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quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

A guerra civil brasileira - Valor Econômico

Cristiano Romero

Mais de 600 mil negros foram assassinados desde 2000 no Brasil

[triste concluir que mesmo sendo o valor da vida de um negro exatamente  igual ao valor da vida de um não-negro, a matéria deixa transparecer que fosse o número de vidas de negros ceifadas  igual ou inferior ao de vidas de não negros os números perderiam destaque, haveria uma igualdade que deixaria satisfeitos os que teimam em apresentar os negros como vítimas de uma desigualdade, de um racismo que não existe.  
Muitas vidas negras foram tiradas por não negros e também por negros; muitos não negros perderam a vida assassinados por não negros e também por negros.] 
Uma das mais lamentáveis e equivocadas tentativas de explicar o fracasso do Brasil é a ideia de que o país não deu certo porque não enfrentou guerras. Trata-se de mistificação concebida a partir da história de países como os Estados Unidos, que, além das batalhas travadas com outras nações para conquistar o território que tem hoje, amargou sangrenta guerra civil entre 1861 e 1865, quando se estima que mais de 600 mil pessoas morreram.

Entre 1979, quando a série começou a ser apurada, e 2018, último dado disponível, 1.583.026 brasileiros foram assassinados, segundo o “Atlas da Violência”, elaborado pelo Ipea. A violência não para de crescer. O número de homicídios tem mudado de patamar a cada dez anos - em 1979, 11.217 pessoas foram assassinadas; em 1990, 32.015; no ano 2000, 45.433; em 2010, 53.016; em 2018, 57.956 perderam suas vidas em decorrência do arbítrio de outrem (e ainda há quem defenda a adoção da pena de morte nestes tristes trópicos).

Alguém notará que o ritmo de crescimento de homicídios está diminuindo. Em 2017, 65.602 cidadãos foram mortos de maneira violenta, a maioria, por arma de fogo (71% dos casos). Portanto, houve queda de 11,7% no número de assassinatos no ano seguinte. O problema, mostra o “Atlas da Violência 2020”, é que não se pode mais confiar cegamente no “termômetro” usado para contabilizar as mortes.

O Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, é a única fonte de dados com abrangência nacional, consistência e confiabilidade metodológica sobre a evolução da violência letal desde 1979. Ocorre que o SIM é alimentado por informações repassadas pelos Estados, e a qualidade desses dados tem caído de forma assombrosa. “Entre 2017 e 2018, o número de MVCI (mortes violentas com causa indeterminada) aumentou 25,6%. A perda de qualidade das informações em alguns estados chega a ser escandalosa, como no caso de São Paulo, que, em 2018, registrou 4.265 MVCI, das quais, 549 pessoas vitimadas por armas de fogo, 168 por instrumentos cortantes e 1.428 por objetos contundentes. Nesse estado, a taxa de MVCI foi de 9,4 por 100 mil habitantes, superior à taxa de homicídios, que foi de 8,2”, diz o último “Atlas da Violência 2020”.

No total, 12.310 brasileiros foram assassinados em 2018, mas as autoridades não sabem quem os matou nem o porquê. Estes são os cidadãos invisíveis cuja existência só interessou a quem lhes tirou a vida. São dispensados nas ruas como se faz com o lixo de casa. Na maioria dos casos, são enterrados como indigentes, sem identidade ou o conhecimento da família. Fazem número na estatística MVCI.

Pesquisa feita em 2013 por Daniel Cerqueira, coordenador do Atlas da Violência, estima que 73,9% das mortes violentas causa indeterminada são, na verdade, homicídios ocultos. Conclusão: o número de assassinatos cometidos neste gigantesco território pode ser até 20% superior ao número informado.

Definitivamente, no Brasil viver não é preciso. De 2008 a 2018, 628.595 brasileiros foram mortos de forma violenta. Do total, 437.976 eram negros (70%), a maioria, jovem e pobre. Enquanto o número de negros vitimados pela violência vem escalando - em 2018, eles foram 75,7% dos casos de homicídio -, o de não negros está cedendo. Entre 2008 e 2018, houve alta de 11,5% no número de negros vítimas de assassinato e declínio, no caso dos não negros, de 15,4%.

