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quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Os sete erros de Dino para vaga no STF

Presidente Lula deve definir em 15 dias o nome que vai suceder Rosa Weber no Supremo, segundo aliados

O presidente Lula não quer virar o mês sem a definição do nome que vai ocupar a cadeira da ex-ministra Rosa Weber no STF. 
A informação de aliados próximos ao petista é de que o presidente vai avaliar na semana que vem quem será o novo ministro. 
O nome mais cotado até o momento era do ministro da Justiça, Flávio Dino.

Mas alguns fatos recentes abalaram essa previsão.

Já há, inclusive, uma brincadeira nos bastidores: o jogo dos 7 erros de Dino. Seriam:

  1. Sentou na cadeira antes da hora;
  2. já quis eleger Ricardo Capelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça, como seu sucessor a frente da pasta;
  3. a gestão problemática da segurança pública acabou caindo no colo do presidente;
  4. tiveram brigas públicas com ministros;
  5. sofre forte resistência no Senado;
  6. maioria do Supremo prefere outro cotado: Jorge Messias, ministro da AGU;
  7. e, por fim, campo progressista vê com maus olhos sua agenda autoritária na administração da segurança pública.

[um erro que por ser cometido pelo candidato a indicado, portanto, sempre no inicio de cada avaliação não pode ser esquecido: alguém achar que o candidato tem condições para o cargo que sonha.] Boa parte dos ministros do STF vê uma possível indicação de Messias como um sinal de bandeira branca, caso acontecesse, por ter um perfil mais equilibrado e menos ativista. Dino, no entanto, tem apoios importantes, como dos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, ambos com comportamento mais combativo.

Outro ponto que conta a favor do advogado-geral da União é o apoio maciço no PT. Messias é petista de carteirinha, desfruta de plena confiança e indica que manteria o alinhamento a pautas importantes para o partido, se for escolhido.

Bruno Dantas, presidente do Tribunal de Contas da União, está no páreo também. É o nome de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, e do também senador Davi Alcolumbre, da CCJ. Mas sofre forte resistência da ex-presidente Dilma Rousseff. No período do impeachment, o ministro votou pela rejeição das contas e ainda fez duras críticas ao governo na época.

As cartas foram postas à mesa, basta ao presidente a prerrogativa da escolha. Lula dá sinais que agora quer liquidar logo essa fatura.

Marcela Rahal, colunista - VEJA

 

sábado, 2 de outubro de 2021

Bia Kicis: ‘Fico angustiada de ver tantos projetos autoritários’ - Revista Oeste

Afonso Marangoni

Presidente da CCJ da Câmara, Bia Kicis afirma que agentes públicos estão avançando sobre direitos fundamentais, e as pessoas não se dão conta da gravidade disso  

Na semana em que Jair Bolsonaro completa mil dias no Palácio do Planalto, a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) reconhece que muitas coisas ainda precisam ser feitas, embora o governo tenha conseguido avançar em pautas liberais e conservadoras. Uma das principais apoiadoras do presidente na Câmara, ela é presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), cargo-chave no Congresso, inclusive para aprovar propostas de interesse do Executivo
Bia Kicis, presidente da CCJ da Câmara | Foto: Marcelo Casal/Agência Brasil
Bia Kicis, presidente da CCJ da Câmara | Foto: Marcelo Casal/Agência Brasil.

“Fico angustiada de ver projetos altamente arbitrários, autoritários, projetos de tirania prosperando no nosso país”, afirmou. “Vemos agentes públicos avançando sobre direitos fundamentais, sobre as liberdades, e as pessoas parecem que não estão se dando conta da gravidade disso”. 

Na segunda-feira 27, Bia Kicis recebeu a reportagem da Revista Oeste em seu gabinete na CCJ para fazer um balanço desses três anos tanto do governo quanto do seu mandato como deputada. Entre os assuntos abordados, o passaporte de vacinação, as manifestações de 7 de Setembro e a CPI da Covid.

Confira os principais trechos da entrevista.

