Interpretações
Como a palavra escrita não tem entonação, é possível ter-se versões diferentes sobre o mesmo tema
A decisão do Conselho Nacional de Justiça de não levar adiante um pedido
de investigação sobre o hoje ministro Sérgio Moro, sob a alegação de
que ele não é mais juiz e, portanto, não está sob a jurisdição do CNJ, retira qualquer possibilidade de punição no campo jurídico a respeito
das conversas reveladas pelo site Intercept. A questão agora fica por conta do Supremo Tribunal Federal (STF), que
vai julgar no dia 25 um pedido de suspeição do juiz Moro feito pela
defesa do ex-presidente. Esse pedido já foi rejeitado em diversas
instâncias da Justiça, e a única novidade são as conversas reveladas
agora.
A Segunda Turma, como fez ontem com o pedido de anulação dos julgamentos
do TRF-4, deve mandar para o plenário a decisão dessa nova ação da
defesa de Lula, pela gravidade de suas conseqüências. As conversas, mesmo não fazendo parte da ação que será julgada,
certamente afetarão a decisão dos juízes. É difícil imaginar que o
presidente da Corte, Dias Toffoli, e o ministro Alexandre de Moraes,
aceitem julgar com base em provas recolhidas ilegalmente, já que eles
são os líderes de uma ação singular do Supremo contra as fake news, e a
atuação de hackers nas redes sociais. O que mais impactou quem leu a troca de mensagens entre o então juiz
Sérgio Moro e o chefe dos procuradores da Lava-Jato, Deltan Dallagnol é a
informalidade com que tratam de assuntos relacionados ao processo do
ex-presidente Lula.
Jornalisticamente é compreensível que o Intercept tenha escolhido
trechos sobre o ex-presidente Lula para abrir o que deve ser uma série.
Não há registros, porém, de conversas sobre investigados de outros
partidos políticos que, como ressaltou o procurador Dallagnol em defesa
da Lava-Jato, já acusou só em Curitiba políticos e pessoas vinculadas ao
PP, ao PT, ao PMDB, ao PSDB, ao PTB, e só a colaboração da Odebrecht
nomeou 415 políticos de 26 diferentes partidos.
O trecho do Intercept em que Moro claramente sugere que os procuradores
ouçam uma testemunha sobre uma suposta transferência ilegal de imóveis
de filho do ex-presidente Lula, parece ser o mais próximo de um
aconselhamento, o que é proibido pelo Código de Processo Penal e,
teoricamente, pode ser motivo de anulação do julgamento.
“Então. Seguinte. Fonte me informou que a pessoa do contato estaria
incomodado por ter sido a ela solicitada a lavratura de minutas de
escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex
Presidente. Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a
informação. Estou então repassando. A fonte é seria”, escreveu Moro. “Obrigado!! Faremos contato”, respondeu Dallagnol pouco depois. “E
seriam dezenas de imóveis”, acrescentou o juiz. O que está sendo
considerada uma sugestão indevida, na verdade, segundo fontes ligadas
aos procuradores de Curitiba, foi uma maneira informal de oficiar ao
Ministério Público a ocorrência de um possível crime que precisava ser
apurado.
Qualquer pessoa, sobretudo um servidor público, [redundante destacar que mesmo um juiz sendo considerado MEMBRO do Poder Judiciário, ele é antes de tudo um SERVIDOR PÚBLICO, além do que a obrigação de comunicar se estende a QUALQUER PESSOA.
Se ocorreu o tal diálogo Moro estava apenas cumprindo um DEVER LEGAL.] tem o dever legal de encaminhar a denúncia ao Ministério
Público. Não se sabe se Moro formalizou o ofício depois, ou achou
suficiente essa comunicação através de mensagem de celular. Mais adiante, segundo a transcrição do Intercept, o procurador disse que
ligou para a fonte, mas ela não quis falar. “Estou pensando em fazer
uma intimação oficial até, com base em notícia apócrifa”, cogitou
Dallagnol. Ao que tudo indica, diz o Intercept, o procurador estava
considerando criar uma denúncia anônima para justificar o depoimento da
fonte.
O juiz Sergio Moro endossou a gambiarra, na interpretação do Intercept:
“Melhor formalizar então”, escreveu Moro. Assim como essa interpretação
leva a um desvio de conduta, outras podem revelar uma relação informal,
mas dentro da lei. Moro, alegam as mesmas fontes, quando escreveu “melhor formalizar,
então”, estava advertindo Dallagnol de que teria que oficializar esse
pedido, incluindo seu ofício aos procuradores. Como a palavra escrita
não tem entonação, é possível ter-se versões diferentes sobre o mesmo
tema.
Moro já disse que não tem condições de confirmar a veracidade das
conversas, mas não negou que elas tenham acontecido. A certeza de que as
conversas são editadas pelo site Intercept, revelada por ele, se deve,
entre outras coisas, ao fato de estranhar que não haja nomes citados
nessa suposta conversa. Ainda mais quando Dallagnol diz que vai mandar
procurar a tal testemunha.
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