Entenda como o Supremo sacudiu o Brasil em um intervalo de seis horas
Decisão tomada individualmente pelo ministro Marco Aurélio
Mello, do Supremo, quase resultou na soltura do ex-presidente Lula e de
milhares de outros presos provisórios. Presidente da Corte derrubou a
ordem e escancarou tensão entre magistrados
Em um ato inesperado, realizado no último dia antes do recesso do
Judiciário, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal
(STF), causou um verdadeiro alvoroço na Justiça de todo o país. Após a
última sessão do ano na Corte,
o magistrado decidiu agir sozinho para
liberar todos os presos que estão encarcerados em decorrência de
condenação em 2ª instância de Justiça. Entre os beneficiados com a
decisão,
estava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A situação de
instabilidade durou seis horas, até o começo da noite de ontem
, quando o
presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, suspendeu a validade da
medida. A quarta-feira cheia de suspense não acabou ontem: o assunto
voltará a ser discutido em outro meio de semana, no dia 10 de abril de
2019.
Marco Aurélio atendeu a um pedido do Partido Comunista do Brasil
(PCdoB), e
enfrentou a decisão da maioria dos colegas de Tribunal, que,
em 2016, entenderam que é constitucional a execução antecipada da pena.
Dados levantados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que um
total de
169.324 presos estavam encarcerados por conta da execução
provisória de suas ações criminais e poderiam ser soltos em todos os
estados. Esse dado se refere aos presos em 1ª e 2ª instâncias. O número
de presos provisórios representa 23,9% do total de 706 mil detentos do
sistema penitenciário nacional. Quem estivesse preso por força de prisão
preventiva, ou representasse grave risco à ordem pública, continuaria
encarcerado.
Defesa rápida
A decisão atingiria pessoas condenadas por diversos crimes, como roubo,
estupro, homicídio e corrupção. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, condenado a 12 anos e um mês por corrupção e lavagem de dinheiro —
e que ainda recorre aos tribunais superiores — poderia deixar a cadeia.
A defesa dele ingressou com um
pedido de soltura 43 minutos após a
liminar ser deferida por Marco Aurélio. No entanto,
a juíza Carolina
Lebbos, da 12ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela execução da
sentença do petista, afirmou que a soltura não ocorreria de forma
imediata. Então, solicitou manifestação do Ministério Público.
No recurso —
enviado para o presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), ministro Dias Toffoli —,
solicitando que a validade da liminar
fosse suspensa, a procuradora Raquel Dodge classificou a medida como
“
temerária” e destacou que
“desrespeita o princípio da colegialidade,
uma vez que o plenário do STF já se manifestou, por diversas vezes, pela
constitucionalidade da chamada execução provisória da pena”. Além de
Lula, os advogados do ex-governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo,
solicitaram que o cliente fosse colocado em liberdade.
Ao suspender a medida, Toffoli destacou, no despacho, que o assunto
já está na agenda do plenário para o próximo semestre
. “Defiro a
suspensão de liminar para suspender os efeitos da decisão proferida
nesta data, nos autos da ADC nº 54, até que o colegiado maior aprecie a
matéria de forma definitiva, já pautada para o dia 10 de abril do
próximo ano judiciário, consoante calendário de julgamento”, escreveu.
Reações
Não faltaram críticas contra a decisão do ministro Marco Aurélio no meio
jurídico. Rogério Sanches Cunha, promotor de Justiça e professor penal
do Cers, classificou a liminar como irresponsável. Ele destacou que a
publicação foi tomada no apagar das luzes, na véspera do recesso
forense, surpreendendo a todos, inclusive ao próprio Supremo.
“O STF não
é uma Casa de um juiz e, sim, de um colegiado. A decisão fere de morte o
princípio da colegialidade, ainda mais um tema caro como esse, de
grande repercussão nacional”, disse
. “Independentemente da orientação e
da decisão política, nós não podemos negar que o próprio povo deu o
recado em 2018 e quer um endurecimento das punições. Essa decisão
contrariou o bom senso, o princípio da cordialidade com os colegas e a
própria soberania popular”, completou.
Os especialistas citam que
a falta de responsabilidade em decisões
monocráticas tem gerado grande instabilidade na legislação. Hanna Gomes,
especialista em direito criminal do escritório Kolbe Advogados, avaliou
que a decisão é acertada, mas, pelo contexto, o magistrado colocou o
STF em
“contradições” e contribuiu para o aumento da insegurança
jurídica.
“Os textos têm várias interpretações. Acredito que foi uma
decisão política a fim de que a Corte se posicione de forma definitiva
sobre o tema, mas que afeta todas as camadas da sociedade. A cara do
Judiciário fica mais uma vez no chão, numa decisão polêmica, parecendo
que caminhou sorrateiramente debaixo do tapete”, disse.
Exército e FHC repercutem
A tensão foi tão elevada em Brasília que o Alto Comando do Exército se
reuniu para decidir medidas que poderiam ser tomadas após eventuais
manifestações, em razão da soltura do ex-presidente Lula e de outros
beneficiados. O encontro, convocado em caráter de emergência, teve como
finalidade traçar um plano para o caso de a Força ser acionada por um
dos Três Poderes.
Já o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP)
criticou o ministro Marco Aurélio.
“A decisão de juiz do STF é como a
de líder político: mede-se pelas consequências; liberar condenados em 2ª
instância, mesmo em nome da Constituição, tem resultado negativo:
aumenta a insegurança e a descrença na Justiça. Que o plenário resolva
logo a questão”, disse.
[quem analisar o assunto com imparcialidade, respeito à Justiça, só chegará a uma conclusão:
- o STF, pelo seu Plenário já examinou a matéria por três vezes e prevalece o entendimento vencedor: condenado sem segunda instância pode começar a puxar a cadeia;
falta, por parte da ilustre magistrada Carolina Lebbos - responsável pela execução da pena do criminoso petista - determinar o cumprimento pelo presidiário petista na forma da lei, que é: bandido comum, condenado por crime comum - uma descrição que se ajusta como uma luva ao presidiário petista - cumpre pena em prisão comum, dividindo cela e o 'boi' com presos comuns.]
Briga com pares no STF
A decisão do ministro Marco Aurélio acirra o clima entre os integrantes
do STF. O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, marcou o
julgamento das Ações Diretas de Constitucionalidade (ADCs), que tratam
da prisão a partir de condenação em 2ª instância para 10 de abril de
2019. No entanto, a
o tomar uma decisão monocrática, ele é acusado, nos
bastidores, de passar por cima do presidente do tribunal e do próprio
colegiado, que já decidiu sobre o tema em outras ocasiões.
Ações sobre a execução provisória da pena tramitam no Supremo há dois
anos. As peças foram liberadas para análise do plenário em dezembro de
2017. No entanto, a então presidente do Tribunal, ministra Cármen Lúcia,
disse que o assunto
“já estava superado” e não pautou novamente o tema.
Mas a Corte julgou um recurso apresentado pela defesa do ex-presidente
Lula contra sua prisão. Os advogados ingressaram com um pedido de habeas
corpus preventivo, para que ele não fosse preso após condenação pelo
Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
Na ocasião, por 6 votos a
5, o plenário autorizou a prisão do petista.
A professora Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em
direito administrativo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), destaca que
Marco Aurélio é o próprio relator das ADCs e cria um clima de tensão ao
decidir individualmente.
“Haverá uma certa apreensão a partir de agora.
Nós já tivemos três precedentes da decisão do plenário da Corte a favor
da prisão em segunda Instância. Ele foi muito infeliz em deferir a
liminar com julgamento do assunto marcado para abril. Agiu de modo
impulsivo. Apesar de se basear na Constituição, ele tem um perfil de
tomar decisões assim. Foi um tanto quanto agressivo ao decidir
monocraticamente em um posicionamento completamente diferente da
maioria”, diz.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudio
Lamachia, defendeu que o assunto seja definido o quanto antes pelos
ministros. “
O sistema de Justiça deve ter um norte para atuar nos casos
penais. Com isso se combate a impunidade e a corrupção a partir de
regras claras e da celeridade processual”, disse. Atualmente, tramitam
no Supremo duas ADCs que pedem que seja declarada inconstitucional a
possibilidade de prisão antes que o processo seja julgado em todas as
instâncias de Justiça. A primeira delas foi ajuizada pelo antigo PEN,
atual partido Patriota, e a segunda, pela Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB).
Correio Braziliense