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sexta-feira, 10 de junho de 2022

O mais obsceno faroeste à brasileira - Revista Oeste

Augusto Nunes - Silvio Navarro

A bandidagem punida pela Lava Jato quer de volta o dinheiro que entregou para escapar da cadeia

Sergio Moro | Foto: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo/AE
Sergio Moro | Foto: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo/AE
 
Naquele dia, a fase da Lava Jato batizada de Juízo Final iniciou a varredura das catacumbas que ocultavam empresários premiados com obras públicas multibilionárias. 
Convocado para depor na Polícia Federal de Curitiba, um bando de figurões homiziados no comando das nove maiores empreiteiras nacionais provocou o primeiro congestionamento de jatinhos na história do aeroporto da capital paranaense, fez uma escala nos quartos de hotéis que reservara por uma noite e foi caprichar no papel de inocente. 
Aquilo não duraria mais que duas horas, informava o sorriso confiante dos depoentes. Todos só voltariam para casa depois de longos meses hospedados na gaiola. E então mesmo os céticos profissionais desconfiaram que a coisa era para valer. Disso o país inteiro teve certeza com o início do cortejo de delações premiadas.

Para escaparem da cadeia, quadrilheiros toparam escancarar caixas pretas, contar tudo o que sabiam e, para espanto das vítimas da quadrilha, devolver à Petrobras ao menos parte do produto do roubo. Passados 500 dias, a Lava Jato havia recuperado R$ 870 milhões. Pedro Barusco, ex-gerente de Serviços da estatal, nem esperou por cobranças: em fevereiro de 2015, avisou que entregaria aos integrantes da Lava Jato pouco menos de US$ 100 milhões

A rendição do novo rico acampado no segundo escalão inaugurou o desfile de cifras inverossímeis, produzidas por refinarias que não saíram das pranchetas e promessas ou ultrapassaram em décadas o prazo fixado para a conclusão das obras
Todas acabaram reduzidas a usinas de licitações criminosas, contratos superfaturados, aditivos pornográficos, propinas de dimensões siderais e outras bandalheiras espantosas.

Em 28 de janeiro de 2015, a presidente da Petrobras, Graça Foster, informou que o saque somara R$ 88,6 bilhões. Tal façanha resultou da mobilização de um elenco de filme épico italiano. O Petrolão juntou gatunos em ação no comando da estatal, empreiteiros de grosso calibre, ministros de Estado, senadores, deputados e donos de distintos partidos, doleiros lavadores de dinheiro, empresários com livre acesso ao Planalto, vigaristas tarimbados (como José Dirceu e Antonio Palocci), sumidades ainda pouco valorizadas (como Sérgio Cabral), um presidente da Câmara, o marqueteiro do rei, três tesoureiros do PT e, fora o resto, um ex-presidente da República. Mas havia topado com adversários bons de briga, bem equipados e extraordinariamente eficazes, que já no início do embate venceram a disputa pelo apoio da torcida brasileira.

Entre o início de 2014 e o fim de 2018, a grande maioria dos brasileiros festejou a ampliação diária do acervo de provas, evidências e indícios de que, se é verdade que chegou com as primeiras caravelas, a corrupção havia alcançado proporções pandêmicas com a Era PT. Para os poderosos patifes, 6 da manhã tornou-se a mais cruel das horas: era nesse momento que soavam as pressagas batidas na porta. Em março de 2016, conversas grampeadas atestaram a onda de angústia que invadira o Congresso. Era preciso estancar a sangria, implorou o senador Romero Jucá aos parceiros Renan Calheiros e José Sarney. A publicação da súplica custou a Jucá a antipatia nacional, a suspensão de viagens em aviões de carreira e a derrota na tentativa de reeleger-se.

Em contrapartida, foram promovidos a heróis nacionais os participantes da ofensiva que, por ter desmontado o maior esquema corrupto de todos os tempos, tornou-se a mais eficiente operação anticorrupção da história. Nos desfiles de 7 de Setembro, a passagem das viaturas da Polícia Federal foi aclamada pela multidão

Nas raras aparições públicas, o juiz Sergio Moro passou a ser aplaudido de pé. É compreensível que os brasileiros honestos tenham enxergado na prisão de Lula a efetiva entrada em vigor de um preceito esquecido numa página da Constituição: todos são iguais perante a lei. 
A sentença de Moro, expedida em julho de 2017, foi confirmada em janeiro de 2018 pelo Tribunal Regional Federal de Porto Alegre. E começou a ser cumprida em em 7 de abril de 2018.