Mais uma estatística aterradora: desde o ano 2000, 660.252 negros foram assassinados no Brasil. Não calcule a média anual do período porque, como o número casos está em franca expansão, o percentual encontrado não refletirá a realidade indisfarçável: vivemos num país onde a maioria da população é negra (56%, segundo o IBGE), mas onde também predomina o racismo estrutural, que, como os números mostram, tem aumentado de forma veloz.

Apenas em 2018, os negros (soma de pretos e pardos, conforme classificação do IBGE) representaram 75,7% das vítimas de homicídios - taxa de assassinatos por 100 mil habitantes de 37,8. Comparativamente, entre os não-negros (soma de brancos, amarelos e indígenas), a taxa foi de 13,9, o que significa que para cada indivíduo não-negro morto em 2018, 2,7 negros foram assassinados.

Da mesma forma, as mulheres negras representaram 68% do total das mulheres assassinadas no Brasil, com uma taxa de mortalidade por 100 mil habitantes de 5,2, quase o dobro quando comparada à das mulheres não-negras.

“Este cenário de aprofundamento das desigualdades raciais nos indicadores sociais da violência fica mais evidente quando constatamos que a redução de 12% da taxa de homicídios ocorrida entre 2017 e 2018 se concentrou mais entre a população não negra do que na população negra. Entre não negros a diminuição da taxa de homicídios foi igual a 13,2%, enquanto entre negros foi de 12,2%, isto é, 7,6% menor”, informa o Atlas da Violência.

O Brasil está promovendo há décadas um verdadeiro genocídio, um crime contra a humanidade. A guerra civil americana foi deflagrada porque os produtores rurais do Sul não aceitavam o fim da escravidão dosa negros. No Brasil, a escravidão chegou bem antes e se tornou a principal característica de nossa sociedade. Aqui, a guerra civil nunca acabou.

Valor Econômico

 

Futurologia - Alon Feuerwerker

Análise Política

O balanço das eleições municipais está bastante focalizado no desempenho dos partidos, o que é natural quando a preocupação maior é conectar o que se passou agora com o que vai se passar daqui a dois anos. Então lá vai um exercício de futurologia.

O Congresso Nacional, mais dia menos dia, vai tomar medidas que estabilizem a relação dívida/PIB, e o país não escorregará para a retomada inflacionária. Mas, depois de voltar ao patamar em que estava antes da pandemia, a economia vai crescer lentamente, devido antes de tudo às baixas taxas de investimento e à fraqueza do mercado interno.

Jair Bolsonaro chegará em 2022 bastante competitivo para ocupar uma vaga no segundo turno, e aí vai depender da amplitude da frente que se formar contra ele na reta final. Neste ponto, será ajudado pela dificuldade de unir a direita não bolsonarista e a esquerda.

Essa união aconteceu no Rio, em em menor grau em Fortaleza e em Belém, mas foi exceção. E o principal entrave é cristalino: os partidos precisam cuidar de sobreviver, ainda mais com o progressivo garrote da cláusula de barreira.

Ou seja, a formação de uma frente antibolsonarista depende bastante de as diversas facções terem espaços razoáveis de sobrevivência. Não será trivial.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

 

Espectador privilegiado - William Waack

O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro está sendo carregado pelo jogo político

A julgar pelas nuvens da política do meio da semana, o STF está à beira de uma de suas decisões mais relevantes para a própria política. É gritante a ironia contida no fato de que “nuvens da política” pairem sobre decisões de uma corte que deveria se ocupar sobretudo dos grandes temas constitucionais, mas na permanente crise brasileira o Supremo tornou-se (voluntária ou involuntariamente) um relevantíssimo ator político com cálculos idem.

O cálculo político que as nuvens do meio da semana indicavam dentro do Supremo é o de lavar as mãos no caso da sucessão na presidência das casas legislativas. Em outras palavras, deixar para os próprios parlamentares decidirem se os atuais presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado podem pleitear permanecer onde estão a partir do ano que vem. “Politicamente, é a solução mais elegante”, diz um envolvido diretamente na decisão.

