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segunda-feira, 15 de junho de 2020

Change partners - Valor Econômico

 Bruno Carazza

Pode estar em curso uma troca de base popular na qual se ancora o presidente

Logo após a derrota para Collor no segundo turno das eleições de 1989, Lula fez a seguinte avaliação sobre o resultado das urnas: “A verdade nua e crua é que quem nos derrotou, além dos meios de comunicação, foram os setores menos esclarecidos e mais desfavorecidos da sociedade. Nós temos amplos setores da classe média com a gente, mas a minha briga é sempre esta: atingir o segmento da sociedade que ganha salário mínimo. Nós temos que ir para a periferia, onde estão milhões de pessoas que se deixam seduzir pela promessa fácil de casa e comida”.

De outro, o escândalo do mensalão afastou do PT parte de seu eleitorado cativo na classe média, decepcionada pelo partido ter rasgado a bandeira da ética - num processo que acabou se aprofundando alguns anos depois, com a operação Lava Jato. A reeleição de Lula em 2006 evidencia essa guinada nas preferências por Lula: segundo os cálculos do Datafolha, na parcela do eleitorado que ganhava até 2 salários mínimos, o petista batia seu rival Geraldo Alckmin (PSDB) de lavada (por 64% a 25%), enquanto entre os mais ricos (com renda familiar mensal superior a 10 SM), o tucano aparecia à frente nas pesquisas com 54% a 36%. “No lulismo a polarização se dá entre ricos e pobres, e não entre esquerda e direita”, de acordo com Singer. Daí em diante, esse padrão foi mantido em todas as eleições presidenciais.

Na última sexta-feira, a pesquisa XP/Ipespe atestou que, mesmo após a saída de Sergio Moro e o acúmulo de mortos pela pandemia, Bolsonaro conseguiu, pelo menos por ora, estancar a sangria da sua popularidade. Analisando os dados desagregados, é possível identificar um expressivo crescimento na avaliação positiva do presidente nos segmentos mais vulneráveis da população, como jovens, indivíduos com baixa e média escolaridade, desempregados, com renda de até 2 salários mínimos e localizados no Nordeste e em cidades pequenas.

A melhoria da imagem de Bolsonaro perante um eleitorado que nunca foi prioritariamente seu pode ser atribuída, entre outros fatores, à concessão do auxílio emergencial de R$ 600 durante a pandemia. E a mensagem foi captada pelo presidente e sua equipe, a ponto de Paulo Guedes ter anunciado, na última reunião ministerial, a intenção de lançar o programa Renda Brasil.

É verdade que, em tempos de covid-19, com arrecadação em queda e dívida crescente, há pouco espaço fiscal para algo muito revolucionário. Mas, por mais paradoxal que possa parecer, a própria pandemia pode ajudar a viabilizar um amplo programa bolsonarista voltado para os mais pobres, pois uniu economistas e políticos de diversos matizes no apoio a iniciativas de renda mínima. Pode surgir daí, portanto, um clima propício para uma remodelação de políticas sociais esparsas e mal focalizadas, a serem concentradas num único “Bolsa Família turbinado” que pode dar a Bolsonaro um grande capital político com vistas a 2022.

Nas últimas semanas o presidente tem alternado movimentos de defesa e ataque buscando não apenas manter seu eleitorado cativo mobilizado, mas também ampliar seu capital político para, assim, sobreviver à tempestade em que, de certa forma, ele próprio se colocou. Numa frente de batalha, fustiga os demais Poderes e investe com a Polícia Federal em investigações que tendem a enfraquecer os governadores, enquanto na retaguarda coopta o Centrão e acena com benefícios à parcela mais pobre do eleitorado.

Ainda é cedo para afirmar que Bolsonaro será bem sucedido em manter e ampliar sua aprovação junto aos mais desfavorecidos - não podemos perder de vista que Lula conseguiu fazê-lo não apenas com o Bolsa Família, que era apenas um dos ingredientes num processo que envolvia ainda PIB, emprego e renda em alta. Mas uma eventual estratégia do atual presidente em deixar de lado a dicotomia esquerda e direita, pela qual foi eleito, para focar num público que condiciona seu voto mais à melhoria de suas condições do que em aspectos ideológicos, tal qual Lula fizera no seu primeiro mandato, pode tornar ainda mais complicadas as pretensões de uma “frente ampla” que deseja ver Bolsonaro fora do Palácio do Planalto - seja por meio de um impeachment, uma decisão do TSE ou no voto, em 2022.

Se Bolsonaro conseguir atrair para si parcelas mais expressivas do eleitorado mais pobre, uma “frente ampla” só será vitoriosa se, além de superar rivalidades e vaidades de seus protagonistas, conquistar também corações e mentes das classes média e alta insatisfeitas com o ex-capitão. E isso passa, necessariamente, pela cicatrização de feridas ainda abertas relacionadas à valorização do combate à corrupção, de um lado, e ao combate às desigualdades sociais, de outro.

Enquanto Bolsonaro chama os pobres para dançar, os integrantes de uma frente ampla precisam virar o disco com o qual estão acostumados a ouvir nos últimos 15 anos e entenderem que a defesa da ética está no mesmo compasso do progressismo social.

Bruno Carazza, mestre em economia -  Valor Econômico


terça-feira, 28 de maio de 2019

O limite entre as ruas e o governo

As ruas são livres para gritarem o que quiserem, mas o governo não pode ecoar ou estimular os discursos extremos e antidemocráticos

A lucidez de não ecoar discursos antidemocráticos

Quem foi para a rua, mesmo para criticar as instituições democráticas, tinha o direito de estar lá. Na democracia, essa liberdade é consagrada. A questão a discutir não é o ato em si, mas toda a ambiguidade que está presente em alguns atos e palavras das autoridades. O presidente Jair Bolsonaro que considerou legítimas as manifestações de domingo chamou de “idiotas” os que fizeram os protestos do dia 15. São dois pesos, duas medidas. Ele não foi, mas deu um mote enviesado quando divulgou, dias antes, texto em que sugere que está sendo impedido de governar, e ontem ao falar que o movimento fora “um recado contra aqueles que teimam nas velhas práticas”. [querem criminalizar Bolsonaro por considerar, acertadamente, que paus mandados da turma do 'quanto pior, melhor', idiotas úteis. Da mesma forma, criticam Bolsonaro por quando faz política, utilize o que é mais comum no politiquês: falas com ambiguidade e espaço para serem subentendidas é o mais comum naquela linguagem.]

Bolsonaro deixa subentendidos demais quando fala sobre a relação com o Congresso. Dá a entender que seus problemas são derivados de os políticos o estarem pressionando para usar a moeda da corrupção nas negociações para formar uma coalizão. E essa mensagem esteve presente nos atos de domingo, personificada no ataque direto ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.  Já as críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) estiveram presentes até na boca de parlamentares do partido. O deputado estadual Filippe Poubel (PSL-RJ) repetiu a frase do terceiro filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro: “Para fechar o Supremo só precisa de um soldado e um cabo.” O senador Major Olímpio (PSL-SP) ameaçou: “Nos aguarde STF.”

Isso não quer dizer que a maioria dos que foram às ruas tinha esse objetivo, mas o fato de ser dito em alto e bom som por parlamentares do partido do presidente não pode ser subestimado. A democracia aceita protestos contra as instituições que a sustentam, mas essas falas, entre tantas outras, mostraram que o governo Bolsonaro flerta frequentemente com a ameaça à democracia.  O país está diante de uma situação difícil. A economia não deslancha, a confiança dos empresários e operadores de mercado está em queda livre, as contas públicas estão com forte déficit. Além disso, é necessário passar pelo Congresso matérias complexas, como a reforma da Previdência, o crédito suplementar de R$ 248 bilhões, a mudança na lei de teto de gastos para permitir o acordo com a Petrobras e a distribuição dos recursos. Se não tiver um bom diálogo com o Parlamento, o Executivo pode enfrentar derrotas e alterações indesejáveis nos projetos.

A manifestação não foi tão grande que tivesse dado a Bolsonaro o capital político extra com o qual ele sonhava. Mas foi relevante. E poderia até fortalecer as reformas, se Bolsonaro demonstrasse empenho em construir uma maioria para aprová-las. Ele estimulou a ida às ruas para dar uma resposta aos protestos contra os cortes na educação. Não foi por entusiasmo com a mudança da Previdência. Como ele já disse várias vezes, se pudesse, não faria a reforma.

