É impossível que um grupelho de detentos formado no interior de uma penitenciária chegue ao desenvolvimento sem a conivência do poder público
O poderio bélico e econômico e a periculosidade do Primeiro Comando da Capital (PCC), quadrilha formada há 25 anos no Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté, no Vale do Paraíba, já eram tristemente conhecidos. Entretanto, o assassinato de Rogério Jeremias de Simone, o “Gegê do Mangue”, um dos líderes do bando, desencadeou uma investigação que revelou detalhes do funcionamento da facção criminosa capazes de estarrecer até os que se debruçam sobre ela por dever de ofício.Os documentos apreendidos pela polícia revelam a estrutura operacional montada pelo PCC para extrapolar os limites de São Paulo, ampliar sua presença em outros Estados e operar no tráfico internacional de drogas. A facção criminosa já está presente na Colômbia, no Paraguai, no Peru, na Bolívia e na Guiana. Apenas no Brasil, cerca de 30 mil criminosos fazem parte da folha de pagamento da facção. Uma série de ataques coordenados a ônibus e agentes de segurança pública de Minas Gerais e do Rio Grande do Norte mostra a força dessa política expansionista do PCC. Áudios obtidos pela Polícia Militar (PM) de Minas Gerais indicam a responsabilidade da facção nos ataques. Entre domingo e segunda-feira, 24 ônibus foram incendiados em 17 cidades mineiras. Em Natal, um ônibus foi queimado e um PM foi assassinado. “Parece-nos que houve, em parte, a orquestração de facção criminosa, mas não podemos determinar isso. A investigação é que vai ditar se esses áudios correspondem aos ataques que foram efetivados”, informou o major Flávio Santiago, porta-voz da PM mineira.
De acordo com a apuração feita pelo Estado, os ataques teriam sido represálias ao que o PCC chama de “opressão” supostamente praticada em presídios de MG e do RN. É sabido, no entanto, que o emprego da violência em ações espetaculares é uma tática do PCC para marcar “território”. De acordo com estimativa conservadora dos setores de inteligência da Polícia Civil de São Paulo, o PCC movimenta cerca de R$ 400 milhões por ano. O curioso é que, embora a informação provenha de um setor de “inteligência”, os números não são precisos. Há policiais que acreditam que o faturamento do bando possa ser, pelo menos, o dobro. Fosse uma organização que operasse de acordo com as leis, o PCC estaria entre as 500 maiores empresas do País. É impossível que um grupelho de detentos formado no interior de uma penitenciária chegue a este patamar de desenvolvimento sem a conivência do poder público, em diversas esferas, para operar sem sobressaltos. Também é um escândalo que uma organização criminosa possa operar por tanto tempo. A que preço se deu a omissão de agentes do Estado é ensejo para rigorosa investigação.
A julgar pelo teor das informações reveladas após a morte de “Gegê do Mangue”, a facção há muito não se contenta com os limites de São Paulo e do Brasil para executar suas atividades criminosas. Para o PCC, o mundo é pequeno se não lhe impuserem barreiras legais dissuasórias. Com estas ambições e os meios para a consecução de seus fins, o PCC tem atuado para infiltrar membros e simpatizantes em instituições do Estado que representam o anteparo legal aos seus planos de expansão criminosa. Já se teve notícia da presença de membros da quadrilha em Assembleias Legislativas, Câmaras Municipais e até mesmo em tribunais, sem falar na conivência da chamada “banda podre” das Polícias Civil e Militar.
Investigações revelaram a ação do PCC para financiar campanhas eleitorais de candidatos à Câmara dos Deputados que, caso eleitos, serviriam para propor projetos de lei alinhados com os interesses da quadrilha. Poucas ações representam maior ameaça à democracia representativa no Brasil do que o sequestro da vontade popular para servir aos nefandos desígnios de uma organização criminosa. Hoje, o PCC é uma das maiores ameaças à segurança dos brasileiros e às instituições democráticas. Tenha o tamanho que tiver, a quadrilha jamais poderá ser maior do que o próprio Estado. Passa da hora de dar um fim a este mal.
Editorial - O Estado de S. Paulo
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