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terça-feira, 16 de maio de 2023

Depois de ouvir Bárbara - Percival Puggina

 

         Ontem, Dia as Mães, assisti ao vídeo da audiência da Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados na última quinta-feira (aqui). Todo brasileiro deveria, no correr desta semana, tratar de assisti-lo. Isso se tornou imperioso.  
O vídeo tem pouco mais de três horas que serão usadas de modo importante para o bem de cada um, de sua família e do país. 
A vida nos colocou neste tempo e neste lugar quando e onde somos testemunhas de dias e de fatos que marcarão de modo indelével nossa existência. Não podemos virar às costas e sair da História, como se fôssemos um Coelho Relojoeiro que jogasse fora seu relógio e se recolhesse entre os sonhos de Alice sobre um país das maravilhas chamado Brasil. 
 
O fato de ser Dia das Mães me aproximou muito do drama e da atitude missionária da principal depoente do evento, Bárbara Destefani (canal “Te atualizei”).  
Nem de longe dedicaria um cumprimento a qualquer de seus algozes, mas de bom grado viajaria para externar àquela jovem mãe minha profunda admiração. 
Talento e coragem, senso de humor e seriedade fizeram dela uma figura nacional, sujeita à dupla condição de martírio e assédio.
 
O silêncio das feministas é um libelo.  
O silêncio dos senadores sobre o descontrole do STF revira o estômago
O que fazem com Bárbara (que tomo com símbolo de tantos) é a maior evidência de que 1) estamos sob censura no Brasil; 
2) a censura vem do topo do Poder Judiciário nacional; 
3) tudo mais que se diga sobre o PL 2630 para lhe dar espaço na vitrina das intervenções do Estado é meramente decorativo, acessório. 
O assunto é censura, sim, num país onde se estabeleceu um poder que não aceita ser contradito. De contrariado, claro, nem se cogita.

Houve um tempo, e já vai longe, em que perante certos tratamentos desiguais, clamava-se contra “dois pesos e duas medidas”. Era o senso popular de justiça. Do mesmo modo, houve um tempo em que punir Chico cidadão comum, mané, pé-de-chinelo, implicava o dever de punir, por iguais motivos, o abonado e influente Francisco, em seus mocassins italianos.

Pois tudo isso ficou para trás, levado na voragem de uma justiça cujos olhos servem a uma visão particular de futuro. 
Por ser particular, essa visão perde as condições para ser imposta legitimamente a todos. Quais condições? 
A legitimação dada pelos constituintes à Constituição, pelos legisladores às leis e pelo povo aos parlamentares que elege para representá-lo. Aquele futuro que essa justiça vê (sua compreensão sobre o destino do mundo, da pessoa humana e da sociedade) é apenas um futuro dentre outros possíveis. Perante tal pluralismo, cabe aos parlamentos discernir! Não aos juízes. Não aos ministros. Fora disso, o que se tem é “golpe”, para usar o vocábulo da moda.

Na prática do tempo presente, o pau que bate em Chico só bate em Chico. E não há mais dois pesos e duas medidas. Há apenas um peso e uma singular medida. Ambos servem aos fins de determinada causa, vale dizer, à destruição de uma corrente política e de pensamento dentro da sociedade, cortando suas derradeiras possibilidades de comunicação. Esse prato da balança tem peso zero.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Avalie as “conclusões” da CPI antes de tirar as suas - Vozes

J. R. Guzzo

 
Relatório final

Eis aí: a CPI da Covid” afinal soltou, após muita briguinha e brigona entre os seus sócios-controladores, a famosa lista de crimes que, no seu entendimento, o presidente Jair Bolsonaro cometeu no combate à epidemia. Fica evidente, logo de cara, que algo deu profundamente errado: não aparece, entre os nove diferentes delitos imputados ao presidente, nenhuma denúncia de corrupção. Nada? Nada.

Tinha de aparecer, é claro: há seis meses o grupo que manda na CPI, a esquerda em geral e a mídia em particular prometem, sem descanso, que a qualquer momento iriam estourar casos de ladroagem capazes de mandar o governo todo para fora do sistema solar. Mas não apareceu nada.

Fake news? Segundo a definição das “agências de checagem de notícias”, do ministro Alexandre Moraes e do seu inquérito para salvar a democracia no Brasil, dizer durante 180 dias que a CPI vai descobrir corrupção, e no fim da linha não denunciar corrupção nenhuma, é notícia falsa, sim senhor.

Mas e daí? “Fake news”, por aqui, só funciona da mão direita da rua; sempre foi assim e continuará sendo, e ninguém precisa perder cinco minutos de sono por causa disso. O que chama a atenção é outra coisa: se nem a CPI, que é a mais desesperada ação contra o presidente da República desde a sua entrada no Palácio do Planalto, não encontra roubalheira, qual a seriedade que se pode ter com o resto das acusações?

Muito pouca, com tendência a nenhuma. Não foi só a corrupção que ficou faltando na festa. Vê-se, no fim das contas, que sumiu outra acusação monumental, tratada durante seis meses inteiros como a joia da coroa da CPI: o genocídio. Sumiu isso também, o genocídio? Sumiu.

Na hora de soltar a lista de crimes com a qual pretendem enfiar Bolsonaro na cadeia pelos próximos 80 anos, viram que não conseguiriam manter de pé durante cinco minutos a ideia de que ele fez o que a lei brasileira define como genocídio. Não é fácil, como se pode ler ali, o sujeito ser genocida neste país. Ele tem de destruir um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Precisa matar o grupo, ou impedir que haja nascimentos ali, ou fazer transferência forçada e maciça de suas crianças de um lugar para outro, além de outros horrores. Como seria possível acusar alguém de um negócio desses?

Se os crimes que não estão na lista são esses aí, os que estão seguem pela mesma trilha. Crime de epidemia? Isso, segundo diz o Código Penal, não é andar “sem máscara”, nem produzir “aglomeração” é disseminar germes patogênicos na população.  
Crime de charlatanismo? O que Bolsonaro fez não foi isso, pela lei: ele elogiou o uso da cloroquina, uma terapia declarada perfeitamente legal pelo Conselho Federal de Medicina. Crime contra a humanidade? Também não dá.

A qualidade das “conclusões” da CPI é essa. Vale a pena pensar um pouco antes de tirar as suas.

J. R. Guzzo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

domingo, 7 de junho de 2020

Uma nota acima do tom (por Gaudêncio Torquato) - VEJA

O presidente é um incontrolável rebelde

Basta apurar os sentidos para perceber que há uma nota acima do tom na orquestração política. O presidente é um incontrolável rebelde no uso de substantivos ácidos e adjetivos ferinos para animar suas galeras e atacar adversários. Magistrados, incluindo os de grande bagagem, extravasam e abrem polêmica. Dos políticos, situação ou oposição, o tiroteio virtual não arrefeceu como seria de se esperar durante a pandemia.

Tudo sinaliza para uma sobrecarga de energia acumulada, como se o alvo não fosse o Covid-19 e sim os interlocutores das nossas instituições. Até os generais, antes comedidos no uso do verbo, extrapolam os limites. [será que os generais não estão deixando o comedimento pelo fato dos magistrados, incluindo e especialmente os que exercem suas funções na Suprema Corte, extrapolarem suas funções, usarem termos inadequados?] Razoável pensar que esses comportamentos oxigenam nossa democracia, pois o debate desperta a sociedade. Mas há uma questão de fundo nesse jogo em temas como intervenção militar, golpe, impeachment, rebelião social, entre outros. É preciso cuidado com a banalização.

Entremos nos temas. A retórica de conflitos se impregna de interesses estratégicos eleitorais. Bolsonaro estica a campanha até hoje. Os 30% de apoiadores montam na garupa do azarão. O PT, destroçado depois de afundar o país, só pensa em voltar ao primeiro plano. Basta ver Lula. Condenado em duas instâncias, defende agora a primazia do PT, negando-se a assinar manifestos em favor da democracia. Grandes partidos já apontam eventuais candidatos em 2022. Médios e pequenos se atrelam às recompensas, como entes do Centrão aboletados no governo.

A polarização política agita chefes e lideranças de todos os setores. Para acirrar, enfrentamos uma das maiores epidemias da história, tragédia expandida com a reversão da economia. Bolso vazio de milhões de pessoas e empobrecimento das classes sociais podem até gerar convulsões, abrindo caminho para o caos social.

Sob esse risco, estariam criadas as condições para a arrebentação da maré política e eventos graves no Congresso Nacional. Portanto, a ideia de impeachment só se fundamenta na base da mobilização social. Improvável pensar em afastamento do presidente como ato unilateral do Parlamento. Só mesmo uma onda das margens para o centro poderia dar xeque mortal no tabuleiro da política.

Da mesma forma, é irrazoável a alternativa de intervenção militar. As Forças Armadas, graças ao profissionalismo, firmaram uma imagem de respeito, credibilidade e seriedade. Não entrariam numa aventura pela tomada do poder na marra. Excepcionalmente, podem ir às ruas para garantir a lei e a ordem. As Forças sabem que estão diante de uma sociedade mais atenta, crítica e solidária. Essa imensa classe média tende a rejeitar extremos ideológicos. Apenas um minúsculo grupo – nem 10% da população – apoiaria um golpe autoritário.

Portanto, baixem a bola, senhores guerreiros. O momento exige foco no combate ao coronavírus e não no tiroteio verbal, como a lenha que se joga nas redes sociais. Quanto aos magistrados, generais e mandatários, a mensagem vem dos romanos: homo loquax, homo mendax – homem falador é homem mentiroso. Ou acaba se transformando em mentiroso.

Blog do Noblat - VEJA - Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político

quinta-feira, 21 de maio de 2020

As razões dos militares - William Waack

O Estado de S.Paulo

Eles suportam um governo que embarcou numa perigosa aventura 

Os militares que estão no governo aparentemente não comandam. Por motivo simples: uma coisa é a aptidão técnica e a formação intelectual para planejar e executar considerando meios e fins. Para isso os militares foram muito bem preparados em suas academias, que equivalem a escolas de business comparáveis às melhores lá de fora.

Outra coisa é o exercício da política, aprendizado que não está nos currículos dessas academias. Tem sido mais fácil para os militares no governo se apegar a seu padrão ético de “cumprir a missão”, “obedecer ao comando hierárquico” e “não abandonar o barco em dificuldades” do que enxergar que prestígio e respeito pacientemente recuperados pelas Forças Armadas após o regime que instauraram e conduziram por 21 anos estão naufragando pelo suporte que emprestam ao que hoje, sob Bolsonaro, deriva numa aventura rumo ao abismo.

O que os levou a pular para a carruagem do atual presidente, que estava longe de ser a primeira escolha deles, foi a noção de esgarçamento do tecido social e de desagregação institucional ilustrada por dois episódios significativos ainda no início da campanha eleitoral de 2018. O primeiro foi o fica ou sai de Lula da cadeia em Curitiba, devido a uma sequência de canetadas do Judiciário. Bagunça que por um triz não levou à desordem. O segundo foi a bagunça mesmo criada pela greve dos caminhoneiros.

[consertar o Brasil, desmontar o mecanismo é realmente uma missão perigosa, só que: "MISSÃO DADA,MISSÃO CUMPRIDA."        Questionar uma missão, ainda que pela primeira vez, é algo que tem que ser cuidadosamente analisado, em todas as suas implicações, caso contrário estará se abrindo as portas para quebra da HIERARQUIA e DISCIPLINA.]

A um candidato sem planos, além de frases de efeito, os militares levaram seriedade, confiabilidade e gente experiente em logística, gestão de recursos, planejamento, disciplina e hierarquia. Acharam que a onda disruptiva que destruiu a reputação de políticos, partidos, imprensa e várias instituições se traduziria num “momento” político capaz de fazer prosperar mesmo num Legislativo hostil a reformas, à transformação do Estado e por aí vai. Não estavam sozinhos nessa mescla de fé e esperança, combinadas a um pouco de cálculo.

Faltou o lado político, pelo qual Bolsonaro enveredou da pior forma possível. Preferiu renunciar ao exercício de seu maior poder, que é ditar a agenda. Preferiu concentrar-se no afago à suas parcelas de seguidores incondicionais, que estão diminuindo. Jogou fora várias oportunidades de se tornar uma voz pregando convergência, união, pacificação, concentração de esforços. Perdeu tempo e, com a pavorosa crise do coronavírus, perdeu também a moral.

Na mais recente grande crise do governo, a da saída de Sérgio Moro, os militares encontraram como conveniente justificativa para tolerar um governo no mínimo errático a postura do STF de limitar as prerrogativas do Executivo. Além de legislar, o Judiciário em alguns casos até governa, ou não deixa governar. Há um forte debate jurídico e acadêmico sobre o tema, mas militares e políticos, e não só os do Centrão, avaliam esse fato como usurpação de prerrogativas.

Portanto, sob essa ótica, é até “compreensível” o flerte nada discreto do presidente com a crise institucional que os militares não querem que aconteça. O problema político que eles não resolveram é traçar a linha entre o que é “suporte institucional” a um governo destrambelhado e o que é cumplicidade com o destrambelhamento. É o tipo de coisa, porém, que só fica bem clara depois.

Parece evidente neste momento que está além da formação técnica e doutrinária dos militares resolver um nó que é político na mais pura essência. O símbolo de tudo isso é um general, que não é médico, liberando [autorizando.] no Ministério da Saúde um documento contendo protocolo de tratamento que médicos que o antecederam não quiseram assinar – e se recusaram a fazê-lo por razões técnicas, e o general o fez por razões políticas do presidente da República.  São razões que passaram a ser, por conivência, conveniência ou inércia, as razões também dos homens que vestiram ou vestem fardas.

William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo