Editorial do Estadão: A viagem lisérgica
A oficialização da candidatura de Lula da Silva à Presidência, no sábado passado, torna o PT, na prática, um partido sem candidato
O Partido
dos Trabalhadores (PT), dirigido da cadeia por seu chefão, tem e não tem
candidato à Presidência. Ou melhor, tem dois candidatos ─ e uma candidata a
vice-presidente que é sem ser. Se o leitor não entendeu, não se preocupe.
Ninguém entendeu. É a “viagem lisérgica” de que falou o candidato Ciro Gomes a
respeito da estratégia petista.
A
oficialização da candidatura de Lula da Silva à Presidência, no sábado passado,
torna o PT, na prática, um partido sem candidato, pois o demiurgo de Garanhuns
é inelegível, de acordo com a Lei da Ficha Limpa. A ideia, claro, é desafiar a
Justiça a impugnar a candidatura do messiânico líder petista ─ que, à moda dos
velhos caudilhos de antanho, considera que somente a História e as urnas são
capazes de julgá-lo, pois ele está acima dessa formalidade chamada “lei”.
Esse tem
sido o comportamento de Lula desde que foi flagrado em debochado contubérnio
com empreiteiros, à custa de bons contratos de obras públicas e outros
benefícios. Condenado a mais de 12 anos de prisão por corrupção e lavagem de
dinheiro ─ isso apenas no primeiro dos processos aos quais responde ─, Lula não
se preocupa mais em se defender nos tribunais, posto que a presunção de
inocência há muito deixou de existir, e passou a usar seu bom desempenho nas
pesquisas de intenção de voto como argumento para qualificar a condenação como
“perseguição política”. Conforme essa linha de “defesa”, todo o Judiciário, a
imprensa, a CIA e os “grandes grupos estrangeiros” colocaram-no na cadeia “sem
provas” somente para impedi-lo de voltar à Presidência.
Como fez
ao longo de toda a sua trajetória política, Lula só está pensando em si mesmo.
Usa a campanha presidencial e todo o aparato do PT com o objetivo de intimidar
magistrados, provocar a desordem institucional e, assim, gerar um impasse no
Judiciário a respeito de sua candidatura. Pouco importa se essa estratégia
causa enorme confusão no País e se reduz o PT, outrora vistoso partido, à
condição de mero leão de chácara de seu mandachuva. Mas essa
encenada valentia de Lula não passou em seu primeiro teste real. O
ex-presidente pretendia escolher seu candidato a vice-presidente somente na
véspera do registro da candidatura, no próximo dia 15, o que lhe daria tempo
para mais articulações políticas. Por determinação da Justiça Eleitoral, no
entanto, o nome do vice teve de ser indicado até o domingo passado, dia 5. Num
primeiro momento, Lula tinha a intenção de dar uma banana para essa
determinação, fazendo o PT anunciar a chapa somente com seu nome. Mas, alertado
de que isso poderia acarretar a impugnação da chapa, Lula refugou — e, de sua
cela em Curitiba, mandou colocar o ex-prefeito Fernando Haddad como seu vice.
Com isso, antecipou aquilo que todos sabem que vai acontecer: Haddad será o
candidato do PT à Presidência, porque Lula é inelegível.
Mas a
“viagem lisérgica” do PT continuou. Sendo Haddad o candidato à Presidência,
embora ainda não seja, era preciso encontrar um vice para a futura chapa do
ex-prefeito. Em negociações frenéticas no domingo, tudo sob a condução de Lula,
os petistas conseguiram convencer o PCdoB a retirar a candidatura presidencial
de Manuela D’Ávila, que será vice de Haddad quando este se tornar o candidato a
presidente. Nesse meio tempo, enquanto a farsa da candidatura de Lula
persistir, Manuela D’Ávila fica numa espécie de limbo político.
O PT
tentou explicar: “(Haddad) será o porta-voz de Lula até o trâmite final da
homologação da candidatura Lula na Justiça Eleitoral. Concluída essa etapa, a
ex-deputada Manuela D’Ávila assumirá a posição de vice na chapa”. Ou seja, a
rocambolesca equação serviu somente para confirmar que até o PT já se conformou
com o fato de que Lula está fora do páreo, e que a chapa presidencial do
partido será formada por Fernando Haddad e Manuela D’Ávila. Até que
esse cenário se materialize, contudo, o País ainda conviverá mais alguns dias
com a monomania do PT, transformado definitivamente numa seita religiosa, cujo
credo se baseia na infalibilidade e na santidade de seu líder, o “padim” Lula
da Silva.
Farra nas estatais
O número descomunal de ausências não é fruto do acaso
O
funcionalismo público desfruta de um rol de benefícios e privilégios
inacessível à imensa maioria dos trabalhadores do setor privado. Um exemplo bem
conhecido dessa realidade é a disparidade entre as regras do regime
previdenciário dos funcionários públicos e as do regime geral aplicadas aos
trabalhadores. Há também outras benesses menos conhecidas, restritas a alguns
setores ou estatais, que são igualmente deploráveis. Recentemente, o Estado
revelou uma série de privilégios encontrados na Empresa Brasileira de Comunicação
(EBC), estatal criada no segundo governo Lula. A empresa tem 2.307 empregados,
que, nos últimos seis meses, apresentaram 2.845 atestados médicos e pedidos de
afastamento. Certamente, o departamento pessoal da estatal tem muito trabalho:
são, em média, quase 16 solicitações por dia.
O número
descomunal de ausências não é fruto do acaso. Na EBC vigora um peculiar acordo
coletivo que permite aos funcionários faltarem até cinco dias por ano para
acompanhar, em consultas ao médico ou ao dentista, o cônjuge, o companheiro, o
pai, a mãe, o filho, o enteado ou dependente legal. Fica fácil encontrar motivo
para faltar ao trabalho. Outra
generosidade da estatal da comunicação é que, se o período do afastamento for
inferior a quatro meses, o empregado tem direito ao salário integral. Sendo
assim, também não é de estranhar a quantidade de pedidos de afastamento.
A EBC
também é generosa com os salários. Na sua folha de pagamento, constam ao menos
83 empregados que recebem mais de R$ 20 mil, além de outros benefícios. No
setor de contabilidade, há uma funcionária concursada que recebe R$ 35,8 mil
mensais. Conforme a Constituição estabelece, o teto salarial do funcionalismo é
o salário de ministro do Supremo Tribunal Federal, que hoje é de R$ 33,7 mil.
Em maio,
por exemplo, houve cinegrafistas que receberam R$ 25 mil da EBC. A iniciativa
privada paga, em média, R$ 4 mil para a mesma função. Uma secretária recebeu R$
27,8 mil, valor similar ao do salário inicial de um juiz. Em nota sobre os
altos valores, a EBC informou que os vencimentos mais altos se referem a
salários de empregados que “obtiveram progressão salarial em décadas de
carreira” ou que “recorreram à Justiça para incorporar valores a sua
remuneração”.
[Detalhe:
toda a produção de comunicação da EBC tem como principal objetivo atender às necessidade de uma TV - TV Brasil - que desde sua fundação apresenta audiência = um traço = zero;
Por óbvia a principal consumidora da produção dos cinegrafistas é a tal TV, sendo sua audiência ZERO a produção daqueles profissionais é dispensável, o que torna de forma automática e indisfarçável a presença deles no quadro de pessoal da estatal.]
Além de
lembrar as distorções salariais causadas pela submissão do Judiciário às
pressões das corporações públicas, a explicação da EBC desmonta o discurso,
sempre repetido por setores do funcionalismo público, a respeito do achatamento
dos salários na área pública, que estariam sempre defasados. Como se vê, longe
de ocasionar perdas salariais, o transcurso do tempo – a “progressão salarial
em décadas de carreiras” – tem proporcionado a funcionários públicos pródigos
salários, completamente fora da realidade do mercado de trabalho.
Outra
estatal com uma folha de pagamento extravagante é a Infraero, segundo
informações da Folha de S.Paulo. Com a concessão de vários aeroportos à
iniciativa privada, a empresa reduziu suas atividades operacionais, mas não
reduziu, na mesma proporção, o número de seus funcionários, havendo, agora,
gente excedente. Como medida para alocar seus empregados, a Infraero chegou ao
descalabro de inventar funções, até então desnecessárias, como a de vigia de
refeitório.
Com uma
folha de pagamento de R$ 2,1 bilhões, representando 68% das despesas
operacionais, não há outra solução para a Infraero que a redução do número de
funcionários. No entanto, na época das concessões, o governo federal, Dilma
Rousseff à frente, assinou um acordo comprometendo-se a não demitir, sem justa
causa, mais que sete trabalhadores por ano até 2018. Hoje, a empresa tem cerca
de 10 mil funcionários. Como se não bastasse, o acerto foi prorrogado até 2020.
Não é sem
razão que boa parte do funcionalismo público vive num mundo à parte. Há um
conjunto, aparentemente ininterrupto, de péssimas decisões a sustentar, com
dinheiro do contribuinte, essa vida tão diferente da do mundo real. A farra tem
de acabar. [temos que ter em conta que no Brasil um ex-presidente condenado a doze anos e um mês de prisão, encarcerado em dependências da Policia Federal em Curitiba, sem liberdade de locomoção - exceto em viaturas da PF e sob escolta de policiais federais - tem direito a quatro seguranças, dois motoristas e quatro assessores.]
Editorial - O Estado de S. Paulo
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