“O Brasil se tornou um país de corruptores sem corruptos”

Sentenciado a pouco mais de 12 anos de cadeia pelas trapaças que envolveram o tríplex do Guarujá, o ex-presidente foi solto em 8 de novembro de 2019 pela mão amiga do Supremo Tribunal Federal
Na véspera, para devolver às ruas o criminoso já punido em segunda instância também pelo que andou fazendo com o sítio em Atibaia, a maioria da Corte decidira que ninguém pode ser preso antes da tramitação em julgado da sentença condenatória. Em março de 2021, o socorro indecoroso se completou com a inacreditável acrobacia executada pelo ministro Edson Fachin, relator dos processos da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal.

Desde que assumiu o posto vago pela morte de Teori Zavascki, Fachin vinha julgando com a placidez de monge tibetano os recursos fabricados pelos advogados de Lula. Só ao deliberar sobre a derradeira manobra o malabarista togado decidiu que o réu deveria ser julgado em Brasília, não em Curitiba. 

Ao inventar a Lei do CEP, o juiz nomeado por Dilma Rousseff arrancou a máscara que camuflava o mais dissimulado dos ministros.  
Ele reivindicara o lugar deixado por Zavascki para consumar o assassinato da Lava Jato, desativada pelo procurador-geral Augusto Aras em fevereiro de 2021. E também inspirar-se no avesso da verdade para transformar um belo capítulo da saga republicana no mais obsceno faroeste à brasileira.

Graças ao roteirista espertalhão, neste outono de 2022 Lula disputa a Presidência caprichando na pose de inocente, aciona judicialmente o procurador federal Deltan Dallagnol por “danos morais”, exige a condenação de Moro por ter perseguido a alma viva mais pura da nação e afirma que o Petrolão nunca existiu. 

No momento, quem deve explicações é o juiz que cumpriu seu dever. No faroeste à brasileira, é o bandido que vence no final. O PT acha pouco: para bancar a festa da vitória, quer que o Supremo obrigue Moro a pagar uma indenização de bom tamanho ao partido que virou bando. Animados com a soltura do chefe, numerosos quadrilheiros solicitam que a conversa fiada que livrou Lula da cadeia seja estendida aos demais companheiros. 
Previsivelmente, apareceram no palco delatores premiados que querem recuperar o produto do roubo usado para driblar a gaiola. 
A realidade brasileira supera o que há de mais inventivo na estante do realismo fantástico.

“É simplesmente imoral pretender a devolução do dinheiro saqueado por ímprobos administradores”, ensina o jurista Ives Gandra Martins, que também contesta as críticas à operação que enquadrou os saqueadores da Petrobras. “Não houve qualquer cerceamento de defesa e as decisões foram baseadas em provas materiais de corrupção, concussão, desvio de verbas públicas, favores inadmissíveis e retorno da parte do assalto às finanças estatais”, resume Gandra. “Não creio que tenha sido esta a intenção da Corte, mas o STF desmontou a Operação Lava Jato. O Brasil se tornou um país de corruptores sem corruptos.”

O jurista Adilson Dallari endossa os pareceres de Gandra. “Tentou-se mostrar que havia um conluio entre o Ministério Público e o juiz. Juízes, promotores e advogados conversam, sim, fora dos autos, mas isso não compromete o curso do processo, nem anula a decisão. Basta ler o texto das sentenças, muito bem elaboradas e confirmadas nas instâncias superiores.” Dallari vê as coisas como as coisas são.Não há ex-condenados, mas descondenados. O STF buscou e encontrou um subterfúgio para livrar o Lula. Outros réus pegaram carona na ação entre amigos que beneficiou o ex-presidente.” Para o jurista, denúncias e ações contra procuradores e juízes têm vida curta: “Depois das eleições serão todas arquivadas, pois são totalmente despropositadas e infundadas”.

Na História Nacional da Infâmia, a sinopse do mais torpe faroeste à brasileira caberá em uma única frase:Quando as investigações se aproximaram perigosamente de alguns ministros do Supremo e seus amigos, os ameaçados resolveram estancar a sangria”.

