Não foi golpe do Cunha – e explicamos o porquê
Artigo
redigido em conjunto com advogados e estudantes de Direito*
A redução da maioridade penal, desejada
por 87 % da população do país, é tema de intensos debates há muito tempo,
suscitando paixões políticas de todas as estirpes. A semana que passa registrou
um novo capítulo na história desse debate no Brasil, com a aprovação, em
primeiro turno, de um projeto que reduz a maioridade em determinados tipos de
crimes. O fato de essa aprovação ter ocorrido no dia
seguinte à rejeição de uma proposta similar, tendo sido ambas as
votações coordenadas pelo presidente da Câmara Eduardo Cunha, do PMDB, acirrou
os ânimos e despertou posicionamentos bastante hostis. Desde
lideranças de partidos de esquerda como PT e PSOL, naturalmente antipáticas ao
habilidoso peemedebista, até
setores da mídia e juristas se manifestaram em tom ostensivo, acusando-o de promover uma “manobra golpista” para fazer impostos os seus interesses.
Com o
propósito de oferecer a necessária alternativa, decidimos, em conjunto com uma
equipe de amigos advogados e estudantes de Direito, organizar uma seleta de argumentos que
sustentem a tese contrária. Não
pretendemos ser donos da verdade, mas acreditamos haver embasamento substancial
para nossa posição, e é nosso dever fazer com que ela seja ecoada em quantos
espaços for possível. Também não temos o objetivo de tecer qualquer comentário
subjetivo sobre a pessoa de Eduardo Cunha ou sua atuação política, pois não
temos sequer procuração para advogar em seu nome. Nosso interesse é pela
verdade dos fatos, em oposição à histeria típica das reações de grupos de
esquerda, mal-intencionados e que desprezam os anseios do povo brasileiro.
Antes de elencarmos os argumentos
que conseguimos reunir, também devemos salientar que não é nossa
intenção discutir se a maioridade penal aos 18 anos é cláusula pétrea ou não (tema controverso no meio do Direito, e
levantado pela OAB), e sim meramente analisar as atitudes de Eduardo Cunha
na operação das votações realizadas nas últimas quarta e quinta-feira, sob o
ponto de vista da lei e do regimento.
O
que aconteceu no Plenário
Helio
Gurovitz, em coluna no site de notícias G1,
fez um excelente resumo da sequência de acontecimentos. Ele lembra que a
discussão sobre a emenda constitucional que reduz a maioridade já se estende
pelo menos desde 1993, postergada e adiada através da submissão a diversas e
intermináveis alterações. Em março, disposto a fazer o processo avançar, Cunha
teve a iniciativa de organizar uma Comissão especial para tratar do caso. Essa
comissão se reuniu diversas vezes, ouvindo todas as opiniões, e acabou
definindo várias sugestões de alteração no texto original, configurando um texto alternativo, juridicamente
designado “substitutivo”, que, só então, foi levado ao Plenário. Foi esse texto que, recebendo apenas
303 votos favoráveis na noite de terça-feira, foi rejeitado pela Câmara, por não atingir os três quintos dos 513
deputados, patamar mínimo para aprovação de emendas à Constituição.
Derrotado o substitutivo, Cunha deveria passar à
análise do projeto original e suas emendas. Na quarta-feira, foi votada justamente uma dessas
emendas, a emenda aglutinativa de número 16, de autoria dos deputados Rogério
Rosso (PSD-DF) e André Moura (PSC-SE). Com
323 votos favoráveis, essa emenda foi, então, aprovada em primeiro turno –
já que ainda há muito pela frente, começando por uma nova votação, até duas
apreciações no Senado Federal.
Contestando
as críticas quanto ao artigo 60 da Constituição Federal
O
deputado Alessandro Molon (PT-RJ), com apoio de vários outros parlamentares,
confirmou após a votação, na madrugada do dia 2 de julho de 2015, que entrará com um mandado de segurança no Supremo Tribunal
Federal contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ),
questionando o procedimento que levou à aprovação da emenda. A primeira manifestação notável de
desconforto, no entanto, veio do ex-ministro do
STF, Joaquim Barbosa, com um argumento bastante curioso: o de
que a rejeição da emenda de quarta-feira tornaria inconstitucional a votação de
quinta-feira. O Ministro Marco Aurélio de Melo emitiu parecer semelhante.
Estamos convencidos de
que a nova rodada de votação da PEC 171, que flexibiliza e reduz a maioridade
penal, de 18 para 16 anos, para crimes hediondos, na forma da lei especial (lei n. 8.072/90) – lesão corporal, seguida de morte, homicídio
doloso – não
representou uma manobra parlamentar, mas um ato regimentalmente legítimo e
legal, em razão da previsão
regimental constante do artigo 118, § 3 º, do Regimento interno da Câmara dos
Deputados, que enuncia acerca da Emenda aglutinativa. De acordo com o artigo
191, inciso V, desse regimento, na hipótese de rejeição do substitutivo (texto apresentado pelo relator da proposta,
como foi o caso), “a proposição
inicial será votada por último, depois das emendas que lhe tenham sido
apresentadas”. E aconteceu
exatamente assim.
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