O grande problema tem sido a dificuldade de o presidente Bolsonaro entender que quem é eleito governa, quem não tem maioria tem que negociá-las, quem comanda o Executivo precisa defender seu projeto diariamente. Que as redes sociais sempre serão uma forma subsidiária de comunicação e que o tempo de suas declarações irresponsáveis quando era apenas um parlamentar de desempenho pífio encerrou-se quando foi escolhido para liderar o país nas últimas eleições.
Nas manifestações de domingo havia pessoas defendendo suas convicções. Excelente. Foi para isso que o país lutou contra o período ditatorial que por tanto tempo reprimia, muitas vezes com violência, qualquer passeata, e que editou um Ato Institucional que proibia reuniões políticas. A democracia aceita até que se manifestem os saudosistas do tempo em que a liberdade foi cerceada. Mas cabe às lideranças do país tomarem precauções para não incentivar um tipo de ataque às instituições como algumas que foram vistas nas ruas de domingo. Pedir o fechamento do Supremo, demonizar qualquer negociação política como sendo pressão pela “volta das velhas práticas”, afirmar, como fez Bolsonaro, que é preciso “libertar” o país é atravessar uma linha que não deve ser transposta numa República que teve duas ditaduras nos últimos 90 anos. Que as ruas falem sempre o que quiserem, mas que os governantes tenham a lucidez de não ecoarem os extremos.


Coluna da Miriam Leitão - O Globo


 

domingo, 28 de abril de 2019

Os autos e as urnas


Para preservar capital político na prisão, ex-presidente mistura defesa e palanque


Lula disse que sua prisão é uma “farsa montada” por Sergio Moro e por Deltan Dallagnol. O discurso não é novo e o caso já foi julgado por outros tribunais, mas o ex-presidente afirmou à Folha e ao jornal El País que sua obsessão é “desmascarar” o ex-juiz e o procurador. Apesar de repisar essa cruzada, o petista substitui a disputa jurídica por um esforço estritamente político. Lula faz acenos ao STF em busca da revisão de sua sentença, mas se mostra mais interessado em um embate com o governo Jair Bolsonaro.

[enquanto tenta, desesperadamente, preservar o que já não possui, ver sua liderança minguar dia a dia, percebe que suas chances de voltar à liberdade,  diminuem na proporção inversa do crescimento das condenações,  o presidiário petista vai perdendo a noção das coisas, do tempo, sendo dominado por uma desesperança crescente e contagiosa aos seus devotos.

Quanto mais entrevistas Lula conceder, melhor para os seus adversários e pior para os 'devotos' que ainda lhe restam.

Fala em trabalhar por alguém mais novo, tentou isso com o Haddad e o único ganho que o 'poste' conseguiu foi o apelido de 'marmita de presidiário'.]



Na entrevista, a jornalista Mônica Bergamo destacou que houve corrupção comprovada envolvendo o PT e perguntou se o ex-presidente errou ao usar o sítio de Atibaia, reformado por empreiteiras. Lula se disse disposto a discutir “a questão ética” em torno do assunto, mas logo migrou para sua zona de conforto. “Qual é o meu incômodo? Se eu estivesse aqui preso e o salário mínimo tivesse dobrado, [pensariam:] ‘o Lula realmente é um desgraçado, prendeu e melhorou’. Mas não. Acabaram agora com o aumento real do salário mínimo”, declarou.
Com foco na economia, Lula ataca Paulo Guedes e incentiva manifestações contra a reforma da Previdência. As críticas ao governo fazem parte da estratégia que mistura defesa e palanque. “Estou aqui para provar minha inocência, mas estou muito mais preocupado com o que está acontecendo com o povo”, disse. Enquanto se desvia do desgaste sofrido pelo PT com a corrupção, o ex-presidente luta para preservar capital político dentro da cela. Reclama da “falta de sensibilidade dos setores da esquerda de não se unir”, mas faz gestos pouco convidativos. Diz que Ciro Gomes “precisa aprender a suportar os contrários” e que “a Marina [Silva] acabou, né, coitada”.

No fim da entrevista, Lula afirmou que pretende trabalhar por “alguém mais novo”, mas também admitiu que sente uma “coceira”. Depois, reeditou o famoso jingle de Getúlio Vargas: “Como é que diz a música do velhinho? ‘Bota o velhinho na parede, o velhinho tá de volta’. Quem sabe?”.
Bruno Borghossian - Folha de S. Paulo

quarta-feira, 3 de abril de 2019

A reforma da Previdência corre sérios riscos

A resistência de Bolsonaro em assumir a coordenação e formar uma coalizão partidária pode ser o caminho para o fracasso

É crescente a percepção de que a reforma da Previdência corre riscos de ser rejeitada ou de sofrer uma desastrosa desidratação. Consultorias e participantes do mercado financeiro atribuíam, há algum tempo, alta probabilidade de sucesso na empreitada. Falava-se em chances de economias de 800 milhões de reais ao longo dos próximos dez anos. A queda nessas perspectivas decorre das demonstrações de despreparo do presidente da República para promover a aceitação, pelo Congresso, das partes mais relevantes da proposta. Ele indica desconhecer o funcionamento do presidencialismo de coalizão, o qual pressupõe a negociação com os parlamentares, mediante a utilização de “moedas de troca”.

Há duas “moedas” legítimas: a nomeação de indicados pelos parlamentares para cargos e a liberação de emendas parlamentares. O presidente pode estabelecer critérios de reputação ilibada e de aptidão para o cargo e para aceitar a indicação. A liberação de emendas não implica aumento de gastos, mas mera antecipação do prazo de sua liberação, pois elas são de execução obrigatória pela Constituição.
“moedas” ilegais, que são as associadas à corrupção. Foi o que ocorreu no período petista com o mensalão (compra de lealdade dos parlamentares) e a franquia da Petrobras para abastecer de recursos os partidos políticos.

Bolsonaro sugere que negociação política equivale a corrupção, um sério equívoco. O presidente é o coordenador do jogo político em uma coalizão, mas ele sinaliza que já exerceu o seu papel, o de enviar a proposta. Caberia ao Congresso cumprir o seu, qual seja o de aprovar a reforma. Nesta segunda-feira, em Jerusalém, ele reiterou essa ideia ao afirmar que “a decisão (da Previdência) está com o parlamento”. Sem formar uma coalizão com partidos, que garanta uma base parlamentar majoritária, é muito difícil promover a coesão e a coordenação necessárias à decisão do Congresso. É muito arriscado deixar ao critério de cada um dos 513 deputados e 81 senadores votar de acordo com a visão de mundo de cada um.

Parte da eleição de Bolsonaro se deveu à promessa de que não repetiria o chamado “toma lá dá cá” de governos anteriores. Muitos acham que essa promessa veio em boa hora, imaginando que é assim que nasce a corrupção. Outros sustentam que os tempos mudaram e que o Congresso precisa assumir suas responsabilidades. Mesmo que tais ideias fossem corretas, seria temerário adotá-las em regimes multipartidários como o nosso. 


O capital político do presidente e as condições de governabilidade dependem da reforma da Previdência, a qual também é crucial para assegurar a solvência do Tesouro e para confirmar as esperanças de restauração do crescimento sustentável da economia.

Os riscos de derrota na reforma aumentarão se o presidente mantiver o propósito de não assumir a liderança da negociação com o Congresso e de resistir a formar a coalizão que garanta uma base parlamentar coesa e comprometida com a aprovação da proposta.

sábado, 23 de fevereiro de 2019

A autossabotagem do governo

É surpreendente que em meros 50 dias à frente do comando do País o governo Bolsonaro tenha conseguido produzir, sozinho, por geração espontânea, de maneira a mais atabalhoada possível, tantas e seguidas crises capazes de macularem perigosamente o seu já incipiente capital político que, de mais a mais, deveria estar sendo usado para os assuntos que de fato interessam aos brasileiros – eleitores ou não, simpatizantes ou não, que dependem de suas ações. 

Nos últimos dias em especial, uma montanha-russa de emoções e achincalhe em rede aberta do mandatário polarizaram as atenções. Filhos com poderes plenipotenciários, tais quais membros de uma família real, pintaram o sete. Um deles, o “Zero Dois”, o “pitbull”, como também é conhecido, brincou de fritar ministro, com o aval, estímulo e posterior reforço paterno, que replicou as traquinagens do rebento. A mistura do público e do privado, de assuntos familiares com os de interesse de Estado, esteve em voga, sem limites ou fronteiras. 

A presepada se deu, fundamentalmente, via Twitter, meio de comunicação preferido do presidente, que vai se mostrando uma armadilha das grandes contra seus próprios planos de angariar o respeito público – pela fragilidade, óbvia, de segurança nas redes digitais. Bolsonaro pai e filho chamaram o então ministro, agora demitido, Gustavo Bebianno, de “mentiroso”. Fizeram-no arder na fogueira por dias a fio, num interregno pavoroso que parecia insinuar que o mandatário temia rebotes do antes fiel depositário de suas confidências, articulações e mesmo perrengues na Justiça (Bebianno seguia até a semana passada como advogado pessoal de Jair Messias, ao menos em uma ação de queixa-crime do adversário político Ciro Gomes). Ferido na autoestima, humilhado publicamente, o alvo, de fato, não tardou a dar sinais de vingança, numa mal velada chantagem que começou por recados atravessados. 

