Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER

domingo, 5 de agosto de 2018

A convenção do candidato preso

Máscaras, cantos pró-Lula e a rebelião dos jovens militantes, ao tempo que Delegados gritam em defesa da candidatura de Marília Arraes, impedida pela cúpula do PT de disputar o governo de Pernambuco

Em cada uma das quatrocentas cadeiras de plástico na casa que abrigou a convenção nacional do PT em São Paulo, na manhã deste sábado, havia uma máscara de papelão com uma foto do ex-presidente Lula e um folheto à espera dos militantes. "É pra sentar em cima do homem? Ele já está na pior e agora essa", brincou um sindicalista.

A declaração impressa na folha de papel resumia o mote do dia: "Lula livre, Lula candidato, eleição sem Lula é fraude!". Os apoiadores do partido, vindos de todo o país, têm em comum a crença de que as eleições deste ano não têm legitimidade, já que o candidato do partido, que tem a maior intenção de votos nas pesquisas eleitorais, está encarcerado desde 7 de abril.

Mascarados e entoando o canto "eu sou Lula", os petistas deram um ar de "V de Vingança" tupiniquim à convenção. No palco, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, explicou didaticamente: "Somos milhões de Lulas, como ele pediu." Apesar da instrução, muitos não entenderam onde deviam colocar a máscara. “Vamos lá, gente, na frente da cara”, instruíam alguns militantes na hora de tirar uma foto coletiva.

Como todos os eventos recentes do partido, a convenção foi um misto de palanque eleitoral e ato contra a prisão de Lula, condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro. Os temas políticos propositivos praticamente desapareceram dos discursos, centrados em Lula e em críticas ao sistema Judiciário e político. Só o paulista Eduardo Suplicy, candidato a senador, foi ao palanque para falar de uma proposta, a renda básica universal, seu xodó. Já com 77 anos, ficou rouco com um breve discurso.

Os repórteres e fotojornalistas dos grandes veículos de imprensa foram relegados a um camarote, sem acesso à plateia principal nem aos banheiros e bebedouros. Nos discursos dos membros do partido, como de costume, a mídia foi um dos principais alvos, acusada de ser golpista. Só podiam chegar perto do palco a agência de notícias do PT e fotógrafos ligados à militância.

O clima era de defesa fervorosa do ex-presidente, cujo rosto era retratado em canecas, broches, camisetas, livros e todo tipo de lembrancinha sendo vendida por apoiadores. Na plateia e fora dela, a cada segundo alguém gritava "Lula livre", inclusive crianças. Até de dentro da cabine do banheiro feminino, urinando, uma estudante secundarista puxou gritos apaixonados pedindo a soltura do ex-presidente. E foi acompanhada por outras mulheres. [a secundarista estava em um local duplamente adequado para fazer m ... : um banheiro e em uma convenção do partido 'perda total'.]    Entre os universitários, havia presença de algumas dezenas de cariocas e petistas de outros estados, mas não tantos paulistas, dando sinal do desgaste do partido nas universidades de São Paulo. A juventude puxou gritos contra o juiz Sergio Moro, o presidente Michel Temer e outros personagens repudiados pelos petistas.


A coesão em torno da figura de Lula e a constante gritaria coordenada a seu favor não significam que não haja rusgas no partido. O diretório pernambucano, que desobedeceu a Executiva Nacional e indicou a vereadora Marília Arraes para concorrer ao governo do estado nesta semana, levou dezenas de cartazes com os escritos "Marília governadora!" para manifestar a insubordinação, por exemplo.

A cúpula do PT, que já derrubou o recurso do diretório estadual a favor de Marília, quis evitar que a pernambucana concorresse com o governador Paulo Câmara (PSB), cujo partido costurou um acordo com o PT para permanecer neutro nestas eleições. Os delegados de Pernambuco eram numerosos e ocupavam quase um quarto do espaço. Inconformados, se comportavam quase como oposição.  A defesa da candidatura própria virou uma causa querida entre militantes mais jovens, e não só os pernambucanos. No grito entoado por eles, o recado é claro: "Não tem acordo com golpista, Marília candidata governadora petista". A referência da rima é ao fato de PSB ter apoiado o impeachment de Dilma em 2016.