Como a senhora avalia esses mil dias de governo Bolsonaro?
O que me alegra é ver o Brasil caminhando para a frente em vários aspectos, principalmente pela ausência de corrupção. A gente tinha, por exemplo, estatais que davam prejuízos bilionários e que hoje dão lucro. Parece mentira, mas tínhamos um país em que metade dos brasileiros não tinha acesso a tratamento de esgoto, 40 milhões não tinham água potável, e isso está mudando graças ao novo Marco do Saneamento. Mas fico angustiada de ver projetos altamente arbitrários, projetos de tirania prosperando no nosso país, como o passaporte sanitário. Vemos agentes públicos avançando nos direitos fundamentais, nas liberdades, e as pessoas parecem que não estão se dando conta da gravidade disso.

A senhora pode citar dois pontos que considera positivos no governo e dois negativos?
As novas políticas de infraestrutura e a autonomia do Banco Central, que era uma coisa que se esperava havia mais de 30 anos, são pontos bastante positivos. Mas o que para mim é o mais positivo é a luta do presidente pela liberdade do povo. Assim como eu, ele não abre mão disso. É não ao passaporte sanitário, por exemplo, e não tem de obrigar ninguém a tomar vacina. Em relação aos pontos negativos, diria que a comunicação do governo. Todo mundo sabe que ela é confusa e, principalmente, não consegue chegar lá na ponta. Mas isso também é muito em razão da mídia. A imprensa sempre serviu para apontar as coisas ruins, criticar, e para mostrar as coisas boas. No caso do Bolsonaro, ela não só não mostra as coisas boas, como inventa coisas ruins o tempo todo. Outro ponto ruim é que algumas pautas conservadoras foram largadas para trás, não houve maior empenho do governo, como no projeto Escola Sem Partido. 

Como a senhora analisa as manifestações de 7 de Setembro?
Estive em todos os atos desde 2014, e esse foi o maior. As pessoas deixaram o conforto das suas casas para mostrar que apoiam o governo e que estão muito insatisfeitas com os ataques às nossas liberdades. Em seguida, vimos uma manifestação da esquerda, no caso foi até do MDB, que não conseguiu juntar ninguém. Foi um fracasso retumbante, que mostra que não há espaço para uma terceira via.

Como a senhora viu a decisão do presidente de escrever uma carta, dois dias depois, abaixando a temperatura da crise entre os Poderes?
Já ouvi várias versões dessa história. Como não conversei com o presidente, não sei quem chamou quem. Quando eu vi aquele documento, estava no plenário votando, eu levei um susto, porque pensei: “Depois daquela manifestação de força tão grande, esse documento? O que é isso?”. Depois, falei assim: “Deixa eu esperar, deixa a coisa acalmar para eu entender o que está acontecendo”. A melhor coisa foi ouvir do próprio presidente e ver a reação. Muitas pessoas estavam querendo imputar a ele uma iniciativa golpista e ali ficou muito claro que não tem nada disso. Ele botou uma bandeira branca e agora está esperando o outro lado. Se ela não aparecer, vai ficar claro para todo mundo quem é que está querendo desrespeitar a separação dos Poderes. Ainda quero ver um gesto por parte do Supremo. [a decisão da ministra Rosa Weber  questionando decisão de competência exclusiva da PGR de encerrar o questionamento sobre o não uso de máscara por parte do presidente Bolsonaro, é uma demonstração de ausência de interesse em manter os ânimos, Executivo x Judiciário, apaziguados.
É da competência da Procuradoria-Geral da República optar pelo arquivamento, ou não,  de procedimentos daquela natureza.]

 (.........)


Como a senhora avalia a CPI da Covid?
Eles não acreditam que haja corrupção no governo federal, eles querem desgastar o presidente, o seu governo e seus apoiadores. Se eles estivessem interessados em investigar corrupção, é óbvio que eles iriam atrás do Consórcio Nordeste, dos desvios de respiradores e de verba. Eles não estão interessados em quem abriu e fechou hospital de campanha durante a pandemia. Cada hora é um assunto diferente: tratamento precoce, vacinas, atestado de óbito. É tudo, menos ir atrás de desvio de dinheiro, que é o que interessa para o povo.

O que esperar do relatório final da CPI?
Hoje, por exemplo, fiz um tuíte dizendo que já tem veículo de comunicação repercutindo a informação de que o relatório do Renan Calheiros vai incluir quatro deputados, entre eles eu, todos acusados de divulgarem fake news sobre a pandemia. A gente não propaga fake news, damos a nossa opinião sobre os fatos. Podemos divulgar, de repente, uma entrevista de um médico que tem um pensamento. Isso é fake news? A CPI está gastando tempo do Congresso e dinheiro do contribuinte para perseguir pessoas que não cometeram crime nenhum, isso é uma vergonha. A gente precisa se insurgir contra esse tipo de coisa e com veemência. Não dá para ficar calado esperando avançarem ainda mais. Precisamos reagir.
 

Leia também “Helio Beltrão: ‘Um governo liberal agiria diferente'”

Revista Oeste - ENTREVISTA COMPLETA

 

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Uma homenagem póstuma - Nas entrelinhas


Bolsonaro enquadrou Mandetta e responsabiliza governadores e prefeitos pelo desemprego, embora tenham a dura tarefa de conter a epidemia na ponta”


Escrevo antes do pronunciamento de Bolsonaro de ontem à noite, em cadeia de tevê. Pela live que compartilhou no Twitter, a conversa que teve com Luiz Henrique Mandetta obrigou o ministro da Saúde a flexibilizar geograficamente a política de distanciamento social, levando em conta a progressão da doença nos estados. É um perigo, mas Mandetta hasteou a bandeira branca e bateu continência para o presidente da República. [qualquer cidadão quanto aceita um convite para se tornar ministro, tem ciência de que enquanto ministro é subordinado diretamente do Presidente da República e que permanece com total liberdade para deixar o cargo.]   Na entrevista coletiva que deu à tarde, deixou isso claro: “Quem comanda este time aqui é o presidente Jair Messias Bolsonaro”, disse. “Tivemos nossas dificuldades internas, isso é público, mas estamos prontos, cada um ciente de seu papel nesta história.”

Não sei qual o acordo que fizeram, mas essa é a ordem natural das coisas num sistema de poder no qual o vértice é o presidente da República. A propósito, Norberto Bobbio, após o assassinato do primeiro-ministro Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas, escreveu uma série de artigos sobre a crise italiana, reunidos numa coletânea publicada no Brasil, intitulada As ideologias e o poder em crise, em tradução de Marco Aurélio Nogueira. 
Destaco dois deles: 
a política não pode absolver o crime, no capítulo sobre Os fins e os meios, e;
 Quem governa?, em O mau governo.

A referência a Bobbio veio ao caso devido a uma passagem da entrevista do ministro Mandetta. Em certo momento, no chamamento que fez à união de todos contra a epidemia, disse que as autoridades médicas precisam da ajuda de todos, inclusive das milícias e dos traficantes. O ministro não é nenhum ingênuo, deve ter algum motivo para ter falado isso, mesmo sabendo que seria duramente criticado por essa referência ao crime organizado. A grande dúvida é se fez um apelo dramático por puro desespero, pois estamos num momento crucial do crescimento exponencial da epidemia, ou se realmente houve um pacto do governo Bolsonaro com as milícias e os traficantes.

Não seria a primeira que vez que isso aconteceria, com consequências desastrosas, porque favorece a expansão do crime organizado na sociedade e sua infiltração na política. Por outro lado, é muito fácil fazê-lo, pela via das relações perigosas nos sistemas de segurança pública e penitenciário. Ministro-chefe da Casa Civil, o general Braga Netto, ex-interventor no Rio de Janeiro, conhece bem essas conexões. 
Qual é a lógica perversa por trás desse raciocínio? 