Disse coisas do tipo: “o presidente está com medo de receber algum respingo”. Ou assim: “sou homem, não sou moleque”, “o presidente não morrerá presidente”. E sacramentou com um “eu só fiz o bem, capitão. Até aqui.” Mesmo para quem não tem o dom de decifrar sinais, a mensagem ficou clara. A turma dos panos quentes buscou amenizar. Negociou, apelou, mas o estrago estava feito. O que se seguiu foi ainda mais constrangedor. O presidente, que pareceu acusar o golpe, ofereceu ao novo desafeto o posto de diretor numa estatal que lhe renderia, pelas informações do próprio Bebianno, mais de R$ 1,1 milhão em salário anual, ou, a sua escolha, uma embaixada na Europa. Não fosse suficiente, o chefe da Nação ainda se submeteu a gravar um vídeo no qual, visivelmente desconcertado, e também despertando vergonha alheia a quem o assistia em transmissão nacional, teceu elogios ao subordinado afastado. Para que tudo Isso? Talvez o estoque de munição do contendedor não tivesse se esgotado. A autoridade executiva saiu chamuscada. 

Qualquer mandatário que perde a confiança em um dos seus ministros pode, e deve, despachá-lo de imediato com uma canetada no Diário Oficial. Simples assim. Não precisava montar tamanho escarcéu e arrastar a Nação nesse show de inabilidade. Bolsonaro parece enxergar fantasmas na própria sombra. Imaginou que Bebianno estava urdindo na surdina a sua desestabilização, como “agente infiltrado”. Não havia gostado nada de alguns dos movimentos do ex-ministro. Veio o bate-boca por mensagens. O filho entrou no meio e botou mais lenha na fogueira. Ao negar que havia ocorrido três conversas com o subordinado e tachá-lo de mentiroso, Bolsonaro pai se colocou na situação de ser, ele próprio, desmentido pelos fatos e gravações e saiu como o Pinóquio da história. Não foi a primeira vez. Já no início do mandato foi desautorizado por um assessor, quando falou que iria baixar a alíquota do Imposto de Renda. 

Ao lado dele, o elenco de ministros, cada um a sua maneira, vem praticando escorregões dignos de assombro. A ministra Damares, dos Direitos Humanos, depois do “meninos vestem azul, meninas, rosa”, sugeriu aos pais de meninas que fossem embora do País. O ministro da Educação disse que o brasileiro é canibal e rouba em viagens, o do Meio Ambiente destratou o ícone ambientalista morto Chico Mendes, o chanceler segue a brigar com parceiros externos enquanto o ministro do Turismo, envolto no mesmo laranjal de Bebianno, é mantido no posto e o ministro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, sofre acusação de caixa dois, tal qual o escolhido da pasta da Saúde, Luiz Mandetta, que foi denunciado por fraude em licitação e tráfico de influência. 

Ao menos sete titulares do primeiro escalão do presidente estão hoje sob suspeição e no rol ainda se encontra outro dos filhos, o senador Flavio Bolsonaro, que entrou na mira por ter montado uma espécie de “mensalinho” quando dava expediente no seu gabinete na Assembleia do Rio. Isso tudo em um governo que prometeu uma revolução ética. Das palavras às ações, vai se verificando uma larga distância. O amadorismo e a falta de traquejo para lidar com os afazeres e rotina do Planalto têm despertado a desconfiança dos próprios aliados. Militares falam em tutelar Bolsonaro.

Políticos e partidos estão organizando resistência a sua atuação e já lhe brindaram com uma fragorosa derrota na votação de seu primeiro projeto, sobre uma lei que limitaria o acesso à informação. Não é pouca coisa a debilidade de articulação do Planalto no momento. No período inicial, tradicionalmente de lua de mel, com o alto capital de popularidade angariado nas urnas, governantes normalmente apostam esse arsenal para fazer valer no Congresso suas pautas mais amargas e complexas. Bolsonaro, ao contrário, desprezou a liturgia do cargo, vestiu-se de camiseta pirata, chinelo e calça moletom, e dedicou-se à sanha tuiteira de ataques e despachos informais, como quem ainda não desceu do palanque. Estão todos à espera de que ele perceba a real dimensão do posto que assumiu. E desista dessa prática da autossabotagem.

Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três