Com reportagem de Artur Piva e Cristyan Costa

Leia também “A Constituição estuprada”

Augusto Nunes - Silvio Navarro, colunistas - Revista Oeste

 

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Férias numa colônia penal - Valor Econômico

Bruno Carazza

Rotina de presos da Lava Jato reproduzia privilégios

A vida dos detentos da Lava-Jato melhorou muito quando puderam utilizar na cadeia um produto denominado “bloqueador de odores sanitários”. Com o problema do mau-cheiro resolvido, o cotidiano na sexta galeria oferecia um serviço cinco estrelas comparado com as demais prisões no Brasil: rádio e TV liberados, um pátio maior para fazer exercícios físicos e livre trânsito entre as celas dos colegas.

A cena é descrita por Wálter Nunes em “A Elite na Cadeia: o dia a dia dos presos da Lava Jato”, lançado recentemente pela editora Objetiva. Repórter da “Folha de S.Paulo”, Nunes cobriu in loco o entra-e-sai de políticos e executivos de algumas das mais importantes companhias do país na carceragem da Polícia Federal em Curitiba e no Complexo Médico Penal de Pinhais.Nos plantões em que acompanhava os efeitos de decisões judiciais e acordos de delação premiada no âmbito das várias fases da operação, o jornalista obteve a confiança de agentes penitenciários, carcereiros e diretores das prisões, além de advogados e parentes dos detentos, que lhe contaram o comportamento e a rotina dos presos mais famosos do Brasil - relatos esses que são a matéria-prima do livro.

A presença de políticos, empreiteiros, lobistas, doleiros e dirigentes de estatais no sistema prisional é um feito incomum dado nosso longo histórico de leniência não apenas com a corrupção, mas com os chamados crimes de colarinho branco em geral. Não é à toa que menos de 1% da população carcerária brasileira tem curso superior. As prisões brasileiras são uma amostra, em cores ainda mais sombrias, da imensa desigualdade social brasileira, e o livro-reportagem de Wálter Nunes mostra como esse sistema gera privilégios para os mais ricos e poderosos até mesmo na cadeia.

É difícil disfarçar nosso sadismo quando imaginamos os responsáveis por desvios bilionários dos cofres públicos comendo arroz, macarrão e feijão na marmita fria, ou ao pensarmos em seus familiares sendo submetidos à mesma revista íntima degradante a que milhares de parentes dos presos “comuns” são obrigados a enfrentar nos dias de visitas. Não é fácil exercer a empatia mesmo diante dos relatos de crises de choro e depressão quando nos lembramos que aqueles mesmos indivíduos distribuíam ou recebiam malas de dinheiro e transferiam milhões de reais desviados para paraísos fiscais.

O fato de figurões da República estarem sob a responsabilidade da Polícia Federal e do sistema penitenciário paranaense, porém, lhes conferiu uma série de benesses que são negadas aos detentos normais. Por medo de se tornarem alvo de facções criminosas ou rebeliões, os presos da Lava-Jato ficavam em geral apartados em galerias exclusivas, o que por si só lhes protegia das condições medievais em que são confinados os demais criminosos no país. É óbvio que não estou aqui a defender tratamentos desumanos para quem descumpre a lei; pelo contrário, um sistema prisional indigno só degenera ainda mais os condenados no seu retorno à sociedade.

Mas, a partir do descrito em “A Elite na Cadeia”, a deferência com que foram tratados corruptores e corruptos - e o que é pior, os privilégios que foram adquirindo com o passar do tempo - revoltam o cidadão comum. De acordo com o relato de Wálter Nunes, progressivamente os detentos da Lava-Jato foram conquistando pequenas regalias em geral negadas aos presos comuns. Um exército de advogados muito bem pagos tratou de obter junto ao então juiz Sergio Moro condições que, apesar de estarem previstas na Lei de Execuções Penais, dificilmente são concedidas a quem não dispõe dessa assessoria, como atendimento médico, dieta especial e até podóloga. Conforme conquistavam a confiança e a intimidade de agentes penitenciários e diretores da prisão, os lava-jatos passaram a ter acesso a objetos normalmente negados, de jornais e revistas a barras de chocolate, passando por aparelhos de ginástica e luminárias.

É curioso notar como, dentro da prisão, alguns lava-jatos desempenhavam os mesmos papéis exercidos em liberdade. Fernando Baiano e Adir Assad, por exemplo, se encarregavam de levar aos responsáveis pela sua custódia os pleitos dos demais presos, tentando convencê-los da necessidade do seu atendimento, tal qual faziam na sua atividade de lobistas. Em algumas situações os empreiteiros levaram a cabo verdadeiras parcerias público-privadas com a direção da prisão, custeando o conserto das caldeiras do aquecimento de água ou a reforma do sistema de captação do sinal de TV aberta.

O livro de Wálter Nunes ainda traz a suspeita, transmitida ao autor por várias de suas fontes, de que regalias também foram prometidas e concedidas como estímulo à celebração de acordos de delação premiada. A convivência entre delatores e delatados, como Alberto Youssef e Nelma Kodama, também teria sido determinante para aumentar o número de interessados em negociar com o Ministério Público e a Polícia Federal. Ao final da leitura de “A Elite na Cadeiafica-se com a sensação de que, para os poderosos pegos pela Lava-Jato, o crime compensou. Na ânsia de aprofundar as investigações, o recurso de conceder benefícios em troca de informações delatadas parece ter ido longe demais. Hoje, a maior parte dos personagens do livro de Wálter Nunes já se encontra em casa, beneficiados pela colaboração premiada ou pela decisão do Supremo contra a prisão em segunda instância. Pelo montante de recursos desviados e a degeneração da República, corruptos e corruptores ficaram muito pouco tempo na cadeia - e mesmo durante esse período, a rotina dos lava-jatos descrita no livro mais parece um misto de spa, retiro espiritual e colônia de férias.

Graças à Lava-Jato, Sergio Moro chegou a ministro da Justiça e hoje é o responsável pelas investigações da Polícia Federal e pela execução das penas no sistema prisional. Seria bom se, perante a bancada do “Roda Viva” de hoje, ele expusesse um plano concreto para fazer do cumprimento da pena um real incentivo para evitar que criminosos voltem a delinquir e outros não sigam seu caminho.

Bruno Carazza, mestre em economia, doutor em direito, professor do Ibmec  e servidor publico federal (licenciado) - Valor Econômico 
 
 

domingo, 16 de junho de 2019

O autoengano de Moro e Deltan

Ministro acredita (ou faz que acredita) que a forma apaga o conteúdo

Essência do vazamento é seu conteúdo

Uma semana depois da divulgação das conversas do juiz Sergio Moro com o procurador Deltan Dallagnol pelo site The Intercept Brasil, consolidou-se a linha de defesa do governo segundo a qual o que houve ali foi um crime. Trata-se de uma magnífico exercício de autoengano. Foi praticado um crime na forma, mas a essência do episódio está no seu conteúdo. A divulgação dos Pentagon Papers, em 1971, decorria de um indiscutível crime contra a segurança nacional dos Estados Unidos, pois os documentos que contavam a ação americana no Vietnã eram secretos e foram roubados. A Suprema Corte dos Estados Unidos derrubou a tentativa do governo de proibir a sua divulgação.

[destaque necessário: FATOS:
- violar sigilo telefônico e de comunicações telemáticas é crime, segundo a legislação brasileira em vigência, deve ser obedecida - obedecer as leis não é uma opção e sim um DEVER;
- a Constituição Federal estabelece que provas adquiridas por meios ilícitos não são válidas;
- até o presento momento, não existe provas ou mesmo indícios de que as conversas são autênticas, podem ter sido forjadas;
- ainda que não fosse crime violar, roubar, conversar privadas, ainda que as conversas sejam autênticas, o conteúdo das mesmas não apresenta nada que possa indicar que ocorrem fraudes no processo que condenou o ladrão Lula e outros bandidos.

O processo do triplex se destacar por ser o processo mais analisado do Brasil, quiçá do mundo - todas as instância do Judiciário comprovam que tudo transcorreu dentro da legalidade.]

Governantes inventam (e fingem que acreditam) coisas incríveis. O governo petista e seu comissariado desqualificavam o conteúdo das colaborações de alguns de seus companheiros e cúmplices com a Lava Jato de Sergio Moro denunciando a forma como os procuradores obtinham as confissões (encarcerando os suspeitos). Em junho de 2015 a presidente Dilma Rousseff disse: “Não respeito delator”. O autoengano petista custou o mandato a Dilma e a liberdade a Lula, bem como aos ex-ministros José Dirceu e Antonio Palocci.