Recorre-se também à história, argumentando que uma questão regimental do Congresso (a proibição de reeleição dentro da mesma legislatura) foi parar na Constituição ainda durante o regime militar como casuísmo para inibir a consolidação de lideranças parlamentares que pudessem causar dificuldades à ditadura. Portanto, nada mais adequado do que se reparar esse “erro histórico” e deixar que uma questão regimental do Congresso seja decidida pelo próprio.

As consequências jurídicas de uma provável decisão do Supremo de deixar os parlamentares decidirem vão das mais óbvias (“afinal, o que a Constituição diz vale ou não vale?”) às mais nebulosas (“abre-se o precedente para reeleições sem limites também no Executivo?”). Mas no cálculo político (sim, político) de integrantes do STF está explícita a noção de que vale a pena assumir o inevitável ônus da acusação de oportunismo (afinal, o STF estaria agindo para prejudicar ou ajudar o governo?) em troca de se desfazer o atual estado de paralisia.

Sim, pois o que impede em boa parte a tramitação de matérias de imensa relevância para a recuperação do País (fiscal e econômica, que vem a ser a mesma coisa) é a disputa pela sucessão nas casas do Congresso – e o que trava ainda mais essa disputa é o fato do Executivo não ter uma articulação política (em sentido amplo) digna desse nome. A “esperteza” política dos senhores juízes não está apenas em deixar os parlamentares decidirem por si mesmos mas, também, em explicitar que esse é um problema que o Planalto deveria estar tratando. [O Planalto tratar das eleições da Câmara e do Senado? apesar de ser assunto para políticos e o Poder Executivo é político,  o atual Supremo está mais preparado para cuidar dessa política - o Poder Executivo dar palpites seria intromissão em outro Poder, o Supremo será apenas uma moderação.

Presidente Bolsonaro sua competência política recomenda que não se meta,mesmo que a mão, nessa cumbuca.]

No nosso sistema de governo – que opõe a uma figura forte no Planalto um Legislativo com imensas prerrogativas – não é possível a qualquer chefe do Executivo permanecer alheio à sucessão na Camara e no Senado. O exemplo mais extremo é o que aconteceu a Dilma no embate com Eduardo Cunha. No caso de Jair Bolsonaro, porém, a questão é identificar o que ele exatamente pretende, ou até mesmo se sabe o que lhe convém.

Pois o tal do Centrão, ao qual o homem da “nova política” se abraçou, está longe de ser essa figura monolítica do imaginário popular. É um conjunto de partidos e forças políticas que são a expressão acabada das tais “nuvens políticas” – as que estão de um jeito pela manhã e de outro poucas horas depois. E as tais nuvens saídas das eleições municipais dão força a partidos tradicionais como o DEM (formalmente o dono das duas casas legislativas).

A briga dentro desse maleável “centro” o Executivo não controla e nela tem poucas condições de interferir – exatamente o preço que está pagando por ter renunciado de saída a dispor de uma base parlamentar sólida e razoavelmente coordenada, além de ter desprezado a articulação política para além da confecção de planilhas com pedidos individuais de deputados. Jair Bolsonaro acabou ficando na posição de espectador privilegiado, tentando adivinhar quais desfechos da ópera eventualmente lhe serão favoráveis.

Mas música e libreto são por conta de outros.

William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo  


 

Com Covid, sem recuperação econômica - Carlos Alberto Sardenberg

Há uma coincidência na montagem de cenários econômicos: o ponto de partida é sempre a vacina.

O presidente do Federal Reserve, Jerome Powel, disse isso; a OCDE foi na mesma toada; e os mercados reagem na mesma direção. Quanto mais cedo tivermos a vacina, mais rápida será a recuperação econômica.  É o óbvio, não? Todo mundo vacinado, toda a atividade econômica pode ser retomada sem medo.

