O país precisa enfrentar o desafio de mudar
paradigmas que, à sombra de uma misoginia apenas aparentemente
disfarçada, são complacentes com agressões à mulher
[sugestão:
- 1º estupro: castração química por um período entre dez a vinte anos - comparecimento mensal compulsório a um hospital credenciado para aplicar injeção que broxe mesmo;
- reincidência: castração física por esmagamento dos testículos. Mesma punição seria aplicada aos condenados à castração química que tentassem se furtar à execução da pena cominada.]
O aberrante episódio do estupro coletivo de uma adolescente, numa
favela do Rio, parece ter despertado a opinião pública para uma questão
que, a despeito de configurar crime gravíssimo, não tem sido tratada
pelas estruturas públicas (polícia, sistemas de atendimento médico e
psicológico, Justiça etc.) a ela afeitas, e mesmo pela imprensa, com a
atenção à altura da dimensão do problema. Contribui para isso uma série
de injunções, que vão da vergonha que a vítima tem de registrar queixas
nas delegacias a uma cultura, apenas aparentemente disfarçada, da
misoginia que aceita como “natural” — e até as estimula — violências de
todo tipo, inclusive sexual, contra a mulher.
Por isso mesmo, as agressões sexuais praticadas contra a jovem não só
devem ser tratadas pelos seus aspectos próprios, na forma da lei, o que
é óbvio, mas também servir como um divisor de águas no país. A partir
dos desdobramentos do caso, sociedade e poder público precisam se
mobilizar para conter o que parece ser a escalada, em curso, da
banalização desse tipo de crime.
A própria maneira como a polícia fluminense começou a tratar o caso
evidenciou que métodos empregados na apuração desses crimes precisam ser
revistos. As investigações iniciais derivaram para a discussão do
secundário (se a violência sexual praticada pelo grupo decorreu ou não
de sexo consentido, a vida pregressa da vítima etc.). Algo como, por
antecipação, dirigir o inquérito para desqualificar o aspecto principal
do episódio — a evidência, agora confirmada pela polícia, até por
imagens de um vídeo feito pelos agressores, de que seja o que tenha
acontecido antes do crime em si, o que ocorreu na favela foi um estupro.
Uma ação abominável, pela qual os envolvidos têm de responder na
Justiça.
A questão adjacente ao crime que ora choca a opinião pública do país,
com repercussão no exterior, é mais ampla, vai além da resposta que
polícia e Justiça do Rio darão ao caso. Os números mostram com
preocupante clareza que o estupro tornou-se um crime vulgarizado. Em
2014, registraram-se no Brasil 47,6 mil episódios de violência sexual
contra mulheres; no Estado do Rio, foram 4,7 mil. Além de subnotificado,
esse é um crime impune: no Rio, por exemplo, dados do Ministério
Público mostram que apenas 6% dos casos chegam à Justiça. Em nível
nacional, só 36% das agressões sexuais são registradas na polícia.
Na misógina Índia, por exemplo, um caso semelhante, mas com o
trágico desfecho da morte da vítima, levou a população às ruas para
exigir, numa onda de violência, mudanças na legislação de proteção às
mulheres. No Brasil, ainda são tímidas as iniciativas para alterar
paradigmas. Pior, armam-se no Congresso ações que desmontam os já
frágeis mecanismos de apoio a vítimas, no âmbito do sistema público de
saúde e mesmo da legislação criminal. Um condenável retrocesso.
Mudar de atitude e combater anacronismos culturais são um desafio
para o país. Imenso, mas a sociedade tem a obrigação de enfrentá-lo.
Fonte: Editorial - O Globo
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