Um ano depois da fala de Dilma, Sergio Moro lembrou a Deltan Dallagnol que a Lava Jato estava há “muito tempo sem operação”. (Dias depois foi para a rua a Operação Arquivo X.) Na mesma conversa, o juiz ofereceu ao procurador o nome de uma “fonte séria” que “estaria disposta a prestar a informação”. (Não devia ser séria porque oferecia informações que não se materializaram sobre o filho de Lula. Além disso, não topou falar.) À época não se sabia que o juiz Moro e o procurador Dallagnol tinham tamanha fraternidade. Sabe-se agora, graças ao The Intercept Brasil. Em 2015 autoenganavam-se empreiteiros e petistas. Hoje, quem acredita (ou faz que acredita) que a forma apaga o conteúdo é o ministro Moro.

Em novembro de 1971 a filósofa Hannah Arendt publicou um artigo intitulado “Mentindo na Política: Reflexões sobre os Papéis do Pentágono” e nele cuidou do mecanismo do autoengano. Ela disse o seguinte: “O autoengano pressupõe que a distinção entre a verdade e a falsidade, entre a realidade e a fantasia, desaparece numa cabeça que se desligou dos fatos. No campo político, onde o segredo e a dissimulação sempre desempenharam um importante papel, o autoengano é o perigo por excelência: o enganador autoenganado perde todos os contatos, não só com seu público, mas com o mundo real”.
(...)


BALCÃO DA LANCHONETE
Frase colhida num balcão de lanchonete:
“Quando ele gravava, podia. Agora que grampearam ele, é crime”.

AUSTERIDADE
O filho de um alto morubixaba de Brasília resolveu viajar para o Rio. Seu pai, avarento e austero, disse-lhe que fosse de ônibus.
Ele foi, seguido pelo carro dos seguranças.

(...)

ORDEM NO PALÁCIO
Alguém precisa avisar ao presidente Bolsonaro que não deve receber quadros do segundo escalão do governo sem o conhecimento dos ministros a quem eles são subordinados.
Às vezes isso é feito em nome de velhas amizades, mas o amigo pensa que está com a bola cheia e acaba segurando fio desencapado.

BOLO SEM CEREJA
A saída do regime de capitalização do projeto de reforma da Previdência tirou a cereja do bolo que a banca ajudou a assar.
Ela continuará apoiando a reforma, mas chorará em segredo. Até mesmo porque é duvidoso que a mutilação tenha sido uma boa ideia.

RECORDAR É VIVER
Nos 30 anos da repressão aos estudantes que estavam na praça da Paz Celestial, os organizadores das manifestações de Hong Kong deverão calibrar a radicalização de suas palavras de ordem.
oje sabe-se que Deng Xiaoping decidiu acabar com o acampamento e reorientar o governo em abril. Os estudantes acharam que tinham pista livre e radicalizaram. Em maio Deng chamou a tropa e deu sinais de que derrubaria. Em junho baixou o chanfalho.
Na política chinesa, três meses equivalem a uma fração de segundos em outras terras.

CONTA DA PETROBRAS
Vem aí uma conta pesada para a Petrobras. Assim como fizeram, com sucesso, os investidores americanos, alguns fundos brasileiros prejudicados pelas malfeitorias ocorridas na Petrobras, querem ser indenizados.
Por enquanto, a conta (parcial) está em R$ 58 bilhões.
A burocracia da empresa e a União empurram o caso com a barriga e hoje há uma disputa para se saber se o processo deve ser submetido à Câmara de Arbitragem ou mandado para a Justiça. O caso está no Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde a relatora Nancy Andrighi já se decidiu pela arbitragem. Se essa tese prosperar a sentença pode sair ainda neste ano.

(...)


Elio Gaspari, jornalista - O Globo - Folha de S. Paulo

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Farra nas estatais e PT um partido sem candidato



Editorial do Estadão: A viagem lisérgica

A oficialização da candidatura de Lula da Silva à Presidência, no sábado passado, torna o PT, na prática, um partido sem candidato

O Partido dos Trabalhadores (PT), dirigido da cadeia por seu chefão, tem e não tem candidato à Presidência. Ou melhor, tem dois candidatos ─ e uma candidata a vice-presidente que é sem ser. Se o leitor não entendeu, não se preocupe. Ninguém entendeu. É a “viagem lisérgica” de que falou o candidato Ciro Gomes a respeito da estratégia petista.
A oficialização da candidatura de Lula da Silva à Presidência, no sábado passado, torna o PT, na prática, um partido sem candidato, pois o demiurgo de Garanhuns é inelegível, de acordo com a Lei da Ficha Limpa. A ideia, claro, é desafiar a Justiça a impugnar a candidatura do messiânico líder petista ─ que, à moda dos velhos caudilhos de antanho, considera que somente a História e as urnas são capazes de julgá-lo, pois ele está acima dessa formalidade chamada “lei”.

Esse tem sido o comportamento de Lula desde que foi flagrado em debochado contubérnio com empreiteiros, à custa de bons contratos de obras públicas e outros benefícios. Condenado a mais de 12 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro ─ isso apenas no primeiro dos processos aos quais responde ─, Lula não se preocupa mais em se defender nos tribunais, posto que a presunção de inocência há muito deixou de existir, e passou a usar seu bom desempenho nas pesquisas de intenção de voto como argumento para qualificar a condenação como “perseguição política”. Conforme essa linha de “defesa”, todo o Judiciário, a imprensa, a CIA e os “grandes grupos estrangeiros” colocaram-no na cadeia “sem provas” somente para impedi-lo de voltar à Presidência.

Como fez ao longo de toda a sua trajetória política, Lula só está pensando em si mesmo. Usa a campanha presidencial e todo o aparato do PT com o objetivo de intimidar magistrados, provocar a desordem institucional e, assim, gerar um impasse no Judiciário a respeito de sua candidatura. Pouco importa se essa estratégia causa enorme confusão no País e se reduz o PT, outrora vistoso partido, à condição de mero leão de chácara de seu mandachuva.  Mas essa encenada valentia de Lula não passou em seu primeiro teste real. O ex-presidente pretendia escolher seu candidato a vice-presidente somente na véspera do registro da candidatura, no próximo dia 15, o que lhe daria tempo para mais articulações políticas. Por determinação da Justiça Eleitoral, no entanto, o nome do vice teve de ser indicado até o domingo passado, dia 5. Num primeiro momento, Lula tinha a intenção de dar uma banana para essa determinação, fazendo o PT anunciar a chapa somente com seu nome. Mas, alertado de que isso poderia acarretar a impugnação da chapa, Lula refugou — e, de sua cela em Curitiba, mandou colocar o ex-prefeito Fernando Haddad como seu vice. Com isso, antecipou aquilo que todos sabem que vai acontecer: Haddad será o candidato do PT à Presidência, porque Lula é inelegível.

Mas a “viagem lisérgica” do PT continuou. Sendo Haddad o candidato à Presidência, embora ainda não seja, era preciso encontrar um vice para a futura chapa do ex-prefeito. Em negociações frenéticas no domingo, tudo sob a condução de Lula, os petistas conseguiram convencer o PCdoB a retirar a candidatura presidencial de Manuela D’Ávila, que será vice de Haddad quando este se tornar o candidato a presidente. Nesse meio tempo, enquanto a farsa da candidatura de Lula persistir, Manuela D’Ávila fica numa espécie de limbo político.

O PT tentou explicar: “(Haddad) será o porta-voz de Lula até o trâmite final da homologação da candidatura Lula na Justiça Eleitoral. Concluída essa etapa, a ex-deputada Manuela D’Ávila assumirá a posição de vice na chapa”. Ou seja, a rocambolesca equação serviu somente para confirmar que até o PT já se conformou com o fato de que Lula está fora do páreo, e que a chapa presidencial do partido será formada por Fernando Haddad e Manuela D’Ávila.  Até que esse cenário se materialize, contudo, o País ainda conviverá mais alguns dias com a monomania do PT, transformado definitivamente numa seita religiosa, cujo credo se baseia na infalibilidade e na santidade de seu líder, o “padim” Lula da Silva.


Farra nas estatais


O número descomunal de ausências não é fruto do acaso

O funcionalismo público desfruta de um rol de benefícios e privilégios inacessível à imensa maioria dos trabalhadores do setor privado. Um exemplo bem conhecido dessa realidade é a disparidade entre as regras do regime previdenciário dos funcionários públicos e as do regime geral aplicadas aos trabalhadores. Há também outras benesses menos conhecidas, restritas a alguns setores ou estatais, que são igualmente deploráveis. Recentemente, o Estado revelou uma série de privilégios encontrados na Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), estatal criada no segundo governo Lula. A empresa tem 2.307 empregados, que, nos últimos seis meses, apresentaram 2.845 atestados médicos e pedidos de afastamento. Certamente, o departamento pessoal da estatal tem muito trabalho: são, em média, quase 16 solicitações por dia.

O número descomunal de ausências não é fruto do acaso. Na EBC vigora um peculiar acordo coletivo que permite aos funcionários faltarem até cinco dias por ano para acompanhar, em consultas ao médico ou ao dentista, o cônjuge, o companheiro, o pai, a mãe, o filho, o enteado ou dependente legal. Fica fácil encontrar motivo para faltar ao trabalho.  Outra generosidade da estatal da comunicação é que, se o período do afastamento for inferior a quatro meses, o empregado tem direito ao salário integral. Sendo assim, também não é de estranhar a quantidade de pedidos de afastamento.

A EBC também é generosa com os salários. Na sua folha de pagamento, constam ao menos 83 empregados que recebem mais de R$ 20 mil, além de outros benefícios. No setor de contabilidade, há uma funcionária concursada que recebe R$ 35,8 mil mensais. Conforme a Constituição estabelece, o teto salarial do funcionalismo é o salário de ministro do Supremo Tribunal Federal, que hoje é de R$ 33,7 mil.

Em maio, por exemplo, houve cinegrafistas que receberam R$ 25 mil da EBC. A iniciativa privada paga, em média, R$ 4 mil para a mesma função. Uma secretária recebeu R$ 27,8 mil, valor similar ao do salário inicial de um juiz. Em nota sobre os altos valores, a EBC informou que os vencimentos mais altos se referem a salários de empregados que “obtiveram progressão salarial em décadas de carreira” ou que “recorreram à Justiça para incorporar valores a sua remuneração”.
[Detalhe:
toda a produção de comunicação da EBC tem como principal objetivo atender às necessidade de uma TV - TV Brasil - que desde sua fundação apresenta audiência = um traço = zero;
Por óbvia a principal consumidora da produção dos cinegrafistas é a tal TV, sendo sua audiência ZERO a produção daqueles profissionais é dispensável, o que torna de forma automática e indisfarçável a presença deles no quadro de pessoal da estatal.] 

Além de lembrar as distorções salariais causadas pela submissão do Judiciário às pressões das corporações públicas, a explicação da EBC desmonta o discurso, sempre repetido por setores do funcionalismo público, a respeito do achatamento dos salários na área pública, que estariam sempre defasados. Como se vê, longe de ocasionar perdas salariais, o transcurso do tempo – a “progressão salarial em décadas de carreiras” – tem proporcionado a funcionários públicos pródigos salários, completamente fora da realidade do mercado de trabalho.

Outra estatal com uma folha de pagamento extravagante é a Infraero, segundo informações da Folha de S.Paulo. Com a concessão de vários aeroportos à iniciativa privada, a empresa reduziu suas atividades operacionais, mas não reduziu, na mesma proporção, o número de seus funcionários, havendo, agora, gente excedente. Como medida para alocar seus empregados, a Infraero chegou ao descalabro de inventar funções, até então desnecessárias, como a de vigia de refeitório.

Com uma folha de pagamento de R$ 2,1 bilhões, representando 68% das despesas operacionais, não há outra solução para a Infraero que a redução do número de funcionários. No entanto, na época das concessões, o governo federal, Dilma Rousseff à frente, assinou um acordo comprometendo-se a não demitir, sem justa causa, mais que sete trabalhadores por ano até 2018. Hoje, a empresa tem cerca de 10 mil funcionários. Como se não bastasse, o acerto foi prorrogado até 2020.

Não é sem razão que boa parte do funcionalismo público vive num mundo à parte. Há um conjunto, aparentemente ininterrupto, de péssimas decisões a sustentar, com dinheiro do contribuinte, essa vida tão diferente da do mundo real. A farra tem de acabar. [temos que ter em conta que no Brasil um ex-presidente condenado a doze anos e um mês de prisão, encarcerado em dependências da Policia Federal em Curitiba, sem liberdade de locomoção - exceto em viaturas da PF e sob escolta de policiais federais - tem direito a quatro seguranças, dois motoristas e quatro assessores.] 

Editorial - O Estado de S. Paulo