Todos sabemos que a epidemia ainda não chegou ao povão, está na classe média alta, e só agora registra os primeiros casos de mortes nas favelas e periferias das grandes cidades e regiões metropolitanas conurbadas, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Manaus. Na prática, isso significa toque de recolher e dura punição nas favelas e nas periferias, numa hora em que o presidente da República pressiona pela flexibilização da política de isolamento social.

Quem governa?
Governos monolíticos nas democracias não existem, ainda mais num sistema federativo e de equilíbrio entre os poderes. Bolsonaro enquadrou Mandetta e responsabiliza governadores e prefeitos pelo distanciamento social e o desemprego. Mas sabe também que os governadores e prefeitos, que têm a dura tarefa de conter a epidemia na ponta, contam com o apoio do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) para agir com autonomia, na esfera de suas competências. Por mais que queira, não existe correlação de forças para Bolsonaro intervir nos estados. É assim que funciona na democracia.


O Estado brasileiro é ampliado, cada ministério é um subgoverno que se relaciona com os demais poderes e esferas de poder com relativa autonomia, além de terem imbricações com agências privadas e grandes setores empresariais. Mas é daí que veio a reação para garantir o funcionamento do sistema de saúde, com produção de suprimentos de proteção individual, equipamentos e aparelhos de saúde para ampliar a capacidade de absorção de pacientes pelos hospitais. Existe um grande business na área da saúde, cujas políticas públicas foram capturadas por grande fornecedores, muitos dos quais importadores, e também algumas máfias, que desviaram recursos ao longo dos anos. Agora, chegou a hora de verdade: os profissionais de saúde estão no comando, o governo está sendo obrigado a inventar um novo orçamento da Saúde e a recriar a indústria do setor.

Nesse aspecto, foi patética a constatação de que os hospitais federais do Rio de Janeiro não têm profissionais para atuar contra a epidemia, assim como os hospitais universitários. O governo federal é responsável por 5% da capacidade hospitalar do país, porém, deveria entrar com mais força, principalmente na montagem de hospitais de campanha e na contratação de profissionais para atuar junto às comunidades de periferia e regiões remotas da Amazônia e nos sertões do Nordeste, resgatando o Programa Mais Médicos.

Finalmente, uma homenagem póstuma ao sanitarista Sérgio Arouca, grande idealizador do SUS, que liderou milhares de profissionais de saúde que hoje estão na linha de frente do combate à epidemia. Lembro-me de duas conversas com ele: na primeira, me disse que a emergência era o ponto mais fraco do sistema, subestimada pela cultura dos sanitaristas; na segunda, lamentou não ter conseguido levar adiante seu programa de agentes comunitários de saúde no Rio de Janeiro, sem os quais seria impossível erradicar a dengue e conter epidemias mais graves nas comunidades pobres.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense


terça-feira, 17 de março de 2020

Salve-se quem puder! - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo

O mundo em guerra contra o coronavírus, mas Bolsonaro mira seus inimigos particulares

[PARABÉNS !!!
Mais uma vez, a articulista foi extremamente feliz na escolha da denominação de sua crônica = Salve-se quem puder!.
Convenhamos que quem está matando (inclusive no Brasil) é o Covid-19 = novo coronavírus. O Presidente Bolsonaro não está matando, não matou e certamente não pretende matar.
Assim, cada um deve deixar de espancar o presidente JAIR BOLSONARO e cuidar de se salvar do que realmente mata e cuja erradicação interessa a todos. 
Com a grande vantagem de que cada medida tomada por alguém para se manter livre da contaminação,  ainda que individualmente, contribui para livrar terceiros.]


Já que o presidente Jair Bolsonaro vive sua realidade paralela, os três Poderes declaram trégua e traçam ações comuns contra os efeitos do novo coronavírus apesar dele. Com isolamento médico ou não, Bolsonaro está se isolando dos demais Poderes e ontem não participou de uma videoconferência de presidentes da América do Sul sobre a doença e a crise econômica. Enquanto isso, o vírus vai se multiplicando dentro e fora do Brasil.

Presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo se reuniram com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para ouvi-lo, traçar planos de ação e contornar a fogueira política diante do problema maior. Foi Rodrigo Maia, aliás, quem primeiro estendeu a bandeira branca, apesar de ter sido o principal alvo do presidente e dos bolsonaristas no domingo. [Causa estranheza a reunião conjunta do Chefe do Poder Judiciário, dos presidentes da Câmara, do Senado e o ministro da Saúde,  Luiz Henrique Mandetta.
Com a devida exceção do ministro da Saúde,  as demais autoridades não tem competência legal para cuidar de assuntos do Poder Executivo, representando além de uma intervenção indevida (e desnecessária, visto que nenhum das autoridades citadas tem conhecimentos técnicos para tal intromissão, que também representa, constrangimento do próprio ministro Mandetta) sem contar um complicador: confunde tudo, na hora de eventual decisão dos 'interventores' foi de um colaborador do ministro Bolsonaro ou do Chefe do Poder Judiciário ou dos chefes de uma Casa do Congresso Nacional.] 

Bolsonaro já disse que a crise é uma “fantasia”, uma “histeria”, e considerou que tudo é “superdimensionado”, ora por “interesses econômicos”, ora pela “luta pelo poder”. Das palavras aos atos, tirou a máscara, deu de ombros para o Ministério da Saúde, abandonou o monitoramento, não esperou o segundo teste e foi confraternizar com manifestantes em frente ao Planalto.

“Se eu me contaminei, ninguém tem nada a ver com isso”, disse ontem, mas não é bem assim. O problema não é apenas ele se contaminar, é o risco de ter contaminado as 272 pessoas com quem teve contato, de acordo com levantamento do Estado. E, depois, todo mundo tem muito a ver, sim, com a saúde do presidente da República. Ele não é uma pessoa privada, é a autoridade pública número um.

O próprio ministro da Saúde classificou protestos e eventos culturais neste momento como “completamente equivocados”. O governador Ronaldo Caiado, um dos raros a apoiar Bolsonaro, foi vaiado por manifestantes em Goiás ao lembrar, como médico, que “não se mostra apoio a governo colocando em risco sua população”. Se eles queriam pôr a própria saúde em risco, problema deles, mas sem o direito de pôr a dos outros. Cada contaminado tem poder de multiplicação do vírus.

A reação de Bolsonaro à contaminação da saúde e da economia tem sido errática, de quem não está entendendo nada nem parece muito interessado. Na terça-feira passada, declarou que era “fantasia da grande mídia”. Dois dias depois, deixou de ser fantasia e ele fez o primeiro teste e uma live com máscara. Mais dois, tirou de novo a máscara e lá se foi, sorridente, cumprimentar manifestantes contra o Supremo e o Congresso. Os contaminados da sua comitiva aos EUA já chegavam a 12.

Diante da perplexidade de Rodrigo Maia e do senador Davi Alcolumbre, abandonou de vez o vírus, a disseminação, a crise do mercado, a previsão do PIB esfarelando para bater boca pela TV com os presidentes da Câmara e do Senado. “Está em jogo uma disputa política por parte desses caras”, disse, resumindo tudo isso a uma “luta pelo poder”. Vocês sabem quem são “esses caras”.

Irritado, Bolsonaro disse que está “há 15 meses calado, apanhando”, e vai passar a revidar. O curioso foi ele dizer que passou todo o mandato calado, o que, absolutamente, não é verdade. E o mais intrigante foi ele anunciar que vai atacar e antecipou os alvos: “Grande parte da mídia, chefes do Legislativo e alguns governadores”. O mundo está em guerra contra o novo coronavírus, mas o presidente brasileiro abre uma guerra particular contra instituições e críticos.

Com o autoisolamento do presidente, são os ministros Mandetta e Paulo Guedes, além de Maia, Alcolumbre e Dias Toffoli, do STF, que vão ter de segurar a onda, ou o tsunami. Mandetta sobrevive bem, mas o conceito de Guedes já foi melhor e o dos demais vem sendo sistematicamente atingido pelo presidente, seu entorno e a tropa bolsonarista. Logo, salve-se quem puder!

Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo


terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Entrando de gaiato - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo

Essa guerra não é nossa. O Brasil não tem nada a ganhar, só a perder, se entrar nela


Se fosse confirmada a retirada das tropas americanas do Iraque, depois de 17 anos de invasão, estaria encerrada uma das histórias mais inacreditáveis e sujas da política internacional recente. O governo George W. Bush atacou o Iraque unilateralmente, sem o aval do Conselho de Segurança da ONU e baseado em mentiras – caso claro de fake news institucionais. Depois de dominar o Iraque por quase duas décadas, sob vistas grossas da ONU e da comunidade internacional, os EUA agora atacam sem cerimônia a capital iraquiana para trucidar o principal líder militar iraniano. Agora, como se estivessem dizendo “até logo”, podem abandonar o país deixando um rastro de destruição e falta de horizonte. Uma terra arrasada.

Um livro revelador e de fácil compreensão sobre essa tragédia moderna, do jornalista norte-americano Bob Drogin, foi escrito com base em manifestações oficiais, documentos, entrevistas e bastidores da decisão de Bush de invadir o Iraque. É estarrecedor como uma decisão dessa dimensão pôde ser tomada pela maior potência mundial sem qualquer cobrança ou punição. O mundo assistiu calado, lavou as mãos. Em resumo, sem dar “spoiler”, Drogin conta a história da decisão, que começa com o relato de um desertor iraquiano que se dizia engenheiro químico e descrevia em detalhes, e até desenhava, como o seu país desenvolvia sofisticado programa de armas químicas e biológicas móveis. Espertalhão e viciado em internet, tudo o que ele queria, na verdade, era fugir do Iraque e se asilar na Alemanha. Faria, ou diria, qualquer coisa para isso.

O espantoso é como a BND da Alemanha comprou a história, repassou para o MI-6 da Inglaterra e o Mossad de Israel e deu de mão beijada para a CIA dos EUA o pretexto para Bush anunciar um ataque daquele porte. A princípio reticente, o secretário de Estado Colin Powell acabou comprando a versão e a invasão foi decretada. E o que os EUA encontraram? Nada. O Iraque não tinha arma químicas e biológica nenhuma. Mal tinha armamento tradicional de guerra, ainda mais contra a potência econômica, política e bélica. Com o Iraque transformado em casa da Mãe Joana, foi fácil, quase natural, Washington agora usar um drone sofisticadíssimo para explodir o general iraniano em solo iraquiano. Assim, os EUA saem do Iraque como entraram: tratando o país como se fosse seu quintal, estivesse à sua mercê.

Nunca vai se saber como o Irã teria evoluído se tivesse vingado o acordo nuclear assinado por ele em 2010, com a mediação de Brasil e Turquia e solapado por EUA e França. Mas todo o mundo, literalmente, sabe que a crise só chegou ao ponto que chegou após os EUA retirarem, em 2015, o aval ao segundo acordo nuclear aceito pelo Irã e sancionado. Sem os EUA, os países europeus que o subscreveram perderam força. E o Irã, isolado, partiu para retaliações e provocações e agora anuncia que vai jogar todo o acordo fora, aprofundando o enriquecimento de urânio e o desenvolvimento de ogivas nucleares.

Apesar de todos esses erros e de todo esse excesso de pretensão dos EUA, a nota do Brasil sob o conflito abandonou a prudência tradicional da política externa e privilegiou o viés ideológico do governo Bolsonaro, com o danoso alinhamento automático a Trump. Rússia e China de um lado, OTAN de outro, europeus discutindo freneticamente como negociar uma bandeira branca  e evitar o pior, ou seja, uma guerra. Se a situação degringolar de vez, o Brasil vai ser chamado a se posicionar mais explicitamente e até a agir. Cometerá um erro histórico se ceder ao chamamento, ou pressão, de Trump. Essa guerra não é nossa. O Brasil não tem nada a ganhar, só a perder, se entrar nela de gaiato.
 
Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo