Valor Econômico
O governo federal está cogitando substituir as contribuições patronais
incidentes sobre a folha salarial por um tributo que incidiria de forma
cumulativa sobre as transações financeiras. Trata-se de um equívoco que
representaria um enorme retrocesso no já complicado sistema tributário
nacional. Há várias razões que desaconselham a existência de um tributo sobre
transações financeiras. A mais relevante delas é seu caráter cumulativo.
A cobrança desse tipo de tributo afeta diretamente a eficiência
econômica. Do ponto de vista microeconômico, a cumulatividade tributária
gera uma organização da produção que não necessariamente é a mais
eficiente. A decisão de verticalizar ou não uma determinada etapa da
cadeia produtiva, por exemplo, acaba sendo tomada considerando-se os
efeitos da tributação cumulativa e não por razões de eficiência
econômica.
Tipicamente, o imposto cumulativo é um custo de transação que, na
acepção de Coase, vai influir nos arranjos produtivos. O ideal é sempre
buscar ter um sistema tributário que seja neutro no sentido de não
distorcer decisões de indivíduos e empresas que deveriam ter em conta
apenas considerações econômicas. Ademais, um tributo sobre transações financeiras onera em cascata as
cadeias produtivas, notadamente as mais longas. Por causa disso, sua
cobrança representa um pesado (e heterogêneo) ônus sobre a produção
doméstica e um fator redutor da competitividade da produção nacional.
Para a maioria dos setores econômicos, os eventuais benefícios da
desoneração da folha salarial seriam insuficientes para compensar o
adicional de custo que adviria da cobrança de um tributo sobre as
transações financeiras.
Além disso, haveria impactos indesejáveis sobre a intermediação
financeira e sobre o sistema de pagamentos. Num país em que os "spreads"
são elevados comparativamente ao resto do mundo, a introdução desse
tipo de tributo seria um retrocesso lamentável, afetando a oferta de
crédito notadamente para as pequenas empresas e para pessoas de menor
renda. Outra consequência negativa são os efeitos sobre a liquidez do mercado
de títulos e valores mobiliários. Seria um balde de água fria sobre o
mercado de capitais brasileiro que apenas agora começa a decolar na
esteira das oportunidades geradas pela queda sustentável da taxa de
juros e pela retração na oferta de crédito direcionado pelos bancos
oficiais federais.
Quanto ao sistema de pagamentos, os efeitos seriam diretos,
principalmente levando em conta os avanços tecnológicos recentes nessa
indústria. O uso dos chamados criptoativos (ou criptomoedas) -
transacionados fora da jurisdição da Receita Federal do Brasil - se
mostraria vantajoso em relação à realização de pagamentos no perímetro
sujeito à "nova CPMF". Parece-me que seria uma tarefa insana e custosa
impedir que pessoas naturais e jurídicas brasileiras tenham acesso aos
criptoativos negociados no exterior, a fim de evitar a evasão ao
pagamento do tributo sobre cada transação financeira.
O Brasil possivelmente teria que reabrir a enferrujada "caixa de
ferramentas" que se prestou às restrições cambiais que aqui predominaram
desde a crise de 1929 até o início dos anos 1990. Nesse caso, um
imposto tido como simples geraria complexidades adicionais para as
autoridades tributárias e financeiras do país. Por outro lado, para substituir a cobrança de outros impostos e
contribuições federais, a alíquota do novo tributo teria que ser bem
superior à praticada anteriormente com a CPMF no Brasil. Segundo o
noticiou o Valor, cogita-se uma alíquota de 0,60% para substituir o IPI,
o PIS/Cofins e as contribuições patronais sobre a folha salarial.
Portanto, não se trataria de um tributo "simbólico", cuja alíquota
modesta abrandaria suas consequências alocativas negativas sobre a
economia.
Se a instituição de um tributo com alíquota de 0,6% já provocaria
distorções relevantes na economia, é de se imaginar o resultado
catastrófico que se esperaria da materialização da ideia de um imposto
único lançada recentemente por um grupo de empresários. Esse tributo
seria cobrado a uma alíquota de 2,5% no débito e no crédito, totalizando
5% em cada pagamento. Impressiona que o fetiche do imposto único ainda
permaneça vivo no Brasil, tal a pletora de sólidos argumentos econômicos
contrários à ideia. Não se tem certeza sequer se essa já enorme
alíquota de 5% seria suficiente para manter a carga tributária nos seus
níveis atuais, o que é necessário tendo em vista a rigidez das despesas
públicas no curto e médio prazos.
Na realidade, o que o Brasil precisa é de uma reforma tributária que
simplifique a cobrança de impostos sem cair no conto-da-carochinha do
imposto único. Para tanto, não adianta buscar a reinvenção da roda,
usando o contribuinte brasileiro como cobaia para experiências
temerárias no campo tributário. Por que não apenas criar um verdadeiro
imposto sobre valor agregado (IVA) que simplifique os complexos ICMS e
ISS? Por que não apenas reformar o Imposto de Renda para torná-lo mais
equitativo e neutro?