Diversos discursos foram interrompidos por gritos em prol de Marília, para visível constrangimento e sorrisos amarelos dos membros da Executiva no palco. Entre eles, estavam os deputados federais Paulo Pimenta (RS) e Paulo Teixeira (SP), Fernando Pimentel, governador de Minas Gerais, e a filósofa Marcia Tiburi, candidata ao governo do Rio de Janeiro que não desgarrava de sua máscara de Lula.  A combinação com o PSB nesta semana teve como intenção isolar Ciro Gomes (PDT), que passou a fazer críticas mais ferozes ao PT e ao seu séquito. Em entrevista à GloboNews na última quarta-feira, chamou de "caudilhismo" a greve de fome que petistas mantêm em Brasília em defesa de Lula desde a última segunda-feira. Os famintos, inclusive, participaram da convenção com um relato emocionado em vídeo, transmitido no telão e aplaudido.

À exceção de Lula, porém, as lideranças que despontam no PT não são tão queridas assim, a julgar pelos cochichos nos corredores. Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo cotado para substituir Lula caso sua candidatura seja impugnada, é visto como moderado demais e descolado da base. Quando fala, desperta olhares de reprovação, apesar de seus discursos cada vez mais radicalizados e do protagonismo que ganhou nas últimas semanas como interlocutor do ex-presidente Lula na prisão.  Até o nome da candidata a senadora Dilma Rousseff, sofre alguma rejeição. "Dilma não lutou como deveria. Nós perdoamos muita coisa vindo dela. Ela teve câncer, mas o Lula não teve também? Só porque é mulher a gente espera que seja mais fraca?", esbravejou uma petista. Os militantes ao seu lado concordaram.   Um dos apoiadores da ex-presidente é Luis Dantas, que compareceu ao evento travestido de Dilma, com direito a terninho vermelho, faixa presidencial e um "pixuleco" de Aécio Neves (PSDB-MG) com roupa de presidiário.
 
Quem caísse de paraquedas teria a impressão de que o único nome popular o suficiente para substituir Lula na corrida presidencial é o de Marília Arraes, mas a realidade é que ela encarna o descontentamento de boa parte dos jovens e dos sindicalistas com as alianças feitas pelas lideranças do partido nos últimos anos, antes, durante e depois do impeachment. O pragmatismo dos dirigentes, que não se afastaram nem do PMDB, que articulou a saída de Dilma, irrita parte da base de apoiadores do PT que estava lá. "Somos radicalmente contra a decisão da Executiva de barrar a candidatura de Marília", diz à ÉPOCA a petista pernambucana Leda Carvalho, dando sinais de desolamento. "A estratégia eleitoral está toda centrada em torno de Lula livre, mas, com essas alianças, vai ser a maior derrota eleitoral que o PT já teve."

Já para o sindicalista e metalúrgico Eduardo Vieira, de Minas Gerais, a vida política tem dessas coisas. “Temos que fazer aliança com quem for, cada estado sabe sua conjuntura. Parte do PMDB apoiou o golpe, outra parte não. Fazer o quê?”, questiona.  No fim do dia, a unanimidade é só mesmo em torno de Lula. Como o mascarado V., na graphic novel de Alan Moore, é mais do que uma pessoa, é uma ideia. É o que está escrito no poema "IDEIA", que faz parte da coletânea "Lulalivre Lulalivro", distribuída para militantes na porta do evento. "Aprisionaram / Seu nome-carne / Isolaram / Seu nome-espírito / Mentiram / Sobre seu nome / Mas seu nome / Virou nome-ideia.

Em seu discurso, Dilma arranhou uma explicação de que ideia exatamente é essa. "O Lula representa todas as realizações feitas nos últimos 13 anos. Representa a esperança de que vamos mudar esse país", afirmou.

O evento durou cerca de três horas, das 11h às 14h, quando o vendedor de amendoim do PT já estava sucumbindo à pressão e distribuindo seu produto de graça. Quando foi lida a carta de Lula, lamentando não poder participar da convenção pelo fato de estar em uma cela da Polícia Federal, em Curitiba, metade da plateia já havia saído para almoçar.


Época
 

Nenhum comentário: