeira instância, da deputada federal Chris Tonietto (PL-RJ) devido a uma publicação em mídias sociais, feita dois anos atrás, que foi considerada discriminatória em relação à comunidade LGBT. 

Trata-se de uma situação emblemática, pois consegue combinar, em um único caso, os efeitos de uma decisão equivocada do Supremo, o ativismo ideológico de setores do Ministério Público Federal e do Judiciário, a relativização excessiva da liberdade de expressão e a negação de uma garantia importantíssima concedida pela Constituição aos parlamentares.

A deputada federal Chris Tonietto durante sessão da Câmara em maio de 2022. - Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados

Em junho de 2020 – um ano depois da decisão do Supremo que equiparou a homofobia ao racismo –, comentando casos recentes de pedofilia, a deputada havia escrito em seu perfil no Facebook: “Defendida explicitamente por alguns expoentes do movimento LGBT, a pedofilia está sendo visivelmente introduzida no país como fator de dissolução da confiança nas relações familiares e corrupção moral de toda uma geração de crianças expostas a uma erotização abominável desde a mais tenra infância. Combateremos sem cessar a disseminação da pedofilia no Brasil e as ideologias nefastas que as sustentam”. No mês seguinte, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão recomendou que ela se retratasse da “informação falsa” publicada e pediu que a deputada citasse fontes que comprovassem sua alegação. 

Como isso não teria ocorrido, em fevereiro de 2021 três procuradores moveram ação civil pública contra a parlamentar, que foi condenada dias atrás pela juíza federal Italia Poppe Bertozzi, da 24.ª Vara Federal do Rio de Janeiro.     

Na condenação, a magistrada afirma que “há limites à liberdade de expressão”, e com isso todos havemos de concordar. O grande problema é que esta afirmação tem sido usada indiscriminadamente para cercear discursos e afirmações que jamais deveriam ter sido censurados, e o caso de Chris Tonietto se encaixa perfeitamente nesta situação. Para perseguir a deputada, os procuradores Ana Padilha, Julio Araujo e Sérgio Suiama alegaram que a publicação nas mídias sociais “induz falsamente a opinião pública a acreditar que todo o grupo de pessoas homossexuais seria propenso a cometer os graves crimes que giram em torno da pedofilia”, o que é um exagero grotesco. Tonietto refere-se claramente a “alguns expoentes”, e não a todo militante LGBT ou toda pessoa homossexual ou transexual. 
É de uma obviedade gritante que a crítica a determinadas pessoas jamais implica a imputação do que quer que seja a todo o grupo a que essas pessoas pertencem.
 
E isso nos leva ao segundo ponto relevante: é inegável que existe um movimento organizado que pretende “normalizar” ou até mesmo legalizar a pedofilia, com direito a associações espalhadas principalmente pela América do Norte e Europa – na Holanda há até mesmo um partido político reconhecido, ainda que com menos de uma dezena de membros. 
Trata-se de um movimento que já vem de décadas, filho da revolução sexual da década de 60 do século passado. 
Em 1977, boa parte da elite intelectual francesa assinou uma carta pedindo a legalização de todas as relações sexuais entre adultos e adolescentes abaixo de 15 anos na França. Entre os signatários havia filósofos – alguns deles homossexuais, a maioria deles de esquerda – como Louis Althusser, Michel Foucault, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Jacques Derrida, Gilles Deleuze e Roland Barthes. 
Em 1979, vários deles usaram as páginas do jornal esquerdista Libération para defender um pedófilo aguardando julgamento, alegando que as meninas de 6 a 12 anos com quem ele vivia eram felizes em sua companhia, e que “o amor das crianças é também o amor de seus corpos. O desejo e os jogos sexuais livremente consentidos têm seu lugar nas relações entre crianças e adultos”.

Veja Também:
Homofobia e liberdade de expressão (editorial de 18 de outubro de 2020)

No Brasil, o caso mais emblemático é de uma das principais lideranças LGBT do Brasil, o antropólogo Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia. Em seu livro de 2003 Crônicas de um Gay Assumido, ele defende que “portanto, desde que haja respeito à liberdade alheia, delicadeza, reciprocidade e ausência de abuso de poder devido à superioridade física ou social por parte da pessoa mais velha, não há razão lógica que justifique a condenação tout court das relações afetivo-sexuais entre adultos e menores de idade” – Tonietto inclusive afirmou ter enviado este trecho em resposta ao MPF. 
Tanto Mott quanto os intelectuais franceses argumentam que não se trata da defesa da violação sexual de menores, mas de uma relação consentida; ora, isso não deixa de ser pedofilia e abuso, até porque crianças e pré-adolescentes raramente (ou nunca) têm a dimensão completa do que ocorre na relação sexual.  
E sabe-se muito bem que abusadores preferem, em vez da violência, conquistar a confiança da criança com presentes ou outros agrados até conseguir seu objetivo, em um “consentimento” que é apenas ilusório.
 
Em resumo, que há um movimento para conseguir a aceitação social ou legal da pedofilia, ainda que sob o manto do “consentimento”, é incontestável; e que este movimento inclui lideranças LGBT é igualmente verdadeiro.  
Pode-se até afirmar que Tonietto deveria ter mencionado os casos concretos de Mott e dos franceses em sua publicação, para reforçar seu argumento; 
- mas jamais pode-se afirmar que as informações trazidas por ela são falsas, muito menos que criam uma generalização contra toda a população ou o movimento LGBT. 
Infelizmente, o fato de até agora o STF não ter julgado os embargos de declaração que pretendiam proteger a liberdade de expressão, já que o acórdão da decisão de 2019 foi omisso quanto ao tema, permite que mesmo discursos inequivocamente verdadeiros como o da deputada sejam perseguidos por membros mais ideologizados do Ministério Público e do Judiciário (e ninguém haverá de entender, aqui, que estamos nos referindo à totalidade dos procuradores ou juízes do país).

Só por isso o caso de Tonietto já seria extremamente grave, mas a ele se acrescenta a violação da imunidade parlamentar, garantida no artigo 53 da Constituição, cujo caput afirma que “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Em sua decisão, a juíza Italia Bertozzi afirmou que “não se pode, pois, elastecer a imunidade [parlamentar] a ponto de fazê-la escudar toda e qualquer manifestação emitida pelo cidadão, que, exercendo mandato eletivo, profira opiniões ofensivas a pessoas e/ou coletividades, sem nexo etiológico com o cargo desempenhado”, em uma tentativa de recusar a Tonietto a proteção constitucional a suas palavras. 

No entanto, o tipo de alerta feito pela parlamentar tem, sim, “nexo etiológico com o cargo desempenhado”, pois diz respeito também à sua atividade como representante eleita do povo. Avança-se, assim, sobre a imunidade parlamentar de forma ainda mais ostensiva que no caso do deputado Daniel Silveira, pois das afirmações de Tonietto nem se pode dizer que foram deploráveis como haviam sido as do seu colega, embora ambas estejam igualmente protegidas constitucionalmente.

A perseguição falaciosa contra a deputada retrata a inversão de prioridades das instituições do poder público, que estão deixando de lado o verdadeiro problema, a defesa da normatização da pedofilia, para investir contra quem alerta a sociedade a respeito dessa militância. Abafar a difusão de verdades inconvenientes que dizem respeito apenas a algumas pessoas, e não a toda uma coletividade, em nada ajuda no objetivo meritório de combater o preconceito contra a população LGBT.

Editorial - Gazeta do Povo 

Chris Tonietto é condenada por post sobre LGBT e pedofilia; especialistas apontam ativismo judicial

Ana Carolina Curvello

 

 Ordem do Dia. Dep. Chris Tonietto PL-RJ| Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

A deputada federal Chris Tonietto (PL-RJ) foi condenada pela 24ª Vara Federal do Rio de Janeiro, após ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF) no ano passado, por postagem apontada como discriminatória em relação à comunidade LGBT no Facebook. Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a decisão não levou em conta a imunidade parlamentar e também representa cerceamento à liberdade de expressão. A deputada informou que vai recorrer da decisão e apresentar provas de que falou a verdade.

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De acordo com a sentença publicada no dia 12 de julho, a parlamentar deverá excluir a publicação, considerada como discriminatória por relacionar a prática de crime e de pedofilia a alguns homossexuais. Além disso, a juíza federal Italia Poppe Bertozzi indicou que deputada deve fazer uma retratação em suas redes sociais, que deverá ser mantida no ar por, pelo menos, um ano, além de pagar R$ 50 mil para a estruturação de centros de cidadania LGBTs.

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