Assim, qual deveria ser o esforço dos governos com um mínimo de bom senso? Ir atrás das vacinas, fazer contratos antecipados com as farmacêuticas, montar os sistemas de vacinação, o que inclui compra de material (seringas, agulhas) e preparar os técnicos. Saiu a primeira vacina aqui do nosso lado, a da Pfizer, já aprovada na Inglaterra e em vias de aprovação nos Estados Unidos e na União Europeia. Na Inglaterra, a vacinação começa nestes dias. Nos outros, entre o final de dezembro e início de janeiro.

E o governo brasileiro?

Explicou que não vai dar. Que a vacina tem que ser guardada a 70 graus negativos e que não temos equipamentos para isso.
Fomos verificar – e o que encontramos?
Ok, o SUS não tem.

Mas hospitais e laboratórios privados têm. O Fleury, por exemplo, tem, como disse à CBN o infectologista Celso Granato, diretor clínico do laboratório. Disse mais: que a instituição poderia ser utilizada pelo pelo SUS para armazenar as vacinas.
Perguntamos: o governo fez algum contato?
Resposta: não.

Acrescentou o dr. Granato: a vacina da Pfizer vem numa embalagem que dura seis dias. Depois de aberta, ainda há mais cinco ou seis dias de validade para ser aplicada.
 
[os governos dos países citados tem total autonomia para decidir de quem comprar. Já no Brasil, tem uns partidecos que possuem o poder de judicializar qualquer questão - por enquanto, a única vacina disponível em alguns dias,  precisa ser armazenada a -70ºC e o Brasil com suas dimensões continentais não pode estocar todas as vacinas em um único local. É necessário que haja  pontos  pontos de distribuição no atacado, que distribuirão para os do varejo até chegar aos pontos de aplicação. 
Nesta fase as vacinas armazenadas a setenta graus negativos. para pontos de distribuição tipo no varejo até chegar aos locais de aplicação.
Quantos locais de armazenagem o Fleury tem? e como será o transporte destes locais para os estados e destes para os municípios?
E os equipamentos de refrigeração a - 70º? Quantos estão prontos a entrar em  operação?  Ainda que houvesse estoque para suprir a demanda, basta um anúncio dos chineses que a vacina deles está disponível, para que um ou dois  partidecos ingressem no Supremo e apontem o óbvio: a vacina chinesa é mais barata e o ministro da vacina, Ricardo Lewandowski  (por prevenção) determine para comprar a chinesa e trava tudo.]

E ainda: há no mercado mundial fabricantes que podem entregar esses freezers que vão a 70 graus negativos.
O governo Bolsonaro fez contato nessa direção? Também não. [caso o governo do presidente Bolsonaro tomasse qualquer iniciativa de se preparar para comprar o produto da Pfizer, imediatamente o Supremo seria acionado - sanemos por quem - que as medidas adotadas estavam priorizando comprar a vacina da Pfizer.
No Brasil tudo é judicializado e na maior parte das vezes os que questionam o Poder Executivo, na maior parte das vezes apenas para travar, ganham a questão.]
Falei com dirigentes de outras instituições privadas, alguns dos quais estão em conversa com a Pfizer. O que disseram? Que a farmacêutica reluta em vender as vacinas para instituições privadas de um país sem que as venda também para o setor público ou que haja um acordo com os governos.

Trata-se de uma questão de ética, responsabilidade e, claro, de receio de perder prestígio. Quer dizer que a vacina vai para os ricos que podem pagar e não para o povão?
Por outro lado, é certo que a complexidade da operação com a vacina da Pfizer a torna limitada. Seria limitada aos grandes centros, onde existem os equipamentos, e aplicadas no pessoal da saúde e nos grupos de risco, por exemplo. Mas já resolveria parte do problema, não é mesmo?

Se o governo estivesse, ao mesmo tempo, empenhado na aquisição de outras vacinas, seria um bom ponto de partida. E não temos isso.
Os dirigentes de instituições privadas estão falando com a Pfizer. O governo não, nem com a farmacêutica, nem com as instituições privadas que poderiam ser parceiras no processo.
Como ocorreu, aliás, nos testes. Instituições privadas foram credenciadas para aplicá-los.

Mas agora é mais complexo. Para correr atrás das vacinas, o governo Bolsonaro precisaria entender que a vacina é a condição para a retomada econômica. Como sempre pensou errado – tratar da doença ou da economia – o país vai ficar, neste momento, com os dois piores resultados: com a Covid e sem a recuperação.
O governo Bolsonaro tem uma aposta: a vacina da Oxford/Aztrazeneca, em colaboração com a Fiocruz. Depois de muito questionado, o Ministério da Saúde apresentou um esboço de plano de vacinação e informou que espera receber 15 milhões de doses em fevereiro. E mais 85 milhões ao longo do ano, até que a Fiocruz comece a produzir.

E as seringas? Fabricantes do setor e fornecedores nacionais disseram que a última conversa com o governo federal foi em setembro último. E ficou nisso: só uma conversa. E o governo federal não fala nada da coronavac, a vacina da farmacêutica chinesa Sinovac que está sendo desenvolvida em colaboração com o Instituto Butantã. Ok, a China é uma ditadura, sem imprensa livre. Mas os estudos e testes da coronavac são internacionais. E o Butantã é ficha limpa.
Assim, está perto de acontecer o que antecipamos: vacina chegando nos outros países, disponível no Estado de São Paulo, e os brasileiros sem o acesso.
 
 
Coluna publicada em O Globo - Economia 3 de dezembro de 2020
 

Uma lei autoritária – O Estado de S. Paulo

Opinião

A nova lei de segurança da França viola direitos fundamentais de forma inaudita

A sociedade francesa está com medo de uma nova onda de ataques terroristas, medo da violência policial contra negros e imigrantes, medo de perder direitos que são a essência da república, ora sob ameaça sem precedentes. É bastante significativo que as multidões que ocupam as ruas de Paris e de outras cidades da França há dias gritem o tempo todo o lema nacional francês: “Liberdade! Igualdade! Fraternidade!”.

[Animador e promissor o fato de que países considerados modelos  de democracia - Alemanha e França - começam a reconhecer que ou se combate os abusos cometidos em nome das liberdades civis ou teremos o CAOS.

Esperamos que esses bons ventos soprem também no Brasil e as polícias e demais agentes de segurança possam trabalhar na contenção dos distúrbios que ocorrem por qualquer coisa e na maioria das vezes sem motivação que possa ser considerada.

A ORDEM e PROGRESSO  da Bandeira Nacional precisam se tornar realidades e com bagunças por razões menores  continuarão sendo apenas uma frase. E os que teimam em zombar das normas, invocando razões ridículas ou mesmo vazias para não cumpri-las, tem que ser obrigados e cumprir e punidos com rigor pela omissão e cabe às autoridades da segurança pública, nos seus mais diversos níveis, enquadrá-los com o uso da força necessária.]

Foi assim na tarde do sábado passado, quando milhares de manifestantes se reuniram no entorno da Torre Eiffel para mais um dia de protestos contra a brutal agressão a Michel Zecler, um produtor musical negro surrado com cassetetes por três policiais brancos, no dia 21 passado. Zecler correu da polícia por não estar usando a máscara de proteção contra a covid-19, o que está sujeito à multa em Paris.

Os manifestantes também protestavam contra uma lei recentemente aprovada pela Assembleia Nacional que, sob pretexto de combater a escalada de ataques terroristas na França, põe em risco a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa no país, além de favorecer que policiais como os que agrediram brutalmente Zecler não sejam punidos.

Três pontos da chamada Lei de Segurança Global, que ainda precisa passar pelo Senado, representam risco concreto às liberdades civis na França. Um deles autoriza a prisão por um anoalém da aplicação de uma multa de 45 mil euros (R$ 287,7 mil) – de qualquer cidadão que divulgue de forma “mal-intencionada” imagens de policiais em ação. O que haverá de caracterizar a “má intenção”? Não se sabe. Trata-se, pois, de uma lacuna inconcebível em um Estado Democrático de Direito.

Isso significa que, caso o Senado aprove a Lei de Segurança Global sem alterações, todas as forças de segurança da França terão enorme margem para decidir quando imagens da atuação de seus agentes vieram a público de forma “mal-intencionada” e quando essa divulgação causou “prejuízos mentais” aos agentes. Temendo a prisão e a aplicação de tão vultosa multa, é lícito inferir que muitos cidadãos, incluindo os jornalistas, passarão a ter receio de filmar e expor as ações violentas da polícia francesa. E é sabido que muitos casos passariam ao largo do conhecimento público – e, portanto, da punição – não fossem as filmagens das câmeras de TV e dos celulares.

Ora, não será impedindo que a sociedade tome conhecimento dos casos de violência policial que essa chaga, longe de ser um problema restrito à França, será superada. Decerto não será por meio do acobertamento dos agentes que abusam do monopólio do emprego da violência que os casos de agressão policial vão diminuir.

De acordo com a Lei de Segurança Global, a polícia também pode usar imagens de câmeras de segurança sem autorização judicial e empregar drones com tecnologia de reconhecimento facial para monitorar a participação dos cidadãos em manifestações públicas. “(A Lei de Segurança Global) é a reversão de nosso modelo social a um que poderíamos nomear, sem exageros, de Estado policial”, disse ao jornal The Washington Post o advogado Vincent Brengarth, autoridade em Direito Penal e liberdades civis da república francesa.

O teor autoritário da nova lei não passou despercebido por órgãos ligados à defesa dos direitos humanos. Em nota, a Comissão Consultiva Nacional de Direitos Humanos afirmou que “nenhuma das instituições encarregadas da defesa dos direitos fundamentais da França foi consultada” sobre o texto. Por sua vez, o Conselho de Direitos Humanos da ONU também criticou a lei francesa por conter “violações significativas dos direitos humanos e das liberdades fundamentais”.

De 2012 para cá, houve 250 mortes causadas por ataques terroristas na França. Dia após dia, sucedem-se os casos de violência policial. Não se pode minimizar a gravidade desses problemas, que merecem a devida resposta do Estado. Mas essa resposta não pode ser uma violência em si mesma, isto é, não pode colocar em risco direitos e liberdades fundamentais quando a sociedade não se mostra disposta a abrir mão deles.

Recomendamos ler: aqui 

 

 Opinião - O Estado de S. Paulo


Resistir à tentação da política e preservar a estabilidade da Constituição - Folha de S. Paulo

Fernando Schüler

Carta não deve ser ajustada ao sabor de eventuais maiorias

A Constituição é clara ao fixar os mandatos das Mesas do Congresso em dois anos e estabelecer que é “vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. É sempre possível à criatividade humana desafiar o sentido das palavras. E um risco quando se trata do direito e da Constituição, onde levar a sério as palavras significa levar direitos a sério.

É o tema neste episódio da sucessão de Maia e Alcolumbre no Congresso. Para além de juízos de maioria ou minoria, a Constituição consagrou o valor da alternância de poder. O reconhecimento de que não faz bem ao país a tentação do uso da máquina do próprio Parlamento para a preservação do poder. Neste episódio, porém, há algo mais em jogo: a própria ideia de que o que está escrito na Constituição não é uma banalidade passível de interpretação a gosto de uma eventual maioria na Câmara ou no Senado.

A tese simples e essencial de que não é a “autonomia dos Poderes” que disciplina o uso da Constituição, mas a Constituição que disciplina o funcionamento dos Poderes. Tese que põe por terra o argumento sem nexo, que se escuta por aí, segundo o qual fixar as próprias regras de sucessão é um problema interna corporis do Congresso.

Não é. A regra já foi dada pela Constituição. A Carta que deve funcionar, como diz meu conterrâneo Lênio Streck, como um “remédio contra as maiorias” e a “voz das ruas”. [cabe, por se tratar do Brasil, regido por um 'estado democrático de direito' controlado por minorias barulhentas, que o remédio também seja contra tais minorias, especialmente impedindo interpretações criativas da Carta, que buscam satisfazer os maiores absurdos propostos pelas minorias. No Brasil, qualquer um que se disser excluído, favorável à diversidade, terá uma interpretação criativa da Constituição Federal a apoiá-lo.] Neste caso, diria, a voz dos corredores do Congresso. Leio coisas ainda mais estranhas, como a ideia de que ministros do Supremo avaliem como positivo o atual “arranjo político” e a contenção do Executivo feita por Maia e Alcolumbre. E que seria uma boa ideia manter os atuais presidentes. Não faz sentido que integrantes da Suprema Corte façam este tipo de juízo quando se trata de garantir o que está escrito na Constituição.

