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sexta-feira, 21 de julho de 2023

MP faz acordo com homem que filmou partes íntimas de jovem em shopping; 'Minha dignidade vale R$5 mil', diz vítima - O Globo

Jovem teve suas partes íntimas filmadas enquanto caminhava pelos corredores de um shopping center na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio Reprodução
 
Rian Gomes Dantas, que foi preso em flagrante por filmar partes íntimas de uma mulher em um shopping na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, no início do mês passado, fez um acordo de não persecução penal com o Ministério Público do Rio de Janeiro nesta quarta-feira.  
Com a decisão, Rian não é processado e fica com a ficha limpa. 
A vítima de 24 anos que flagrou Rian fazendo a gravação enquanto caminhava pelos corredores do estabelecimento diz que está frustrada com a conclusão do caso e diz que os traumas daquele dia continuam em sua vida. — Estou me sentindo muito frustrada, parece que minha dignidade vale R$ 5 mil. Fico com aquele medo de que "eles podem fazer o que quiser com a gente, e não vai dar em nada". Porque o que ele fez foi apagado da ficha de antecedentes, mas da minha vida não, o trauma continua — desabafa ela.

Nas cláusulas do acordo, foi definido que Rian deve pagar R$ 5.280 para a vítima como reparação pelos danos morais. Ele também perdeu a câmera que usou na filmagem e foi apreendida no flagrante.

Além disso, ele ficou proibido de se aproximar da vítima ou fazer qualquer tipo de comunicação com ela durante dois anos, sob pena de responder por crime de desobediência e responsabilidade civil. A decisão ainda será homologada pelo juízo da 17ª Vara Criminal da Capital.

Relembre o caso
A jovem, que prefere não ser identificada, estava a caminho da bilheteria do cinema no dia 3 de junho, quando o namorado, que a acompanhava, percebeu que eles estavam sendo seguidos
O jovem notou que o homem, em atitude suspeita, mantinha uma das mãos no bolso de um casaco e decidiu abordá-lo. 
Nesse momento, a câmera que o suspeito carregava caiu no chão. Imediatamente o casal pediu ajuda aos seguranças do shopping, que aconselharam chamar a Polícia Militar. 
Toda a ação foi filmada pela câmera do próprio suspeito.

Segundo ela, Rian filmou mais de dez mulheres na mesma situação. Ela teve acesso à câmera utilizada pelo homem no momento do flagrante.— Só o meu vídeo tinha oito minutos. Ele me perseguiu durante todo esse tempo me filmando de forma humilhante. E conforme passei para o lado, eu vi os outros vídeos. Havia várias outras mulheres na mesma situação — contou a jovem na época.

Rian Gomes Dantas, dono de uma empresa de produção de vídeos, foi preso em flagrante por crime de importunação sexual. Ele foi liberado em audiência de custódia dois dias depois por ser réu primário e exercer trabalho lícito. [um comentário: REPROVAMOS o comportamento do Rian - apesar do que se depreende da matéria não resultar em dano direto a vítima, já que não possibilita sua identificação, não oferecendo, ao nosso ver, nenhum risco de violação da sua intimidade, que estava exposta a quem olhasse, sem necessidade de nenhum ato do eventual  'observador' - e entendemos que ele deveria ser punido com pensa privativa de liberdade e dentro do rigor das leis.
Só que o MP, detentor do direito da ação penal, fez um acordo, que sendo aprovado pela Justiça encerra o assunto no âmbito penal.
O que nos motiva a comentar, até com indignação, é que considerando o narrado na matéria transcrita, a jovem não está preocupada, insatisfeita com o fato do criminoso ser liberado na audiência de custódia, na prática foi absolvido. 
O que nos parece claro é que a vítima apenas achou pouco o valor da reparação por danos morais = em suma, sua dignidade está a venda, ela apenas achou pouco o valor. 
A vítima deveria estar protestando era contra a não punição do réu com pena privativa de liberdade, entendemos que dignidade não tem preço e só cadeia pune atos da natureza do sob comento.]

 Rio - Jornal O Globo

 

sexta-feira, 17 de março de 2023

Woke, ainda mais autoritário do que o "politicamente correto”. - Valterlucio Bessa Campelo

        Está em plena evolução na última década, a partir dos EUA (sempre de lá), uma perspectiva que responde pela gíria Woke, que surgiu como sinônimo de “consciente”. 
Inicialmente aplicada à questão racial e à homofobia. 
O “Wokismo” como muitos o denominam, avançou para engolir “o politicamente correto” e se estabelecer como nova expressão de uma geração que se pretende justa, fraterna e igualitária (aonde já vimos isso?) com a superação de conceitos de certo e errado, de bom e mau, de pátria, de família, de religião, de propriedade etc.

Se o “politicamente correto” já enchia o saco de qualquer um com seu olhar inquisitório sobre cada palavra dita ou comportamento observado, firmando normas para a comunicação, o Wokismo se aprofunda como campo de luta ideológica contra o racismo, homofobia, machismo, ambientalismo, veganismo e todas as formas de discriminação reais ou imaginárias. No fundo se pretende instaurar como movimento de uma geração pós-2000 que luta pela justiça social e igualdade, a chave semântica que abre todas as mentes incautas, especialmente da juventude da facul. A diferença marcante é que, enquanto o primeiro era algo mais cosmético, que transitava entre a conveniência ou não de determinados termos ou comportamentos em certas condições, o Wokismo quer mesmo se estabelecer como movimento social protagonista do século XXI, colorindo e atualizando o velho socialismo.

Entre os planos que presidem o Wokismo está o de revolução moral e de costumes, abraçando todas as causas do presente e futuro condizentes com uma visão de mundo igualitária e progressista ao seu modo. 
A geração Woke, segundo seus acólitos, quer estabelecer uma espécie de novo guia da humanidade, fixando caminhos para os quais arrastam a todos. 
E há quem ceda facilmente à nova “religião”, sem freios lógicos, sem reflexão, sem personalidade, apenas seguindo uma onda que parece moderna, atual, como fez a loirinha no voo que virou meme em que estava o Deputado. Falou sozinha contra 200 passageiros. Entre os políticos aderentes, há o medo de não ser aceito, especialmente em temas sociais.
 
Essa introdução é para colocar em discussão o recente discurso do deputado federal, o jovem Nikolas Ferreira, mineiro campeão de votos que, em plena tribuna discursou em defesa das mulheres, no dia da mulher, usando, entretanto, para chamar a atenção, uma peruca loira emoldurando uma caricatura da ideologia de gênero que também faz parte do Wokismo antes referido. 
O mundo lhe caiu sobre a cabeça, levando-o a defender-se da forma mais óbvia possível, mas, como se trata de um dos inúmeros calcanhares Wokes, há até quem lhe queira cassar o mandato (mais de 1,5 milhões de votos). A mais estridente, a deputada Tábata Amaral, gerada no laboratório político financiado por banqueiros tipo Jorge Lemann, Armínio Fraga, Candido Bracher e uma penca de grandes empresários, quer a sua cabeça na comissão de ética. O motivo alegado é uma falsa "transfobia”, o real é político.

O ponto do Deputado Nikolas Ferreira é o seguinte: como pode comemorar e se dizer em defesa da mulher, quem advoga o direito de que um ser biologicamente nascido homem, crescido como tal, formado fisicamente como tal, possa, por decisão pessoal, se dar como mulher e, a partir daí, passar a frequentar livremente competições contra mulheres biológicas. Refere-se ele a competições em que o resultado é decorrente da força física, esta determinada, logicamente por diferenças hormonais e fisiológicas. Em síntese: os homens transformados em mulheres (mulheres trans), estão tomando das mulheres, na cara dura, os lugares no pódio em seus esportes e, com eles, patrocínios, publicidade, grana. Simples, obvio, ululante.

Sobre isso, ninguém melhor que Ana Paula Henkel , ex-campeã brasileira de vôlei expõe os motivos pelos quais essa parte do Wokismo é uma fraude evidente. É claro que nessas horas surgem “especialistas” de bancada para defenderem cinicamente que se trata de política inclusiva. É mesmo? 
Por que será que enquanto competia entre homens, William Thomas em sua melhor performance ficou em 18º lugar em uma universidade americana e, depois do tratamento hormonal através do qual se afirmou a mulher Lia Thomas, também na foto acima, virou recordista entre mulheres, mas o contrário (homem trans recordista) nunca acontece? Inclusão pela exclusão de semelhantes? 
 
Existem dezenas de casos, nas lutas, por exemplo, em que mulheres biológicas são literalmente surradas por ex-homens, digo, mulheres trans. Alana McLauglin, que antes pertencia às Forças Especiais do Exército Americano, mas achou melhor assumir a mulher que vivia nele, tomar hormônios, pintar o cabelo de roxo, raspar a barba, espancar outras mulheres e ganhar lutas seguidas.

Aproveito para dizer que em minha opinião pessoal, o sujeito adulto pode fazer do seu corpo o que quiser, ter a profissão que quiser, olhar no espelho e ver o que quiser, olhar pra dentro de si mesmo e ver o que quiser, agir como quiser, se divertir no parquinho que quiser. Quem acompanha esta coluna sabe quanto defendo a liberdade. Simplesmente não é da minha conta e seria intrusão ilegítima se, por acaso, me metesse a julgar quem quer que seja.

No fundo, não é de uma transfobia fantasiosa que estão acusando o jovem Deputado. Elas sabem. Na esteira do Wokismo de Tábata Amaral, que além do mais vê no Nikolas Ferreira um fenômeno político adversário a ser derrubado para que se viabilize seu projeto político, o que estão tentando defender é que a fluidez de gênero deva ser aceita nos esportes sem possibilidade de contestação, desprezando a biologia e adequando os campeonatos com restrições e regulamentos de dosagens hormonais, escala e tempo até que o errado caiba no certo. Wokes utilizam-se da elasticidade de conceitos para igualar desiguais. Um estudo científico publicado na Revista Mineira de Educação Física, (Universidade Federal de Viçosa) já no resumo declara em 2015 que:

“As diferenças relativas ao sexo no desempenho físico são explicadas, principalmente, pelas diferenças nas características fisiológicas e morfofuncionais de homens e mulheres. As respostas neuromusculares, metabólicas e morfológicas entre homens e mulheres refletem a ação de hormônios característicos. Um aspecto relacionado ao esforço físico em que são notadas diferenças entre os sexos diz respeito à instalação do quadro de fadiga. Estudos têm demonstrado que a fadiga da musculatura periférica em função do exercício é maior nas mulheres do que nos homens, o que resulta em menor rendimento delas em tarefas físicas. Em relação à força muscular absoluta, a da mulher média é 63,5% da força do homem. A força muscular da parte superior do corpo das mulheres é de 55,8% da força dos homens enquanto a da parte inferior é de 71,9%. Já em relação à capacidade aeróbia, a diferença em valores absolutos no consumo máximo de oxigênio é de aproximadamente 30%. Resultados relativos à capacidade anaeróbica e potência anaeróbica apresentam os mesmos resultados que nos correspondentes aeróbicos. Como conclusão, fica clara a desvantagem do sexo feminino em relação ao masculino para todas as valências físicas, com exceção da flexibilidade.”

Aqui também se pode ver conclusões semelhantes. Não parece simples, evidente? Para o leitor sim, mas não para o Wokismo tirânico e suas caronas que insistem em dobrar a ciência ao ponto de homem ser fisicamente mulher e vice-versa, sem mais nem menos. Felizmente, creio, essa tolice contra o deputado dará alguns holofotes, mas não avançará, afinal ainda há um mínimo de liberdade de expressão na Câmara dos Deputados. No máximo, servirá de teste para sabermos que o Wokismo já se encrusta no parlamento, seja por militância consciente e objetiva (deputada Tábata Amaral), seja por conveniência, e que precisamos conhecer a verdade dos fatos antes de sair macaqueando celebridades. Sugiro ao leitor que não se deu conta da obviedade do contrassenso, dar uma vista nos sites, pesquisas e estudos que tratam do tema, se for mulher a ler este breve texto, saiba que há um movimento crescente contrário a essa injustiça, ou seja, o Wokismo não está sozinho no ringue, embora tenha alguns torcedores na plateia.

Site - Valterlucio Bessa Campelo


domingo, 21 de novembro de 2021

Absolvição de jovem que matou manifestantes causa revolta nos EUA

Kyle Rittenhouse foi inocentado após matar dois em ato antirracista em Kenosha, no estado de Wisconsin, em agosto de 2020

A absolvição de Kyle Rittenhouse, jovem branco de 18 anos que matou dois manifestantes em um ato antirracista em 2020, causou revolta em todos os Estados Unidos. Protestos foram registrados nas cidades de Portland, Nova York, Chicago, Los Angeles e Washington e o próprio presidente Joe Biden admitiu ter ficado com raiva diante da sentença.

[A decisão do júri ao absolver  Kyle Rittenhouse foi justa. O jovem no dia do incidente, estava em atitude pacífica [demonstrada quando  ao cruzar com diversos veículos da polícia, colocou seu fuzil à bandoleira e ergueu as mãos. 
Mesmo assim, logo após foi derrubado por baderneiros que em atitude de extrema violência e covardia o derrubaram e  pretendiam, no mínimo, espancá-lo. 
Usou o único recurso disponível: empunhou sua arma e efetuou disparos abatendo dois desordeiros e salvando sua vida - o que foi reconhecido pelo júri.]

Rittenhouse foi absolvido nesta sexta-feira 19 por um júri de acusações que ele enfrentou por matar dois jovens durante protestos contra o racismo em Kenosha, no estado de Wisconsin, em agosto de 2020, quando ele tinha 17 anos de idade. O caso se tornou altamente politizado e fez do réu um símbolo do trumpismo.

Na noite após a confirmação da sentença, centenas de pessoas saíram às ruas de diversas cidades americanas para protestar. Em Portland, capital do Oregon, cerca de 200 manifestantes atiraram pedras contra a polícia e quebraram janelas de estabelecimentos comerciais. Os agentes usaram spray de pimenta para dispersar a multidão.

 

Em Kenosha, cidade palco dos crimes cometidos em 2020, grupos contrários e favoráveis à decisão judicial se enfrentaram nos arredores do fórum onde o caso foi julgado.  Nas redes sociais, os americanos também se dividiram. A maioria dos internautas, porém, mostrou revolta com a sentença, acusando a Justiça de empregar tratamento diferente contra ativistas antirracismo e manifestantes brancos.

Em nota oficial divulgada pela Casa Branca, o presidente Joe Biden também respondeu ao caso. “Embora o veredicto de Kenosha possa causar em muitos americanos, incluindo eu mesmo, sentimentos de raiva e preocupação, devemos levar em conta o que o júri falou”, declarou o presidente.

Com a possibilidade de manifestações relacionadas à sentença, ele pediu para a população “expressar seus pontos de vista pacificamente e de acordo com o Estado de direito”.

“A violência e a destruição de propriedade não têm lugar em nossa democracia”, afirmou Biden, que confirmou ter falado com o governador de Wisconsin, Tony Evers. Após a conversa, o chefe de governo salientou que as autoridades federais e estaduais estão em contato para estarem preparadas para qualquer resposta à decisão da corte.

Biden também garantiu que continua comprometido com seu compromisso de “unir o povo americano”, mesmo ciente de que não pode “curar as feridas do país da noite para o dia”. “Continuo resoluto em minha promessa de fazer tudo o que estiver ao meu alcance para garantir que todo americano seja tratado de forma igual, justa e com dignidade sob a lei”, finalizou.

Mundo - VEJA (Com EFE)


quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

A guerra civil brasileira - Valor Econômico

Cristiano Romero

Mais de 600 mil negros foram assassinados desde 2000 no Brasil

[triste concluir que mesmo sendo o valor da vida de um negro exatamente  igual ao valor da vida de um não-negro, a matéria deixa transparecer que fosse o número de vidas de negros ceifadas  igual ou inferior ao de vidas de não negros os números perderiam destaque, haveria uma igualdade que deixaria satisfeitos os que teimam em apresentar os negros como vítimas de uma desigualdade, de um racismo que não existe.  
Muitas vidas negras foram tiradas por não negros e também por negros; muitos não negros perderam a vida assassinados por não negros e também por negros.] 
Uma das mais lamentáveis e equivocadas tentativas de explicar o fracasso do Brasil é a ideia de que o país não deu certo porque não enfrentou guerras. Trata-se de mistificação concebida a partir da história de países como os Estados Unidos, que, além das batalhas travadas com outras nações para conquistar o território que tem hoje, amargou sangrenta guerra civil entre 1861 e 1865, quando se estima que mais de 600 mil pessoas morreram.

Entre 1979, quando a série começou a ser apurada, e 2018, último dado disponível, 1.583.026 brasileiros foram assassinados, segundo o “Atlas da Violência”, elaborado pelo Ipea. A violência não para de crescer. O número de homicídios tem mudado de patamar a cada dez anos - em 1979, 11.217 pessoas foram assassinadas; em 1990, 32.015; no ano 2000, 45.433; em 2010, 53.016; em 2018, 57.956 perderam suas vidas em decorrência do arbítrio de outrem (e ainda há quem defenda a adoção da pena de morte nestes tristes trópicos).

Alguém notará que o ritmo de crescimento de homicídios está diminuindo. Em 2017, 65.602 cidadãos foram mortos de maneira violenta, a maioria, por arma de fogo (71% dos casos). Portanto, houve queda de 11,7% no número de assassinatos no ano seguinte. O problema, mostra o “Atlas da Violência 2020”, é que não se pode mais confiar cegamente no “termômetro” usado para contabilizar as mortes.

O Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, é a única fonte de dados com abrangência nacional, consistência e confiabilidade metodológica sobre a evolução da violência letal desde 1979. Ocorre que o SIM é alimentado por informações repassadas pelos Estados, e a qualidade desses dados tem caído de forma assombrosa. “Entre 2017 e 2018, o número de MVCI (mortes violentas com causa indeterminada) aumentou 25,6%. A perda de qualidade das informações em alguns estados chega a ser escandalosa, como no caso de São Paulo, que, em 2018, registrou 4.265 MVCI, das quais, 549 pessoas vitimadas por armas de fogo, 168 por instrumentos cortantes e 1.428 por objetos contundentes. Nesse estado, a taxa de MVCI foi de 9,4 por 100 mil habitantes, superior à taxa de homicídios, que foi de 8,2”, diz o último “Atlas da Violência 2020”.

No total, 12.310 brasileiros foram assassinados em 2018, mas as autoridades não sabem quem os matou nem o porquê. Estes são os cidadãos invisíveis cuja existência só interessou a quem lhes tirou a vida. São dispensados nas ruas como se faz com o lixo de casa. Na maioria dos casos, são enterrados como indigentes, sem identidade ou o conhecimento da família. Fazem número na estatística MVCI.

Pesquisa feita em 2013 por Daniel Cerqueira, coordenador do Atlas da Violência, estima que 73,9% das mortes violentas causa indeterminada são, na verdade, homicídios ocultos. Conclusão: o número de assassinatos cometidos neste gigantesco território pode ser até 20% superior ao número informado.

Definitivamente, no Brasil viver não é preciso. De 2008 a 2018, 628.595 brasileiros foram mortos de forma violenta. Do total, 437.976 eram negros (70%), a maioria, jovem e pobre. Enquanto o número de negros vitimados pela violência vem escalando - em 2018, eles foram 75,7% dos casos de homicídio -, o de não negros está cedendo. Entre 2008 e 2018, houve alta de 11,5% no número de negros vítimas de assassinato e declínio, no caso dos não negros, de 15,4%.

Mais uma estatística aterradora: desde o ano 2000, 660.252 negros foram assassinados no Brasil. Não calcule a média anual do período porque, como o número casos está em franca expansão, o percentual encontrado não refletirá a realidade indisfarçável: vivemos num país onde a maioria da população é negra (56%, segundo o IBGE), mas onde também predomina o racismo estrutural, que, como os números mostram, tem aumentado de forma veloz.

Apenas em 2018, os negros (soma de pretos e pardos, conforme classificação do IBGE) representaram 75,7% das vítimas de homicídios - taxa de assassinatos por 100 mil habitantes de 37,8. Comparativamente, entre os não-negros (soma de brancos, amarelos e indígenas), a taxa foi de 13,9, o que significa que para cada indivíduo não-negro morto em 2018, 2,7 negros foram assassinados.

Da mesma forma, as mulheres negras representaram 68% do total das mulheres assassinadas no Brasil, com uma taxa de mortalidade por 100 mil habitantes de 5,2, quase o dobro quando comparada à das mulheres não-negras.

“Este cenário de aprofundamento das desigualdades raciais nos indicadores sociais da violência fica mais evidente quando constatamos que a redução de 12% da taxa de homicídios ocorrida entre 2017 e 2018 se concentrou mais entre a população não negra do que na população negra. Entre não negros a diminuição da taxa de homicídios foi igual a 13,2%, enquanto entre negros foi de 12,2%, isto é, 7,6% menor”, informa o Atlas da Violência.

O Brasil está promovendo há décadas um verdadeiro genocídio, um crime contra a humanidade. A guerra civil americana foi deflagrada porque os produtores rurais do Sul não aceitavam o fim da escravidão dosa negros. No Brasil, a escravidão chegou bem antes e se tornou a principal característica de nossa sociedade. Aqui, a guerra civil nunca acabou.

Valor Econômico

 

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Padre será punido por interromper um crime? - Religioso obteve habeas corpus e impediu o procedimento quando jovem já estava no hospital

Mônica Bergamo

[STF !!! Tem coisa errada! o religioso estava amparado por uma decisão judicial]

STF determina que padre pague R$ 398 mil por ter interrompido aborto legal de uma jovem 

O STF (Supremo Tribunal Federal) confirmou decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que determina que um padre pague R$ 398 mil a um casal de Goiás por ter interrompido um aborto autorizado pela Justiça.

[não se trata de discutir o aborto ser um crime ou não - na nossa opinião é CRIME HEDIONDO, mas não cabe discutir tal aspecto agora.
E sim o de ser um cidadão punido por ter obtido uma autorização judicial -´habeas corpus' - autorizando a interrupção do procedimento.
Registre-se que a mãe não sofreu nenhuma consequência advinda do cumprimento - pelo padre e médicos - de uma ordem judicial.
Estaremos diante de um processo de cristofobia?
Clique aqui e/ou aqui e confira.]

O DIA DA CULPA
Em 2005, uma jovem de 19 anos descobriu que o feto tinha uma síndrome que impedia o desenvolvimento de órgãos como pulmão e tórax. Conseguiu autorização para interromper a gravidez. Mas o religioso obteve habeas corpus e impediu o procedimento quando ela já estava no hospital tomando medicamentos para induzir o aborto.

TEMPO
A jovem foi para casa. Dias depois, deu à luz um feto que morreu em pouco tempo.

Mônica Bergamo, colunista - Folha de S. Paulo - MATÉRIA COMPLETA




terça-feira, 22 de outubro de 2019

Togada e tatuada: a juíza que tirou Marcelo Crivella do sério - VEJA

Por Giovanna Romanno

Mirela Erbisti, do Rio de Janeiro, ostenta desenhos no ombro e no braço, é ativa nas redes sociais e youtuber nas horas vagas



O prefeito Marcelo Crivella criticou sua decisão de interditar a Avenida Niemeyer e citou o fato de a senhora ser tatuada, mulher, jovem e youtuber. O que achou? Sobre esse comentário do prefeito, não tenho nada a dizer. Toda a minha fundamentação técnica sobre o caso da Niemeyer está lançada nas decisões lá proferidas (ela apontou risco de deslizamento, e a via continuava interditada até a última quarta, 16).

A senhora já foi discriminada por ter tatuagens?
Elas não me restringem no meu ambiente de trabalho. Não poderia ser diferente. A Casa da Justiça não é lugar para preconceitos e discriminações. Em 2016, o STF firmou a tese de que os editais de concursos públicos não podem estabelecer restrição a pessoas tatuadas, salvo se a imagem tiver conteúdo que viole valores constitucionais. [a famosa, sempre citada e cada vez mais adequada frase de Rui Barbosa para explicar o supremo entendimento do STF:
"a Suprema Corte é a corte que tem o direito de errar por último".  A mais alta Corte do país reconheceu que a tatuagem é uma autêntica forma de liberdade de manifestação pessoal.

A senhora posta fotos na praia, no Rock in Rio, em festas, praticando esportes. Considera-se fora do estereótipo de um magistrado? 
Estereótipo é outro nome para preconceito. Talvez o estereótipo da figura do juiz ainda seja o daquele senhor sisudo e sedentário sentado atrás de uma pilha de processos. No entanto, temos muitos juízes com atividades e interesses externos que se contrapõem a essa imagem: ciclistas, bateristas, corredores, skatistas, surfistas, ironmen, lutadores de jiu-jítsu. Os tempos são outros.

Por que criou um canal no YouTube?
 A sociedade se renova, o direito se renova, e o juiz não pode ficar vendo pela janela o mundo se transformar. O Justo Eu é um projeto meu e da juíza Tula Mello que visa a assegurar direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a Justiça. Há direitos que não são exercidos pelo simples fato de que não são conhecidos. Abordamos em mais de quarenta aulas temas relevantes como feminicídio, racismo, violência moral, adoção e impunidade.

Qual tem sido a repercussão?
A iniciativa recebeu em 2018 o Prêmio Patrícia Acioli de Direitos Humanos, um dos mais importantes da área do direito, na categoria Trabalhos dos Magistrados, e teve enorme receptividade tanto por parte do público (tem quase 22 000 inscritos) quanto da comunidade jurídica.

Por Giovanna Romanno - VEJA



Publicado  edição nº 2657 de VEJA, de 23 de outubro de 2019


sábado, 9 de junho de 2018

Negro e jovem, o estudante Pedro Paulo Silva está marcado para morrer, segundo as estatísticas

Negro, jovem e com o sobrenome mais frequente no Brasil, o estudante Pedro Paulo Silva está marcado para morrer, de acordo com as estatísticas dos homicídios crescentes 

O estudante universitário Pedro Paulo dos Santos da Silva, de 22 anos, convive com a violência desde a infância. Negro e morador do Jacarezinho, comunidade na Zona Norte do Rio de Janeiro e um dos mais antigos redutos do crime organizado na cidade, ele se lembra de ter deparado com a morte pela primeira vez aos 7 anos, na escola de ensino fundamental. “O Gabriel, um colega poucos anos mais velho que eu, foi morto”, contou.
A morte, os tiros e as armas são parte do cotidiano de grande parcela dos jovens brasileiros. Dados do Atlas da violência 2018, divulgado nesta semana pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostram que os homicídios são a causa de mais da metade das mortes de homens jovens no país. Só em 2016 houve 33.580 jovens de 15 a 29 anos assassinados. Isso representa um dado alarmante: a cada 1.000 brasileiros nessa faixa etária, cerca de três serão mortos antes dos 30 anos.
 Ações policiais na favela do Jacarezinho são constantes. Os moradores convivem com medo de balas perdidas, do tráfico e da polícia (Foto: COELHO/FRAMEPHOTO/AGÊNCIA O GLOBO)

Só quando entrou na faculdade de relações internacionais Silva passou a entender o componente racista da violência que marca seu cotidiano. Isso não significa que ele não desenvolvia estratégias para sobreviver mesmo antes disso. “Desde muito novo aprendi a sempre andar com a carteira de identidade no bolso, até para comprar pão”, exemplificou.
Só na rua onde mora, perto da Quadra do Mosquito, Silva viu dois vizinhos ser assassinados. O Jacarezinho tem cerca de 90 mil moradores.  No Brasil, mais de 70% das vítimas de homicídios são negros. Enquanto para eles a taxa de letalidade subiu 23,1% entre 2006 e 2016 — chegando a 40,2 mortes a cada 100 mil habitantes —, nos demais grupos houve queda de 6,8% nesse índice, que é de 16 mortes a cada 100 mil habitantes.
Quando questionado sobre quantas vezes achou que poderia ser morto, Silva, que hoje trabalha no Observatório da Intervenção, projeto da Universidade Candido Mendes que monitora as ações das Forças Armadas no Rio, ironizou: “Quantas horas você tem para ouvir?”. Mas, ao se lembrar da ameaça mais recente, o bom humor desaparece. [Narrou dias de pânico vividos pelos moradores do Jacarezinho em agosto de 2017. A Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), grupo de elite da Polícia Civil, fez operações na favela por sete dias seguidos. Três pessoas foram mortas. Entre elas estava o verdureiro Sebastião Sabino da Silva, de 46 anos, de quem o estudante costumava comprar frutas e verduras cotidianamente. Após as ações da Polícia Civil, o Exército participou de uma incursão na comunidade.

Desavisado, Silva deixou sua casa ainda antes do amanhecer para ir à faculdade. Viu os primeiros fogos de artifício que antecipavam a ação e decidiu mudar de rota, fazendo um caminho mais longo — porém geralmente mais seguro até o bairro de Maria da Graça, onde pegaria o metrô. “O dia estava chuvoso, e eu estava com o guarda-chuva na mão. Estava muito escuro. Quando saí de um beco, dei de cara com um soldado com o fuzil apontado para mim, a poucos metros de distância”, contou. [convenhamos: portar um guarda chuva, fechado, de madrugada, em uma favela, no escuro e durante uma ação policial, é desejar virar notícia.]  O soldado o mandou parar, mas Pedro Paulo não entendeu o primeiro comando. Só conseguiu compreender a situação quando estava cara a cara com o militar. “Se eu estivesse ouvindo música, por exemplo, provavelmente hoje estaria morto”, disse. Pedro Paulo nunca mais usou fones de ouvido ao andar no Jacarezinho, onde um guarda-chuva pode ser confundido facilmente com um fuzil.

Época