Ressentido, Dirceu sente abandono até de Lula
Ex-ministro
fica sem defesa do PT e se queixa da falta de apoio público. Mesmo assim, amigos garantem que
não há hipótese de delação premiada
Dias antes de ser preso na 17ª fase da Operação
Lava-Jato,
o ex-ministro José Dirceu, de 69 anos, se mostrava vencido. Ligava para a família pedindo
que o visitassem porque poderia “ser
preso a qualquer hora”. Na semana que antecedeu a prisão, em conversa com
amigos, chegou a calcular que ficaria preso por pelo menos “seis ou oito meses”. A
tensão resultou em uma crise de hipertensão, com pico
de pressão arterial de 19 por 12 (o
normal é 12 por 8).
Nos
últimos tempos, Dirceu se mostrava
ressentido com lideranças do PT, sobretudo com Lula, com quem não fala desde antes de sua condenação
no mensalão. Queixava-se da falta de apoio
público por parte da cúpula do partido. Como esperava, sua defesa não
foi feita, mais uma vez, na reunião de terça-feira da Executiva Nacional do PT.
Desde que começou a cumprir pena, ele deixou de participar dos destinos
políticos do partido e pouco foi visitado pelos “companheiros”. Em março deste ano, seu almoço de aniversário,
antes marcado pela presença de políticos de todos os calibres, contou com
poucas pessoas e nenhum figurão da legenda.
Há tempos a base de apoio de
Dirceu deixou de ser sua corrente interna do partido, a Construindo
Um Novo Brasil, e passou a ser o “setorial”
da juventude. São esses jovens que organizam manifestações de apoio e gritam,
em eventos petistas, “Dirceu, guerreiro
do povo brasileiro”. O grito de
guerra, no entanto, não foi entoado no último congresso nacional do
partido, em junho passado. E a julgar pela reação dos petistas depois da
revelação das evidências de que o ex-ministro teria
recebido benesses pessoais como uma milionária reforma em sua casa e o aluguel
de um jato particular talvez não volte a ser ouvido tão cedo.
Integrantes do partido dizem que a suspeita de ter usado um esquema de
corrupção para “enriquecimento pessoal”
feriu a sensibilidade dos militantes.
CONTABILIDADE
FICAVA POR CONTA DO IRMÃO
Mesmo com o faturamento de quase R$ 40 milhões de
sua empresa, a JD, Dirceu nega ter
enriquecido e diz ter dívidas de R$ 3 milhões — acumuladas com a defesa em processos e as atividades políticas.
Em conversas com amigos antes da prisão, Dirceu
admitiu erros: deixar que a Jamp, do operador Milton Pascowitch, pagasse
suas despesas diretamente e pedir pagamentos adiantados, operação típica de lavagem de dinheiro.
Segundo
amigos, até recentemente ele não sabia
como a questão financeira era gerida. A contabilidade ficava por conta do
irmão Luiz Eduardo, também preso. Luiz
Eduardo foi escolhido justamente por características que agora podem complicar
Dirceu: é um sujeito
simples, completou só o ensino médio, nunca teve relação com a política ou
vida pública e pode não saber como responder aos investigadores. De antemão, Dirceu acredita que será condenado. E
diz lamentar não ter mais 50 anos para ter tempo de cumprir a pena e tentar
redimir a biografia. Segundo amigos, não
há hipótese de que ele aceite delação premiada.
O ex-ministro sustenta que o
dinheiro que recebeu não era propina, mas resultado do trabalho como consultor
internacional. Diz que valores recebidos enquanto preso
vinham de taxas de sucesso dos negócios que intermediava. E afirma que o
jatinho à sua disposição não era luxo, mas necessidade — ele quase apanhou algumas vezes em saguões de aeroportos pelo Brasil.
A despeito do ostracismo no partido, fazia sempre um diagnóstico de política,
assunto do qual declinava apenas para assistir ao desenho “Peppa Pig” com a filha Maria Antonia, de cinco anos.
Fonte: O Globo
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