É certo que o avanço dos tribunais sobre o Parlamento já vai longe. Em dezembro de 2019, o Supremo promoveu um debate com líderes partidários sobre a possibilidade das candidaturas independentes. O tema continua na pauta do STF. À época, o ministro Barroso dizia que era preciso entender se o Supremo tem caminhos para decidir sobre o assunto”, ou se isso caberia ao Parlamento. O dado singelo é que a Constituição diz que a filiação partidária é “condição de elegibilidade” e, ao menos até onde se saiba, cabe ao Congresso (e em alguns casos nem mesmo ao Congresso) mudar a Constituição.

Caso notório foi o tratamento que o Supremo deu a dois elementos centrais do pacote anticrime aprovado em 2019 pelo Congresso. O primeiro foi o devido ajuste feito na exigência de revisão de prisões preventivas a cada 90 dias. Havia um clamor popular, e o STF decidiu que a regra aprovada no Congresso não era bem assim. Quanto ao juiz das garantias, foi simplesmente suspenso em decisão monocrática. [os dois elementos mostram claramente que se o Congresso Nacional aprova uma lei, uma PEC ou outra norma, e esta não agrada ao Supremo ou se suspende a vigência da norma - o motivo alegado é apenas um detalhe - ouse faz uma interpretação em cima de uma redação virtual.

Até hoje a suspensão em decisão monocrática do mandato de Eduardo Cunha, sem previsão em nenhuma lei, apenas para ejetá-lo da presidência da Câmara dos Deputados clama por uma explicação.]

O caso mais banal talvez tenha sido a reintrodução pura e simples da censura prévia na vida brasileira. Dado que feita contra os “indesejáveis”, pouca gente chiou. O tema mereceu o curioso argumento de um ministro do STF segundo o qual se tratava de uma “curadoria”. Proibir alguém de usar o Facebook não significava ferir sua liberdade de expressão, visto que ele poderia seguir falando o que quisesse, imagino que gritando pelas ruas ou via sinais de fumaça.

Sob certo aspecto, trata-se de um tema sem solução. Como bem disse o ministro Fux em seu discurso de posse, o próprio mundo político usa o STF para lidar com seus desacordos. E as pessoas tendem a reclamar do ativismo judicial apenas quando a coisa mexe em seus interesses ou paixões do momento.

A pergunta é se o próprio Supremo não vem criando incentivos para que o mundo político o tome como instância moderadora. [o próprio presidente do STF fez uma interpretação, via discurso, do artigo 142 da CF. Interpretação que fortaleceu o entendimento cogitado na pergunta apresentada e leva a uma 'adaptação', via interpretação daquele dispositivo constitucional.] A judicialização e a interferência crescentes, para a qual não há outro remédio que a autocontenção. No fundo, a renúncia à tentação da política em nome da guarda e da estabilidade da Constituição em meio ao vaivém das maiorias e urgências cotidianas da democracia.

Este episódio da sucessão no comando do Congresso será um bom teste neste sentido.

Leia mais, clicando aqui ou aqui

FernandoSchülerprofessor - Folha de S. Paulo

 

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

O ousado plano de Macron para acabar com a dependência da soja do Brasil

Com pacote de 100 milhões de euros, país vai aumentar cultivo de leguminosas em 40% em apenas três anos, para driblar 'desmatamento importado'

O Brasil é o maior produtor de soja do mundo, exportando o grão para 50 países diferentes na Ásia, África e Europa. No ano passado, a atividade rendeu mais de 30 bilhões de dólares. Contudo, em meio a crescentes críticas à ligação do plantio com o desmatamento, o presidente Emmanuel Macron, da França, foi o primeiro a bater o martelo: prometeu à sua nação a independência da soja brasileira.
 
 “Emmanuel Macron prometeu muito, mas não fez nada”, tuitou Jean-François Julliard, diretor do Greenpeace França.
[e vai continuar tuitando; o plano do francês é ousado e INEXEQUÍVEL.  Uma leitura rápida já mostra que a pretendida independência depende do plantio e este continua na moda antiga = precisa de terra. Plantio real para produção real, não vale pretender adotar experiências de laboratório para a terra real.
E terra é exatamente o que falta aos franceses na área pretendida = dobrar em dez anos a área cultivada - alcançando os dois milhões de hectares = e em três anos aumentar em 40% as áreas destinadas ao cultivo de plantas ricas em proteínas.
 
Não tem tanta terra sobrando, restando ao presidente francês: 
- desocupar alguns milhares de moradias obtendo a terra pretendida =  onde alocar os removidos é apenas um detalhe;
- outra fonte de terra é substituir parte do atualmente plantado por soja - onde cultivar o  substituído é outra pergunta chata;
- ou plantar em solo brasileiro = o francês propôs internacionalizar a nossa Amazônia. 
Resolvido as bobagens alocadas o plano do Macron já pode ser considerado ousado - some o inexequível e se aguarda resultados.]
  
Nesta terça-feira, 1, o governo e o setor agrícola francês se comprometeram a aumentar em 40% as áreas destinadas ao cultivo de plantas ricas em proteínas em apenas três anos. Isso equivale a 400.000 hectares extras de terra para cultivo até 2023.

O ministro da Agricultura, Julien Denormandie, afirmou ainda que essa é uma etapa “intermediária”: em dez anos, o governo promete dobrar a área cultivada, chegando a 2 milhões de hectares dedicados ao cultivo de oleaginosas e leguminosas em 2030. [a França não tem tanta terra para ser liberada para cultivo da soja, ou será que o Julien está contando já com a terra da Amazônia internacionalizada?]

Os produtores franceses assinaram uma “carta de compromisso”, prometendo respeitar a meta em troca de ajuda financeira, no valor de 100 milhões de euros (quase 630 milhões de reais) durante dois anos, para incentivar o cultivo e a pesquisa de proteaginosas. Segundo Denormandie, a empreitada tem como objetivo a garantia da “soberania agroalimentar” e o fim da importação de soja ligada ao desmatamento. Atualmente, metade das proteínas vegetais para ração animal utilizadas na França é proveniente de importações e o país é o maior importador de farelo de soja brasileiro na União Europeia: das 2,2 milhões de toneladas que atravessaram suas fronteiras no último ano, mais de 88% veio do Brasil.

Ecologicamente correto
Em setembro, a França se opôs veementemente ao acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul devido ao desmatamento na região amazônica. Além disso, o país se comprometeu em 2018 a zerar sua participação no desmatamento ligado à importação de produtos agrícolas não sustentáveis até 2030.
O “plano de proteína vegetal” – esperado há dois anos, quando Macron anunciou que iria “trazer um ambicioso plano de proteínas para o continente europeu– também prevê um orçamento de 3 milhões de euros (19 milhões de reais) para incentivar o consumo de leguminosas pela população (especialmente as crianças).

Grande parte de sua presidência depende da conciliação entre meio ambiente e economia. Desde sua posse em 2017, o líder francês luta para adotar políticas mais ecologicamente corretas, sob pressão de grupos de proteção ambiental e parte da sociedade. Contudo, foi um imposto sobre emissões de CO2 que inflamou os protestos dos Coletes Amarelos em 2018, que quase abateram seu governo.

Em agosto e novembro, ativistas do Greenpeace protestaram em Paris para denunciar a “inação” e o “silêncio” do governo a respeito dos incêndios na Amazônia, provocados para que a terra seja usada para pecuária e agricultura. Macron já havia admitido que o país era “em parte cúmplice” do chamado “desmatamento importado”. O desmatamento na floresta amazônica do Brasil teve o maior crescimento em 12 anos, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A área afetada aumentou cerca de 9,5% de agosto de 2019 a julho de 2020 em comparação com o período anterior, de 2018 a 2019.

Mundo - Veja - Por Amanda Péchy